A Constituição Brasileira, promulgada em 05/10/1988, é uma lei anacrônica, esdrúxula, imprópria para uma carta-magna, remendada para atender interesses do Poder e repleta de benevolências, privilégios e direitos sem deveres, obrigações ou contrapartidas . Fomenta centralização da justiça no STF, insegurança jurídica, morosidade da justiça, estado policial , ausência de civismo, desigualdades, desarmonia nos Poderes, centralização dos impostos na União, desordem pública e insegurança social. Jorge Bengochea

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O PLURALISMO DA NOSSA CONSTITUIÇÃO

O Estado de S.Paulo, 26/12/2012

Américo Masset Lacombe e Paulo Henrique dos S. Lucon* 


Finalizado o julgamento do chamado "mensalão", é a hora de tecermos algumas considerações e tirarmos algumas lições dos fatos lamentáveis ocorridos em consequência do episódio. Partiremos, no entanto, dos fundamentos da nossa República.

Pluralismo político, enumerado em nossa Constituição como um dos fundamentos da República (artigo 1.º, V), é norma princípio, e não norma preceito (regra). Tem ampla envergadura sistêmica e tipifica um valor que é fim em si mesmo.

Pluralismo significa tolerância (convivência pacífica) não só com as diversidades (ideias apenas diferentes), mas também com as divergências (ideias contrárias).

A postura intelectual imediata diante das diversidades e divergências é a dúvida. Penso, logo duvido. Este deve ser o lema dos que procuram conhecer.

Como bem disse o filósofo Soren Kierkegaard, a filosofia começa pela dúvida, é preciso ter duvidado para poder filosofar. Podemos acrescentar: é preciso duvidar de toda informação recebida para podermos avaliar e valorar o que foi passado pelo informante.

O pluralismo terá, portanto, como base o relativismo político, o que significa a impossibilidade de sobrepor valores éticos uns sobre os outros, desde que tais valores estejam prestigiados na nossa Constituição. Seria, assim, inadmissível a defesa do sacrifício humano como rito religioso, pois a Constituição (artigo 5.º caput) garante a inviolabilidade do direito à vida. Neste caso, não haveria possibilidade de convivência pacífica com tal disparate. Mas, se dois princípios constitucionais estão em confronto, a opção por um deles não pode gerar animosidade dos que pensam de forma diferente.

A decisão sobre qual princípio deve se sobrepor se passa no campo do valor, ou seja, prevalece o axioma consagrado na Constituição mais adequado com os anseios atuais de toda a Nação. Qualquer que seja a escolha, no entanto, não é admissível o desrespeito à liberdade de expor pontos de vista diversos sobre um determinado fato ou conjunto de fatos e muito menos manifestações de animosidade.

Deve, ainda, ser notado que o caput do artigo 5.º da Constituição garante o direito à liberdade. Esta não é apenas a possibilidade de ir e vir. Trata-se de uma liberdade muito mais ampla: a liberdade de pensar e de expressar o seu pensamento. Como bem disse o ministro Ayres Britto, numa costumeira frase poética, "a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade". No entanto, de nada adiantará haver liberdade de expressão, se não houver respeito pela opinião divergente.

Violam, portanto, o pluralismo pessoas que não admitem a controvérsia, como temos visto nos dias atuais. Inadmissível é, por exemplo, o comportamento de certas pessoas ofendendo em público determinado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Atitudes como essa fogem do Estado de Direito e da democracia e vêm somente a demonstrar o quanto estamos longe daquilo que se pode considerar povo civilizado.

Tais pessoas certamente não leram os autos do chamado "mensalão". No entanto, influenciadas por certa parcela expressiva da mídia, julgam-se oniscientes e não admitem posições contrárias às suas.

Setores expressivos da mídia, aliás, vêm se tornando cada vez mais totalitários, pois acreditam em verdades absolutas, quais sejam, as notícias fáticas oriundas de suas fontes de informações e que publicam como verdades incontestáveis. Têm a crença em valores absolutos e beiram uma concepção absolutista do mundo.

Também não lemos os autos do mensalão. Mas, exatamente por isso, não sabemos quais votos estão certos e quais estão errados. Sabemos, no entanto, que o respeito às diversas posições de todos os juízes é necessidade imperativa à nossa boa convivência democrática.

A democracia não se concretiza numa relação de belos princípios constantes de uma Constituição. Além de uma Constituição democrática, é necessária a existência do fato democrático, isto é, a vivência democrática, o que significa a aplicação dos princípios consagrados na Constituição aos fatos da vida. Se tais princípios não forem aplicados na prática do dia a dia, a realidade democrática estará comprometida.

A convivência com a diversidade, o respeito ao debate, e mesmo com a divergência, tem como pressuposto a existência de outros, com os mesmos direitos que nós. Os outros não são o inferno, conforme quer Sartre: são apenas componentes de uma sociedade que, de acordo com a nossa Constituição federal, deve ser igualitária, o que significa que todos têm o direito de manifestar a sua opinião.

A divergência é necessária e ilumina os caminhos a percorrer pela humanidade. No Direito, assume proporções gigantescas porque permeia o Estado que desejamos. Homenageamos, aqui, a divergência não somente no processo do mensalão, mas nos inúmeros julgamentos que ocorrem diuturnamente no Brasil em que ela se verifica.

Com este breve ensaio, procura-se demonstrar a necessidade que a imensa maioria dos brasileiros tem de se conscientizar de que a divergência não é um mal, mas um benefício para a evolução do Estado Democrático de Direito.

Votar contra toda a mídia ou grande parcela dela não significa erro nem acerto, significa apenas que vivemos uma democracia e, como tal, devemos aceitar diferentes visões e interpretações, tudo em prol da evolução da sociedade. Manifestações de animosidade, especialmente contra julgadores, merecem todo repúdio.

AUTORES: 

* Respectivamente, advogado, membro da Comissão de Ética da Presidência da República, foi juiz federal, desembargador federal e presidente do Tribunal Federal da Terceira Região; e advogado, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), é professor-doutor da Faculdade de Direito da USP. Ambos foram juízes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

CONSTITUIÇÃO TEMPORÁRIA

BLOG DO GCM CARLINHOS SILVA
quinta-feira, 20 de setembro de 2012

CONSTITUIÇÃO DE 88: CONSTITUIÇÃO TEMPORÁRIA...


Sete Constituições

Almir Pazzianotto Pinto*


Desde a promulgação, em 5 de outubro de 1988, não houve momento no qual a Constituição cidadã, como a denominou Ulysses Guimarães, deixasse de ser discutida, elogiada, criticada, ou se encontrasse protegida contra retaliações. Passados 24 anos, contabilizam-se 70 emendas, todas de forte impacto no texto original.

Durante os cinco primeiros anos, a Lei que os presidentes da República, do STF, e do Congresso nacional, assumiram o compromisso de manter, defender e cumprir, permaneceu intocada, pois assim determinava o Art. 3º do Ato das Disposições Transitórias. Cumprida a fase de resguardo, a sensação que se teve foi de abertura da porteira à boiada inquieta, que sobre ela arremeteu. A Emenda nº 1 foi aprovada rapidamente em 2 de março de 1994. Desde então, a Nação viu-se constrangida a acompanhar processo ininterrupto de alterações, que hoje atingem o espantoso número de 70.

A rigor, não deveríamos nos impressionar, pois esta de 88 é a sétima, ou oitava, da série iniciada com a Carta Imperial, de 1824. Vieram, depois, a Constituição de 1891, com apenas 91 artigos e 8 disposições transitórias. A Revolução de 1930 derrubou Washington Luiz e abateu a Lei Superior. Desde então, o País viu malograrem as constituições de 34, 37, 46, 67 (Emenda 1/69), até chegarmos à atual, cuja insegurança confirma-se diariamente.

Comentários às constituições, sob viés político, conheço dois: o primeiro, intitulado “Constituições do Brasil”, editado pelo Centro de Ensino à Distância, de Brasília. São seis tomos, com estudos relativos ao período 1824/1967, redigidos por notáveis juristas: Aliomar Baleeiro, Ronaldo Poletti, Walter Costa Porto, Octaciano Nogueira, Barbosa Lima Sobrinho, Themístocles Brandão Cavalcanti, Luiz Navarro de Brito.
Surge, agora, “A história das Constituições Brasileiras - 200 anos de luta contra o arbítrio”, de Marco Antonio Vila. O autor é mestre em sociologia, doutor em história pela USP, e leciona na Universidade de São Carlos. Escreveu, também, “Jango Um Perfil” e “Canudos o Povo da Terra”. O livro traz, à guisa de conclusão, capítulo cujo instigante título é “O STF e as liberdades; um desencontro permanente”.

Não é, como diz o autor, obra de direito constitucional. Nessa linha temo-las em quantidade. O prolífico Pontes de Miranda, por exemplo, produziu várias, todas em meia dúzia de tomos. Longe disso – afirma Marco Antonio Villa – o que se procura demonstrar é que “na maioria das vezes, os textos constitucionais estavam distantes da realidade brasileira.”

A fragilidade das sete constituições basta como demonstração do divórcio entre utopia e realidade. Das sete, as mais resistentes às intempéries foram obras de um homem só; a do Império, outorgada por D. Pedro I, vigorou 65 anos, com uma única emenda e, a de 1891, redigida por Ruy Barbosa, 40, sendo modificada apenas uma vez.

A mais vulnerável é a de 1988, elaborada por Assembleia Nacional Constituinte, composta por centenas de deputados e senadores, em clima de total liberdade. Deu no que deu. Permanece em pé, enfraquecida, porém, e desfigurada. Do ponto de vista das garantias sociais é ambiciosa, entretanto utópica, para não dizer falsa. Leiam-se os capítulos relativos à saúde, educação, família, segurança. Platão não teria feito melhor.

Detenho-me no art. 196, um dos que maior interesse tem para o povo. Afirma-se, ali: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Conversa fiada, como diz o homem simples. Direito à saúde tem quem pode pagar por excelente plano, contratar seguro hospitalar, exerce ou tenha exercido, alto cargo na administração pública, o que lhe abre as portas, de imediato e sem custos, aos melhores hospitais do País. O pobre dependente de assistência médica pública, hospital filantrópico, santa casa de misericórdia, ou instituição de caridade, está perdido. Nos municípios menores, mesmo dos estados ricos, inexistem clínicas, ambulatórios e médicos, e quando encontrados, sobrecarregados de dívidas não dispõem de equipamentos e remédios.
É necessário lermos a obra do prof. Marco Antonio Villa, sobretudo os estudantes de cursos superiores. O texto, direto e simples, ensina a distinguir o concreto da fantasia.

*Advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Fonte: http://www.pazzianotto.com.br/artigos.asp?cod=168

COMENTÁRIO:

O objetivo da publicação de artigos que trazem reflexões sobre a nossa Constituição é o de conscientizar que estamos vivendo sob o domínio de uma Constituição que foi possível ser feita em dado momento histórico do país, porém, hoje, temos que adequá-la à reais necessidades do povo brasileiro.  Esta reflexão é de suma importância, pois muitos pregam que as Guardas Municipais tem competência limitada constitucionalmente aos bens público. No entanto, por exigência do clamor imposto pelo aumento criminalidade e da violência, é a Constituição que deve se adequar á demanda popular e não o contrário. (Dr Osmar Ventris) 

terça-feira, 22 de maio de 2012

"FICAREI CALADO COMO MANDA A CONSTITUIÇÃO"



CPI DO CACHOEIRA, RADAR POLÍTICO, estadão.com.br, 22/05/2012

A sessão da CPI em que é aguardado o depoimento do contraventor Carlinhos Cachoeira começou às 14h05 desta terça-feira, 22. Cachoeira entrou na sala do Senado às 14h13. Conforme adiantou o seu advogado Márcio Thomaz Bastos, ele deverá recorrer ao direito de ficar calado para não produzir provas contra si mesmo. O contraventor não está algemado.


Os senadores querem saber, por exemplo, quem são as pessoas das empresas cooptadas para os negócios de Cachoeira. No Senado, a sala e o corredor onde serão realizados o depoimento estão com acesso controlado pela Polícia Legislativa. Apenas servidores identificados e jornalistas com credenciais especiais serão liberados para acompanhar o depoimento, para não superlotar a sala.

Integrantes da base aliada e da oposição pretendem aproveitar ao máximo o tempo disponível para fazer perguntas a Cachoeira, com o objetivo de expor suas relações com agentes públicos e com o setor privado. Os aliados devem centrar seus questionamentos na relação do contraventor com o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo, o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) e a relação com a empreiteira Delta na região Centro-Oeste, por meio do ex-diretor Cláudio Abreu.

A oposição, por sua vez, quer nacionalizar o depoimento, para tirar o foco de Perillo e Demóstenes. Por isso, tentará explorar a relação de Cachoeira com o ex-presidente da Delta Fernando Cavendish e com os governos de Brasília, do petista Agnelo Queiroz, e do Rio de Janeiro, do peemedebista Sérgio Cabral. “Não esperamos muito do depoimento”, admitiu há pouco o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), para quem o contraventor não produzirá prova contra si.

Por essa razão, as perguntas dos parlamentares a Cachoeira serão mais retóricas do que efetivamente para serem respondidas. Não esperam, assim como foi o depoimento dele à CPI dos Bingos, revelações como acertos financeiros de autoridades públicas.

Abaixo, os principais momentos:

14h40 – Exaltado, o deputado Fernando Francischini criticou a postura de Carlinhos Cachoeira e cobrou de seu advogado, Márcio Thomaz Bastos, colaboração: “Peço que o senhor o oriente (Cachoeira). Não brinque com essa CPMI.”

14h30 – Os primeiros deputados a fazer perguntas são do PSDB, Carlos Sampaio (SP) e Fernando Francischini (PR). Ambos questionam a relação de Cachoeira com Dadá (interceptado em gravações telefônicas feitas pela PF) e sobre contratos firmados com o governo do DF por meio da Delta Construções. “O senhor aceitaria a proposta de delação premiada (…) para ajudar a passar a vassoura nesse Congresso Nacional e nos Estados?”, perguntou Francischini.

14h20 - Parlamentares se quixaram das respostas de Cachoeira e pediram respeito do contraventor durante a sessão. O relator da CPI perguntou se em uma sessão secreta ele se disporia a falar. Cachoeira insistiu que só falará após audiência, conforme orientação de seus advogados. Diante do posicionamento do contraventor, o relator abriu mão da palavra. Agora, os parlamentares terão direito a fazer perguntas.

14h19 - O relator da CPI, Odair Cunha perguntou: “O senhor se definiria como no seu ramo de atividade?” Cachoeira se negou a responder: “Ficarei calado, como manda a Constituição.” “Tenho muito a dizer depois da minha audiência. Pode me convocar”, emendou.

14h14 – Cachoeira se disse disposto a responder perguntas.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

NAS MÃOS DOS MINISTROS-CONSTITUINTES

Percival Puggina - Blog do PERCIVAL PUGGINA, 30/04/2012

Assisti a boa parte das sessões em que o STF deliberou sobre a adoção de quotas raciais para ingresso nas universidades públicas. Praticamente todos os votos foram ornados com líricas declarações de amor à justiça pela igualdade. Estavam dispostos a servi-la às mancheias. O ministro Fux, por exemplo, não falava. As palavras lhe gotejavam como favos de mel enquanto o versejador Ayres Britto ralava os cotovelos na quina da mesa. Joaquim Barbosa cedeu a cadeira a Castro Alves e quedou-se em pé, atrás, feliz por "estar ali, nest'hora, sentindo deste painel a majestade".

A ministra Rosa Maria, tecendo frases como quem bordasse sobre tela, assentou "que a ação tinha de ser julgada à luz da Constituição, que consagra o repúdio ao racismo e o direito universal à educação". Foi um alívio, àquelas alturas, ficar sabendo que a ação seria julgada à luz da Constituição porque eu já desconfiava de que os votos estavam sendo iluminados pelos estatutos de algum movimento racial. Contudo, ficaram a quilômetros das ponderações da ministra as inevitáveis decorrências do voto que deu: doravante incorrerá em racismo e afrontará o direito universal à Educação toda universidade, pública ou privada, toda feira do livro, todo prêmio literário, que não prover as tais cotas. Marco Aurélio, por pouco, muito pouco, não disse que a adoção de quotas raciais se justifica porque o Estado é laico.

Levandowski, o ministro-relator, foi saudado como a princesa Isabel da sessão. Só não lhe deram tapete vermelho e damas de companhia porque não ficaria bem. Mas sua imensa contribuição para a justiça racial no Brasil o fará ombrear, na história, com a filha de D. Pedro II. Ao lado da Lei Áurea, haverá de estar, para sempre, o Voto Diamantino que relatou à corte. O ministro, contudo, tinha um problema. Havia um preceito, na Constituição, segundo o qual ninguém pode ser discriminado por motivos de cor, etc.. E era demasiado óbvio que o regime de cotas raciais feria essa prescrição ao criar exceções ao mérito como critério seletivo. A arguição de inconstitucionalidade do regime de cotas alegava que os positivamente discriminados ingressam na universidade com nota inferior à obtida por aqueles que, negativamente discriminados, ficam de fora apesar de haverem obtido nota superior. Como saiu-se dessa encrenca o ministro? A possibilidade da discriminação positiva não poderia ser permanente, disse ele. Não poderia ser uma porta aberta para a eternidade. Precisaria valer apenas enquanto necessária. Só por uns tempos. Caso contrário, ocorreria a inconstitucionalidade. Capice? Enxuguemos pois as consequências, provisoriamente, através dos séculos, enquanto permanece aberta, a montante, lá no bê-á-bá do sistema público de ensino, a torneira das causas. Mas quem se importa?

De jeitinho em jeitinho, vai-se a Constituição para o brejo, a segurança jurídica para o espaço e o Poder Legislativo para o outro lado da praça. Se o Congresso se omite em legislar, andam dizendo os ministros-constituintes, o STF precisa agir subsidiariamente. Esquecem-se de um dado da dinâmica parlamentar: quando o Congresso não delibera é porque não há entendimento sobre a matéria. E isso é absolutamente normal, significando que o parlamento, provisoriamente, decidiu não decidir. Aliás, a ideia de que o Estado precisa emitir leis sobre tudo e sobre todos é irmã do totalitarismo. Quando, nas normas que conduzem qualquer organização humana - do estatuto do clube à constituição nacional - se pretende criar exceções ou regulamentar detalhes, produz-se uma balbúrdia com efeito contrário ao pretendido. Em vez de esclarecer, confunde-se cada vez mais. Por favor! Menos leis, mais liberdade.



______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

quarta-feira, 14 de março de 2012

UM CHUTE NO TRASEIRO DA CONSTITUIÇÃO

JOSÉ NÊUMANNE, JORNALISTA, ESCRITOR, É EDITORIALISTA DO 'JORNAL DA TARDE'- O Estado de S.Paulo, 14/03/2012

Ao decidir que o Instituto Chico Mendes não podia existir legalmente por ter sido criado por lei baseada em medida provisória (MP) que havia transitado pelo Congresso sem obediência à premissa, prevista na ordem jurídica vigente no País, de passar por comissão especializada antes de ir ao plenário, o Supremo Tribunal Federal (STF) cumpriu sua tarefa comezinha de julgar o que é constitucional ou não. E nessa condição estão todos os efeitos jurídicos e práticos de cerca de 500 MPs vigentes e ilegítimas. Ao recuar da decisão tomada no dia anterior, consciente de que, embora acertada, a jurisprudência poderia criar um caos jurídico sem precedentes na História da República, o órgão máximo do Poder Judiciário mostrou equilíbrio, sensatez e humildade, três virtudes políticas que faltam ao Executivo e ao Legislativo, cujos representantes são... políticos eleitos pelo povo.

Mas o STF não tinha alternativa à decisão que tomou de restabelecer o primado legal que havia sido abandonado por parlamentares e presidentes que, mesmo redigindo, votando, promulgando e assinando leis ou decretos, não podem descumprir cânones neles fixados. Deu, então, prazo de 14 dias para uma comissão especial composta por senadores e deputados analisar, antes de encaminhar à votação final, a providência administrativa que o governo federal considere urgente e de alta relevância e Câmara e Senado com isso concordem. Com a insensibilidade de ofício, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), teve o desplante de reclamar da insuficiência desse prazo, apelando para o débil argumento de que questões políticas postas em confronto na votação das medidas exigem prazo mais longo. "O Supremo não pode se meter nesse assunto", disse o ex-líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

A política, tal como praticada no Brasil, é a arte de submeter os fatos aos argumentos. Então, sempre que algum prócer parlamentar ou executivo quer mandar a realidade às favas, convém recorrer à História para restabelecer a verdade. As medidas provisórias são uma tecnologia parlamentar criada para amenizar um velho impasse entre gestão e negociação, comum em qualquer democracia, mas mais acirrado em sistemas parlamentares, em que cabe ao Parlamento gerir o interesse público.

Em princípio, ela foi acrescentada à Constituição como fórmula para permitir a instituição do parlamentarismo, alheio à tradição presidencialista da condução dos negócios públicos no Brasil. Os mandachuvas da Constituinte eram parlamentaristas e a Carta foi encaminhada no sentido de permitir um sistema de governo que tornasse viável a substituição do estilo americano pelo europeu. No meio do caminho, contudo, tinha uma pedra no sapato parlamentarista e esse mineral se tornou maior do que o calçado. Convicto de que a guinada do sistema de governo lhe furtaria mais poder para transferi-lo a Ulysses Guimarães, o então presidente José Sarney submeteu a Constituinte ao tacão do velho presidencialismo monárquico, adotando-o explicitamente.

Na prática, preparada para o parlamentarismo, mas entregue ao poder presidencial, a Constituição de 1988 permitiu a proliferação dos partidos e tolheu o poder do voto do cidadão: este só tem controle real sobre a escolha de seu representante nas eleições majoritárias para cargos executivos. A mixórdia do voto proporcional instala a confusão federativa, ao alterar o peso do voto da cidadania pelo conceito inverso na composição da Câmara, jogando no lixo o próprio princípio da representatividade. A representação do Estado menor é maior do que a do Estado maior, proporcionalmente, anulando o conceito elementar da democracia saxônica, de acordo com o qual cada cidadão tem direito a um voto.

A composição da Câmara dos Deputados foge ao controle do cidadão e é entregue de bandeja às oligarquias partidárias, que recriaram o velho esquema do coronelismo da República Velha se aproveitando dessa cusparada em Pitágoras e Aristóteles, pois em nosso sistema o mais vale menos e o menos vale mais. O neocoronelismo do voto eletrônico, instituído no Poder Legislativo tornado Constituinte, inventou o conceito cínico da governabilidade. Segundo este, o presidente eleito pela maioria real submete-se ao tacão dos oligarcas partidários: só lhe é permitido governar se fatiar a máquina pública e distribuir as porções da carniça às legendas cuja legitimidade como representação popular é, na prática, nula. Por isso estamos sob a égide de uma paráfrase do antigo axioma de Artur Bernardes: "Ao político, tudo; ao cidadão, o rigor da lei".

As medidas provisórias são o pacto do poder constituído no dilema entre o voto majoritário e o sufrágio desigual. Para governar o Executivo finge que tudo é "urgente e relevante" e encaminha ao Legislativo o que lhe convém, certo de que será aprovado em nome dos interesses do povo, que nunca chegou a ser cheirado nem ouvido. O Legislativo recheia a vontade imperial do governo central com a escumalha dos interesses paroquiais dos chefetes das miríades de bancadas e, como dizia Justo Veríssimo, "o povo que se exploda".

Os rompantes de Marco Maia e Cândido Vaccarezza sobre a única saída decente que restou ao STF adotar para descascar o abacaxi comprovam que, em nossa ordem vigente, na qual se trata a Constituição como subalterna ao regimento da Câmara, os barões dos partidos acham que têm a prerrogativa de cuspir nas normas que eles próprios redigiram, votaram e aprovaram. A cínica substituição da letra da lei pelo pacto tácito entre políticos, por eles decretada dos lugares mais altos do pódio da representação popular, é o maior chute no traseiro que uma Constituição levou em nossa História. Nem os plantonistas no poder do Almanaque do Exército haviam chegado a esse ponto. Se nem essa resolução do STF for cumprida, só nos resta passar unguento na contusão e chorar.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

TROPEÇOS DA DEMOCRACIA BRASILEIRA


AS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL. Historiador analisa tropeços da democracia - LEANDRO FONTOURA - ZERO HORA 07/01/2012

Uma das principais vozes críticas na academia ao governo federal, o historiador Marco Antonio Villa lança A História das Constituições Brasileiras. No livro, ele mostra como a democracia no país sempre foi acompanhada de duas sombras: as investidas autoritárias e as relações patrimonialistas e de compadrio.

Villa, que é professor da Universidade Federal de São Carlos, conta a história das Constituições brasileiras a partir do contexto de cada uma delas. Ao relacionar detalhes de artigos constitucionais ao seu momento político e social, Villa consegue demonstrar como as Cartas, que deveriam regrar as grandes questões nacionais ao longo de décadas, foram marcadas por decisões de ocasião e por enxertos no mínimo estranhos.

No primeiro quesito, a Constituição de 1824 é exemplar. Segundo o documento, o imperador é “pessoa inviolável e sagrada”. Completa-se o quadro com o direito a aquisições e construções “para a decência e o recreio do imperador e sua família”. É a prova de que a mistura entre o público e o privado tem história no Brasil. No quesito “artigos fora de lugar”, é a Carta de 1946 que se destaca. Além de determinar a conclusão de uma rodovia em dois anos, concede “honrarias de marechal” a um general.

Na maior parte das Constituições, também é evidente a marca do autoritarismo. Na Carta de 1937, foi instituída a censura prévia, a aposentadoria de servidores de acordo com o “juízo exclusivo do governo”, a limitação da ação dos deputados e a pena de morte para subversivos. Se a Carta de 1824 afirma que o imperador “não está sujeito a responsabilidade alguma”, a de 1934 impede “qualquer apreciação judiciária” das decisões do governo provisório. O mesmo dispositivo vai aparecer na Carta de 1967. Diante do livro de Villa, o leitor entende por que foi tão difícil para a democracia vingar em meio a tantos casos de arbítrio.