A Constituição Brasileira, promulgada em 05/10/1988, é uma lei anacrônica, esdrúxula, imprópria para uma carta-magna, remendada para atender interesses do Poder e repleta de benevolências, privilégios e direitos sem deveres, obrigações ou contrapartidas . Fomenta centralização da justiça no STF, insegurança jurídica, morosidade da justiça, estado policial , ausência de civismo, desigualdades, desarmonia nos Poderes, centralização dos impostos na União, desordem pública e insegurança social. Jorge Bengochea

domingo, 17 de abril de 2011

MÉTIDOS DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

Interpretação da Constituição: método originalista e não-originalista - Dayse Coelho de Almeida - http://br.monografias.com

"Como é possível que um minúsculo grupo de juizes, que não sejam eleitos diretamente pela cidadania (como o são os funcionários políticos), e que não estejam sujeitos a periódicas avaliações populares (e portanto gozam de estabilidade em seus cargos, livres do escrutínio popular) possam prevalecer, em última instância, sobre a vontade popular?" (Gargarella, - La justicia frente al gobierno)

1. INTRODUÇÃO

"Interpretar uma norma constitucional é atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos na constituição com o fim de se obter uma decisão de problemas práticos, normativo-constitucionalmente fundados" (CANOTILHO,2000, p. 143). Essa definição basta no sentido de explicar o que é interpretar, entretanto encontra dificuldades no como interpretar e sobre que aspectos é ou não livre o intérprete.

A forma de interpretação e entendimento do conteúdo da Constituição é objeto de muitos estudos. A Constituição estadounidense, por ser a mais antiga dentre as escritas, sempre aguça a curiosidade sobre como uma norma tão antiga ainda pode servir aos dias de hoje e, ser prestável á maior das potências econômicas diante do avanço tecnológico e social por qual o mundo passa nestes tempos de globalização intensa.

A interpretação histórica ou método histórico de interpretação segundo BONAVIDES (2003, p. 406):

O método traça toda a história da proposição legislativa, desce no tempo a investigar a ambiência em que se originou a lei, procura enfim encontrar o legislador histórico, como diz Burckhardt, a saber, as pessoas que realmente participaram na elaboração da lei, trazendo á luz os intervenientes fatores políticos, econômicos e sociais, configurativos, da occasio legis.

Este tipo de interpretação é gênero do qual faz parte o originalismo, defendido por Robert H. Bork e criticado no Brasil por Luís Roberto Barroso por defender decisões conservadoras por parte da Suprema Corte Americana.

ALBUQUERQUE explica o que vem a ser a interpretação teleológica ou não-originalista, defendendo que este método é menos apegado ao texto original e utiliza-se de fragmentos extratextuais para alcançar a finalidade da norma, vejamos:

Ao lado do método histórico-evolutivo, surge o método teleológico, que visa á interpretação do texto em função da finalidade da lei. Neste método é preciso, também, atender ás relações da vida, da qual brotam as exigências econômicas e sociais, procedendo-se á apreciação dos interesses em causa, á luz dos princípios da justiça e da utilidade comum. E tal apreciação não deixa de exigir um certo poder criador, valorizador e vivificador, da parte do intérprete.

Decomposto didaticamente por Luís Roberto Barroso, o método de interpretar as normas conforme a Constituição é assim apresentado:

Trata-se da escolha de uma interpretação legal que a mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admita. 2) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma. 3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se á exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição. 4) Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas também um controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da norma legal.

Assim como no Brasil os Estados Unidos aceitaram que uma corte suprema pudesse rever todas as leis e atos presidenciais no tocante á legalidade (judicial review). Essa posição coloca A Suprema Corte como intérprete final da Constituição, posição símile á do nosso Supremo Tribunal Federal (embora não se trate de uma corte constitucional pura).

As constituições escritas estão sujeitas a desatualização e á impertinência de algum preceito diante de uma evolução social e, diante disto surgem as criações de direitos que não existiam no texto original. Diante disto inúmeras críticas surgem, porque ao final isto significa uma usurpação da função legislativa e uma atitude antidemocrática na medida em que ofende o princípio da separação dos poderes.

Estabelecer limites á criação em cima da Constituição parece tarefa árdua, mormente quando se observa a pluralidade de situações concretas e a redução dos casos previstos expressamente na Constituição. Porém isto não serve como justificativa para a usurpação de função legislativa.

O texto sob análise trata justamente disto, do confronto entre o atual e o que teria sido a intenção da constituinte originária. A principal motivação para o embate é que o verdadeiro intento constitucional não está sendo respeitado, o que faz surgir a idéia de controle sobre como se interpreta a o texto constitucional e que se deve obediência ao ideário original.

A teoria Originalista tem como finalidade principal a observância do que os constituintes originários empregaram de valor e de significado ao texto constitucional. Essa teoria é apenas mais um método interpretativo, que por sua própria definição é um molde no qual tenta-se colocar o conteúdo da norma, certamente imperfeito como todos os demais métodos porque é estanque, não evolui de modo satisfatório.

2. A TEORIA ORIGINALISTA E NÃO-ORIGINALISTA

A teoria originalista de interpretação do texto constitucional baseia-se na busca pelos intenções dos fundadores americanos que elaboraram a constituição (constituinte originária), de modo a evitar manipulações políticas e econômicas nos julgamentos da Suprema Corte americana, além de reduzir o subjetivismo das decisões que dão primazia ás predileções pessoais dos juízes sobre os interesses da nação. Para tanto, o auxílio histórico é evidentemente necessário para abstrair-se, se é que isto é possível, o verdadeiro significado da Constituição e estendê-lo aos dias atuais, abarcando assim situações não previstas pelos fundadores no texto constitucional.

A Constituição Estadounidense é do século XVIII o que, por si só, torna a busca pelas intenções dos fundadores distante da atual realidade. Aliado a isto a vagueza proposital do texto estadounidense realça a necessidade de dimensionar as palavras utilizadas no tempo e no espaço. Com o passar do tempo as palavras mudam de significado e de abrangência. Não podemos esquecer que um dia os negros foram escravos, passaram a libertos, estiveram sujeitos á discriminação e hoje, numa situação um pouco melhor estão sendo razoavelmente respeitados, como conciliar toda esta realidade numa só palavra no texto ou num conjunto de palavras? é óbvio lulante que houve uma adaptação. O cerne de toda a discussão do texto é a forma utilizada para se chegar a isto e o modo de controlar o arbítrio judicial em torno disto.

Se através do originalismo conseguir-se alcançar a intenção dos constituintes originários, pode acontecer de que esta intenção choque com os padrões atuais de juridicidade e de legitimidade da norma, o que força uma interpretação contrária se o que se busca seja a justiça apoiada na legalidade (estrita e lato sensu).

A busca pela intenção não fica no subjetivismo de quem analisa os dados históricos, mas finca-se na direção que os escritos apresentam como correta, deixando de lado o que os precedentes jurídicos informam e o que aspira o povo naquele momento, principalmente em questões constitucionais, onde há de se ter um guia mais seguro que as paixões populares.

A intenção dos fundadores foi criar uma constituição que durasse muito tempo, deixando-a vaga intencionalmente. Entretanto, a vagueza não serve de mote para imprimir subjetivismo excessivo nas decisões, nem para justificar uma usurpação de poder e criação de uma "elite privilegiada" eis que a Suprema Corte torna-se a própria constituinte na medida em que cria uma nova constituição ao sabor de suas próprias convicções, desprezando o poder soberano do povo de se autogerir e de se auto-determinar.

3. CONCLUSÃO

A controvérsia das teorias divide-se em: uma postura mais ativa por parte dos magistrados e, na tentativa de restringir a liberdade dos juízes. O originalismo acredita poder encontrar um sentido unívoco da Constituição, ao passo que o não-originalismo entende que não é possível alcançar esse sentido absoluto.

O primeiro refere-se á interpretação da Constituição que pode subdividir-se em dois ramos: o daqueles que acreditam ser possível extrair um significado unívoco da Constituição e, o outro, daqueles que entendem que a determinação desse significado unívoco é impossível de ser atingido.

Dworkin encontra dois tipos de valores na constituição: as concepções e os conceitos. Os conceitos são as intenções abstratas dos constituintes, caracterizados pelas expressões vagas, indeterminadas, as concepções são os preceitos mais concretos, claros e precisos, aos quais a literalidade basta para o entendimento. Para ele os tribunais tem margem dentro dos conceitos, porque estes são indeterminados, cabendo ao magistrado adequá-los á realidade, escolhendo o conceito moralmente correto. Esta escolha feita pelo tribunal é caracterizada pela filosofia moral aliada á filosofia jurídica, tudo encontrado dentro da Constituição, vista apenas com olhos ou lentes mais adequadas ao caso concreto e aos valores em discussão.

A idéia originalista, em primeira leitura, parece ser a única forma de fugir da "tirania dos juízes usurpadores" que fazem da Constituição um instrumento particular dos tribunais, retirando do povo uma carta de direitos que é sua, fazendo isto por meio da restrição do número de intérpretes da Constituição. Somente o embate de teses é meio realmente seguro de se evitar abusos por parte dos tribunais no poder-dever de interpretar a Constituição. A tese originalista parte do pressuposto que o texto da Constituição basta em si mesmo, o que parece e é falso.

Existe uma zona de nebulosidade em qualquer texto e se o leitor deste não buscar em outras fontes o significado do que lê e as implicações do seu raciocínio, certamente irá surgir uma interpretação esdrúxula e esta sim, totalmente fora dos padrões constitucionais intentados pelo legislador constitucional. O que macula o não-originalismo é que está sujeito á ditadura da maioria, que pode ser prejudicial ao povo porque a Constituição Democrática abarca valores de todos, inclusive as minorias.

Como caráter conclusivo acerca do texto, apresento-me a favor das duas interpretações: a originalista e a não-originalista, porque os limites são necessários, mas não ao ponto de engessar todo o processo de evolução dos valores sociais. O que deve ser a todo modo evitado são os excessos, estes traduzidos na supressão de direitos e nas tendências, sempre totalitárias, de se impor o pensamento majoritário como verdade absoluta e imutável. O subjetivismo é algo talvez insuperável em todas as duas teorias, porém as soluções que agradam a todos não são possíveis de serem alcançadas, ao passo que temos que conviver com uma margem de arbítrio em tudo, inclusive nas decisões judiciais. O que mitiga este arbítrio é a necessidade de motivação, esta sim essencial em todos os casos. O conteúdo jurídico das normas não é matemático, de forma que sua análise também não o é, então é necessário que a análise sobre a constitucionalidade seja sempre estendida ao maior número possível de intérpretes, de modo a viabilizar uma discursividade plausível e assegurar um processo democrático de constitucionalidade das leis.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, Mário Pimentel. O órgão jurisdicional e a sua função: estudos sobre a ideologia, aspectos críticos, e o controle do Poder Judiciário . São Paulo: Malheiros, 1997.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional . 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 2000.
GARGARELLA, Roberto. A Justiça frente ao governo. Barcelona: Editorial Ariel, 1996. Trad. José Rios Medeiros.

BIBLIOGRAFIA

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993.
BORK, Robert H . O que pretendiam os Fundadores. In Revista de Direito Público, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n.° 93, pp. 6-9, ano 23, janeiro- março 1990.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 2003.
CAPPELLETTI, Mauro. Juizes Legisladores?. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1993.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A Constituição democrática. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 13, mai. 1997. Disponível em: . Acesso em 17 maio 2004.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001.
SANTOS , Osmane Antônio dos. Propedêutica sobre o controle de constitucionalidade e a interpretação constitucional nos EUA. Disponível na Internet: . Acesso em 15 de maio de 2004.
SILVA , Fernanda Duarte Lopes Lucas da. A Justiça frente ao Governo: Algumas notas. Disponível na Internet: . Acesso em 15 de maio de 2004.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.
SILVEIRA, Vilani Mendes. A interpretação constitucional americana e a intenção dos constituintes . Disponível na Internet: . Acesso em 15 de maio de 2004.
TRIBE, Laurence H. Os limites da Originalidade. In Revista de Direito Público. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n.° 93, pp. 9-12, ano 23, janeiro-março 1990.

Autor: Dayse Coelho de Almeida

ENVELHECIDA E REMENDADA

Constituição Federal completa 20 anos envelhecida e remendada - Wanderley Preite Sobrinho. Folha Online. 04/10/2008.


A Carta brasileira nem chegou à maioridade e já coleciona 62 alterações em seu texto, as chamadas emendas constitucionais. "A Constituição americana, de 1787, tem menos de 30", afirma o advogado José Artur Lima Gonçalves, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em direito constitucional.
Para o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, a Constituição brasileira recebe hoje tantas emendas porque os parlamentares tentaram contemplar no texto constitucional as principais questões daquele momento histórico.

"Eles pensavam que era preciso assegurar todos os direitos na Constituição e não em qualquer lei", afirma o ministro, que cita como exemplo a inclusão do cálculo previdenciário no texto constitucional. "Eles definiram como seria o cálculo da Previdência Social. O problema é que em 1988 a inflação era alta e financiava o sistema previdenciário. Como utilizar esse cálculo depois que o plano Real domou a inflação?"

Para ele, as emendas seriam mais bem aproveitadas se transferissem parte das atribuições da Constituição para a legislação comum e substituíssem os textos longos por outros mais objetivos.

"Mas o que acontece é que a maioria das emendas é mais complexa do que a versão original", afirmou o ministro. "Na medida em que o texto incorpora definições que deveriam estar na legislação ordinária, nós temos que fazer as reformas constitucionais, e aquilo que era uma atividade meramente legislativa passa a ser uma atividade de emenda constitucional."

Segundo Gonçalves, a Carta americana é "programática", por isso sofreu poucas alterações até hoje. "Ela estipula grandes metas que precisam ser alcançadas pela sociedade e pelo Estado com o passar do tempo."

Medida Provisória

Para o advogado, essas emendas poderiam, pelo menos, acabar com a MP (Medida Provisória), um dispositivo que permite ao presidente da República legislar sem o Congresso. "O decreto-lei era um dispositivo parecido que existia nas Constituições anteriores e que já tinha provado que não dava certo", afirma. "A MP desequilibra os Poderes. O Legislativo se omite enquanto a Câmara e o Senado não trabalham".
Já o presidente do STF defende a MP como a única opção do governo quando o Congresso não vota um projeto importante em tempo hábil, mas também critica o dispositivo. "O Executivo pode trancar propositalmente as pautas no Congresso ao editar medidas provisórias", diz.

De acordo com ele, a solução não é acabar com as MP's, mas restringi-las. "Se houver um limite por ano, o governo só a utilizará em situações realmente indispensáveis."
Apesar do descontrole na edição de MP's e de tantas alterações no texto original, o presidente do STF diz não apostar na convocação de uma nova Constituinte. "Nós vamos continuar neste processo de aprendizado. Não vejo o texto de 1988 com condições de se fazer uma Assembléia Constituinte."

Conquistas

Para os especialistas, a Carta também trouxe "grandes conquistas", como a responsabilização dos agentes públicos por má administração e a universalização de direitos individuais. "Foi por isso que Ulysses Guimarães a chamou de Cidadã", afirma o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que na época foi um dos relatores da Constituição. "A Carta aprovou direitos civis e políticos que não têm preço."

Ela também obrigou o Estado a garantir saúde e seguridade social a todos os brasileiros. "Mas houve alguns desajustes nesse ponto", admite Jobim. "É que o texto constitucional tratou desses direitos, mas não disse como o país arcaria com eles."
Segundo Gonçalves, os parlamentares não tinham experiência administrativa, por isso não pensaram nessa questão. "Não adianta exigir que a União cumpra com obrigações sem atrelar a elas alguma fonte de custeio", diz.

Para Jobim, apesar de ter mudado tanto nos último

s 20 anos, "aquele momento consolidou o processo democrático brasileiro". O presidente do STF concorda: "Nos últimos anos, passamos por quadros muito difíceis como a hiperinflação até o plano Real, processo de impeachment, crises econômicas e escândalos de corrupção tanto neste como nos governos anteriores".

Ele acredita que isso se deve, em parte, à autonomia financeira e administrativa do judiciário e às regras do federalismo, tudo garantido pela Carta. "É o que permite, por exemplo, a convivência entre partidos diferentes na presidência da República e no governo do estado de São Paulo, o mais rico do país."

História

Foi no dia 1º de fevereiro de 1987 que 559 parlamentares começaram os trabalhos para aprovar a nova lei suprema brasileira, a sétima desde a independência do país.
Foram necessários 18 meses de discussões até que a Carta fosse finalmente promulgada no dia 5 de outubro de 1988. Era substituída a Constituição imposta pelo regime militar em 1967.

CONSTITUIÇÃO DESFIGURADA PARA ATENDER INTERESSES

Carta maltratada. Constituição foi desfigurada para atender à globalização - por Aline Pinheiro, Revista Consultor Jurídico, 28 de setembro de 2008

O professor Celso Antônio Bandeira de Mello, estudioso e doutrinador reconhecido do Direito Administrativo, é um dos que mais aplaudiu a Constituição Federal de 1988 e também um dos que hoje mais chora as mudanças que ela sofreu. O texto aprovado pela constituinte traçava uma sociedade ideal e possível, sustenta o advogado, mas não atendia à tendência mundial: abertura dos mercados. Teve de se adaptar, então, para acompanhar o resto do mundo.

“A Constituição brasileira foi altamente desfigurada para atender interesses estrangeiros, e não nacionais”, afirma. Bandeira de Mello, que defende com ardor e paixão idéias tidas como de esquerda, se indigna, principalmente, às mudanças feitas no texto constitucional para que o país pudesse se abrir às multinacionais.

Celso Antônio Bandeira de Mello é parecerista freqüentemente citado nas decisões judiciais. Seu nome figura tanto nas decisões de juízes de primeira instância como em votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Lá no STF, Bandeira de Mello é reconhecido e circula bem, embora tenha seus atritos com um ministro ou outro. É um personagem político, que adora expor seus pontos de vistas e não teme polêmicas.

Após 20 anos sob a vigência da Constituição Federal, ele reconhece que o texto constitucional está à frente do seu tempo, “apesar de falhas terríveis”. Critica, no entanto, a idéia de que o Direito pode tudo, inclusive mudar realidades: “O Direito pode tudo no plano jurídico, mas não no plano da realidade fatídica. Ele apenas condiciona e tenta transformar essa realidade, mas ela tem sua própria força.”

O professor Celso Antônio Bandeira de Mello é um dos entrevistados pela revista Consultor Jurídico na série que discute a Constituição de 1988, sua importância e seus efeitos na sociedade.

Leia a entrevista

ConJur — A Constituição Federal equilibra a relação entre Estado e cidadão?
Celso Antonio Bandeira de Mello— Sim. Não é sem razão que ela é chamada de Constituição cidadã. Ela é altamente respeitadora dos direitos individuais e dos direitos sociais. Estabelece uma relação muito equilibrada entre Estado e cidadão, o suficiente para que garantir o interesse público e também para impedir abusos de poder.

ConJur — Essa relação equilibrada funciona na prática?
Bandeira de Mello— Não. No Brasil, há duas realidades diferentes: a daqueles que têm recursos financeiros e a daqueles que não têm. A relação com o Estado só é equilibrada para aqueles que têm.

ConJur — Por quê?
Bandeira de Mello— Por diversas razões. Uma delas é que o embate do cidadão é direto com a Polícia. Se em todo lugar do mundo a Polícia merece censura, aqui ela merece mais ainda. É arbitrária, preconceituosa e violenta. Não respeita os direitos do cidadão. Outra razão para o desequilíbrio é que os ricos podem mobilizar bons advogados e até os meios de comunicação em seu favor. Os pobres, não.

ConJur — A Constituição é responsável por esse desequilíbrio?
Bandeira de Mello— Não. Existe uma tendência disseminada em achar que o Direito pode tudo. Isso não é verdade. Ele pode tudo no plano jurídico, mas não no plano da realidade. Ele apenas condiciona e tenta transformar essa realidade, mas ela tem sua própria força. Enquanto o país for desenvolvido em culto preconceituoso, é muito difícil que as melhores regras jurídicas consigam o resultado integral. Por exemplo, a lei que proíbe a discriminação racial. Não há dúvidas de que ela produz frutos, mas a transformação de uma sociedade é um processo paulatino e muito lento. Só o tempo vai resolver uma série de desequilíbrios entre o Estado e o cidadão.

ConJur — Quem muda antes: a lei ou a sociedade?
Bandeira de Mello— As duas coisas se inter-relacionam. Quando a sociedade muda, os legisladores tendem a fazer leis de acordo com essas mudanças. Outras vezes, no entanto, independentemente de qualquer mudança, os legisladores tomam consciência da necessidade de mudar e fazem leis para induzir essa mudança.

ConJur — Quais as principais conquistas do cidadão com a Constituição de 1988?
Bandeira de Mello— A Constituição de 1988 tem méritos excepcionais e está à frente do seu tempo. Há conquistas grandes como o artigo 5º, que trata dos direitos individuais, e o 7º, sobre direitos sociais. Há ainda o artigo 3º, que diz que a República Federativa do Brasil tem que ser uma sociedade livre, justa e solidária. Bastam esses dispositivos para verificar a importância que a Constituição deu para a vida dos brasileiros. Mas não pára por aí. O artigo 170 estabelece que a ordem econômica e social tem por fim fazer Justiça social e, entre os princípios para isso, coloca a função social da propriedade e a expansão das oportunidades de emprego produtivo. O texto constitucional estabelece a primazia do trabalho sobre o capital, o que é uma proteção ao cidadão. Prevê também a possibilidade de desapropriação de imóvel que não é usado para cumprir sua função social. A Constituição de 1988 foi, no entanto, prejudicada com o fim do socialismo e o início da globalização.

ConJur — Por quê?
Bandeira de Mello— Com o fim da União Soviética, a força do capitalismo se impôs no mundo e os Estados Unidos, então, criaram o conceito de globalização, que não passa de jogada de marketing para que eles pudessem penetrar na economia de outros povos e difundir essa idéia quase ridícula de que o mercado se auto-regula e cria o bem-estar de toda a sociedade. Isso tudo é a antítese da Constituição Federal aprovada em 1988. Para que o Brasil pudesse se adaptar, durante o governo do Fernando Henrique Cardoso, foram feitas emendas constitucionais que desfiguraram a nossa Constituição para permitir que multinacionais invadissem a nossa economia, já que ela, originalmente, defendia os interesses nacionais. O texto constitucional estabelecia que a exploração do nosso subsolo era privativa de brasileiros, estabelecia o monopólio estatal do petróleo, das telecomunicações, entre outros. No primeiro ano de governo, o Fernando Henrique aprovou quatro emendas que acabaram com tudo isso e eliminaram a noção de empresa brasileira de capital nacional.

ConJur — A Constituição Federal aprovada em 1988 protegia mais o mercado nacional do que a Constituição Federal de hoje, que já sofreu 56 emendas?
Bandeira de Mello— Sim. A Constituição Federal só preservou um dispositivo que protege o mercado nacional. É aquele que diz que o mercado interno é patrimônio nacional. Reafirmo: a Constituição brasileira foi altamente desfigurada para atender interesses estrangeiros, e não os nacionais.

ConJur — O senhor é a favor de uma nova constituinte?
Bandeira de Mello— Não. Apesar das falhas terríveis, a Constituição Federal é muito boa. Por ter vindo em seguida a um período de autoritarismo, trouxe em seu bojo um espírito nacional de defesa da cidadania. É claro que mudanças são necessárias, mas elas podem ser feitas aos poucos.

ConJur — A Constituição Federal, da maneira que foi aprovada em 1988, desenha uma sociedade ideal?
Bandeira de Mello— Sim.

ConJur — Mas é uma sociedade possível?
Bandeira de Mello— É sim. Nos últimos anos, o Brasil tem passado por muita transformação. Saiu na imprensa outro dia que mais de 8 milhões de brasileiros passaram das classes D e E para a classe C. Isso é uma transformação que nunca existiu na história do Brasil. O que é preciso é uma presença estatal muito mais forte. Não sou a favor da socialização dos meios de produção, mas a favor da socialização do que é básico, como saúde e educação. Os serviços públicos básicos têm que estar na mão do Estado.

ConJur — Qual dos três poderes mais desrespeita a Constituição?
Bandeira de Mello— É impossível dizer isso porque o texto constitucional diz que são três poderes independentes e harmônicos entre si. Mas, a Constituição de 1988 deu muito mais poder ao Judiciário do que ele tinha no passado.

ConJur — O Supremo tem sido bastante criticado por querer garantir direitos fundamentais de quem a sociedade já taxa como criminoso?
Bandeira de Mello— Nesse episódio do Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes agiu muito bem. Não é possível passar por cima de direitos e garantias individuais. A imprensa gosta de vender jornal e, quase sempre, toma o lado errado. A população, então, acredita ingenuamente que a imprensa serve para informar e dizer a verdade. Não é. Ela quer é ganhar dinheiro. É uma atividade empresarial como qualquer outra. Mas a nossa população, infelizmente, é bastante idiota ainda.

ConJur — É possível combater o crime sem atropelar os direitos constitucionais?
Bandeira de Mello— Sim. A maior parte dos países consegue isso. À medida que melhore o nível da população, a criminalidade vai cair. Outro fator que ajuda é a verdadeira responsabilização dos culpados. O criminoso não tem medo de praticar um crime se sabe que não vai ser punido.

ConJur — O discurso daqueles que defendem o grampo telefônico é o de que é a única maneira de investigar o crime organizado, cada vez mais sofisticado. Qual sua opinião sobre isso? Há abusos e excesso de autorizações judiciais para grampos infindáveis?

Bandeira de Mello— Alguns poucos juízes têm mentalidade de investigador de Polícia e, aí, tudo pode acontecer. Eu aceito o grampo telefônico, mas ele não pode ser regra. Os juízes precisam ser equilibrados ao autorizar escutas. Não dá para grampear todo mundo. É perfeitamente possível combater a criminalidade dentro da ordem jurídica.

ConJur — O Brasil tem motivo para comemorar os 20 anos da sua Constituição?
Bandeira de Mello— Tem. O país só viveu como a democracia mesmo sob o império da Constituição de 1988. Nesses 20 anos, não tivemos mais golpes. Por conseguir sobreviver sem golpes, a Constituição de 1988 é valiosa.

Revista Consultor Jurídico, 28 de setembro de 2008 Sobre o autor - Aline Pinheiro: é repórter da Consultor Jurídico

Comentário do Bengochea - Que entrevista cheio de divergências. O professor critica e não quer outra constituição, mas ao mesmo tempo evidencia as consequencias graves que ela trouxe ao país. Será que ele não sabe dos efeitos nocivos desta lei no exercício e na preservação da ordem pública? Será que ele não leu a entrevista de Maria Tereza Sadek e de Laura Frade? Será que ele não leu a obra de Direito Administrativo Brasileiro de Hely Lopes Meirelles? Não é possível que um estudioso possa defender uma constituição benevolente, corporativista, policialesca e centralizadora? É boa uma constituição que dá altos poderes às Cortes Supremas em detrimento dos Tribunais Estaduais, desmoralizando as instâncias federativas? É oportuna uma lei magna que submete e congela o parlamento do povo à influência, interesses e força de pressão do Executivo, através de medidas provisórias? Não entendo mais nada...

CONSTITUIÇÃO EXISTE PARA LIMITAR O PODER ESTATAL

Constituição existe para limitar o poder estatal - por Rodrigo Haidar - Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2008

Há 20 anos os brasileiros vivem em um Estado Democrático de Direito. Trata-se do mais longo período de estabilidade institucional da história do país. A primeira experiência de vida do Brasil sob um regime democrático, de 1946 a 1964, foi permeada por atos autoritários e interrompida pelo golpe militar. Quando o regime de exceção cedeu, nos anos 80, a sociedade fez a escolha de viver sob regras democráticas plenas. E esse propósito se expressou fielmente na Constituição de 1988. A Carta Cidadã levou esse nome exatamente porque mudou todos os parâmetros até então insculpidos nas constituições brasileiras em relação a direitos dos cidadãos.

“Na Constituição de 1946, que é considerada liberal e que foi feita depois de uma ditadura, por uma Assembléia Constituinte, a carta de direitos começava no artigo 141”, conta Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, atual ministro do Superior Tribunal Militar e ex-deputado que tem seu nome marcado no trabalho pela redemocratização do país.

O ministro é o primeiro entrevistado pela revista Consultor Jurídico na série que será publicada semanalmente, a partir deste domingo (14/9), para discutir a Constituição de 1988, sua importância e seus efeitos na sociedade. Bierrenbach assistiu ao nascimento da Constituição de uma posição privilegiada.

Como deputado pelo PMDB de São Paulo, foi o primeiro relator da proposta de convocação da Constituinte enviada ao Congresso Nacional por José Sarney, em 1985. Bierrenbach defendia a realização de um plebiscito para que a população decidisse se transformava o Congresso em Assembléia Constituinte ou se elegia uma Assembléia Constituinte exclusiva. Sua proposta foi rejeitada e o novo relator propôs dar poderes constituintes ao Congresso. O que aconteceu.

O mandato de Bierrenbach na Câmara acabou em 1986 e ele não se reelegeu. Assim, não foi deputado constituinte. Escreveu artigos semanais para a revista Senhor, nos quais comentava e criticava os trabalhos da Constituinte.

Apesar do perfil discreto, Flávio Bierrenbach sempre trabalhou muito nos bastidores pelo estabelecimento do Estado de Direito. Foi ele, por exemplo, um dos principais arquitetos da célebre Carta aos Brasileiros, lida em 1977 pelo professor Goffredo da Silva Telles Jr. O ministro também ajudou a impulsionar a carreira de nomes como Celso de Mello, que hoje é um dos ministros mais garantistas do Supremo Tribunal Federal; Luiz Antonio Guimarães Marrey, atual secretário de Justiça de São Paulo; e Pedro Dallari, reconhecido advogado e professor. Os três trabalharam no gabinete de Bierrenbach quando ele foi deputado estadual em São Paulo, pelo então MBD, a partir de 1978. Como deputado federal, publicou, em 1986, o didático livro Quem tem Medo da Constituinte. E, no livro, explicou o que era a Constituição que estava em gestação: Da Constituinte nascerá uma Constituição e esta, ao contrário do que supõem os enganados ou do que afirmam os enganadores, não é um mito nem se destina a resolver problemas concretos, corriqueiros, típicos do cotidiano das pessoas. A Constituição não resolve o problema da miséria e do desemprego, não paga o aluguel ou as prestações do BHN, não equaciona a imensa dívida externa. O que a Constituição pode e deve fazer é dar ao país um patamar sólido de estabilidade democrática para que esses e outros problemas possam ser resolvidos, mediante profundas alterações na estrutura econômica.

Dois exemplos da história dos povos demonstram o poder e os limites de uma Constituição. Editada em 1786 pelos pais da pátria americana, a Constituição dos Estados Unidos é a carta de princípios que deu norte a uma das mais duradouras e consistentes experiências democráticas da história da humanidade.

Já a Constituição Argentina, promulgada em 1853 pelos criadores daquela nação, é quase tão antiga quanto a americana e não precisou ser revogada nem mesmo nos períodos mais tétricos de ditadura que o país enfrentou ao longo de dois séculos. Aos tiranos, bastou ignorá-la.

Na entrevista, Flávio Bierrenbach fala do clima da Constituinte, de como a Carta de 88 ampliou os direitos políticos e civis e relembra que uma Constituição duradoura é importante. Mas, por si só, não garante muita coisa: “A estabilidade institucional é uma construção contínua”.

Leia a entrevista

ConJur — Quem foram os responsáveis pelo movimento que culminou com a instalação da Assembléia Nacional Constituinte?
Flávio Bierrenbach — Foi um esforço coletivo. A gênese, a fecundação da idéia da Assembléia Constituinte ocorreu 10 anos antes da Constituição, em 1978, na Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, em Curitiba. A OAB era presidida por Raymundo Faoro, o que ajudou muito para que surgisse a palavra de ordem de convocação da Constituinte. O país vivia sob um autoritarismo que se expandiu a partir de 1964 e a conferência da Ordem foi um marco para impulsionar a mobilização da sociedade civil.

ConJur — O senhor relatou a primeira proposta de convocação da Constituinte, certo?
Bierrenbach — Sim. E minha idéia não era a de transformar o Congresso Nacional em poder constituinte, como acabou acontecendo. Em 1985, o presidente José Sarney, cumprindo promessa feita por Tancredo Neves, encaminhou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição 26, que convocava a Assembléia Constituinte. Eu era deputado federal por São Paulo, pelo PMDB, e fui escolhido o relator da comissão mista do Congresso.

ConJur — Como foi o trabalho?
Bierrenbach — Fiz um grande número de audiências públicas. Minha preocupação foi no sentido de ouvir a sociedade civil e a sociedade política. Como conseqüência desse trabalho e da mobilização de um Plenário Popular Pró-Constituinte — praticamente uma federação cívica composta de quase 500 entidades da sociedade civil — cheguei a receber 70 mil cartas e mensagens com sugestões e críticas. Tive de comprar várias malas e organizar isso em muitos arquivos. Obviamente, não tive condições de ler todas as cartas, mas fiz uma amostragem representativa, levei para o Congresso Nacional e apresentei um substitutivo à proposta que tinha sido encaminhada pelo presidente da República.

ConJur — Substitutivo que mudava a essência da proposta presidencial.
Bierrenbach — O texto mudava na essência o sistema constituinte. O Congresso não é um poder constituinte, é um poder constituído. Então, pessoalmente, eu defendi a criação de uma Assembléia Constituinte livre, soberana, eleita exclusivamente para essa finalidade: fazer uma nova Constituição. A proposta enviada pela Presidência transformava o Congresso Nacional em Assembléia Constituinte. Mas, no substitutivo, eu optei por outra fórmula: propus um plebiscito para dar à população o poder de decidir se queria dar poderes constituintes ao Congresso ou se preferia votar uma Assembléia Constituinte exclusiva.

ConJur — Mas a proposta foi rejeitada.
Bierrenbach — Sim, fui derrotado na comissão mista, destituído da função e foi nomeado um novo relator, o deputado federal Valmor Giavarina [morto em fevereiro de 2005, Giavarina foi advogado criminalista]. Ele trouxe um parecer que acolheu a idéia do presidente da República de dar poderes constituintes ao Congresso. O que acabou ocorrendo.

ConJur — O senhor disse que recebeu mais de 70 mil cartas com sugestões. Isso dá uma mostra da ânsia da sociedade de participar da construção da nova Constituição. E muitos defendem que a Carta se tornou prolixa exatamente por causa disso. O senhor concorda?
Bierrenbach — Eu não tenho dúvidas de que a Constituição brasileira de 1988 é democrática. E é democrática porque, como foi produzida depois de um longo período autoritário, os constituintes se esmeraram na declaração de direitos. O Brasil tem, hoje, uma declaração de direitos que eu não chamaria de prolixa, mas sim de extensa. E essa extensa declaração de direitos produziu um sistema de interpretação da Constituição bastante razoável e avançado. Agora, é preciso reconhecer que o texto constitucional é extenso, programático e depende de inúmeras normas complementares, de leis complementares, muitas das quais não foram feitas até hoje.

ConJur — Os quase 900 Mandados de Injunção ajuizados no Supremo Tribunal Federal mostram isso.
Bierrenbach — É verdade. E essa realidade que o Brasil vive nos últimos 20 anos é responsável pelo protagonismo judiciário. A rigor, o Poder Legislativo hoje não cumpre nenhum dos seus três papeis institucionais: não legisla, não fiscaliza o Executivo e representa mal o povo. Antes da Constituição de 88, nós vivíamos em um regime autoritário. Mas a partir da Constituição, quem legisla no Brasil é o Poder Executivo. A legislação que é produzida pelo Congresso Nacional no plano federal e pelas assembléias legislativas no plano dos estados é de quantidade e qualidade irrelevante. E o Executivo legisla pela via ordinária ou por meio de medidas provisórias, com uma profusão como nunca houve na história do Brasil. Isso transforma o mundo jurídico em uma espécie de realidade virtual, como se fosse uma tela de espera de computador em mutação continua. As leis vão se sucedendo, vão se atropelando e o aplicador da lei, o juiz, muitas vezes não sabe nem qual é a regra que está em vigor. Junte-se a isso uma Constituição que, somando todos os seus dispositivos — artigos, incisos, alíneas e parágrafos — tem mais de mil regras.

ConJur — O senhor acha que uma Assembléia Constituinte exclusiva teria produzido uma Constituição melhor ou, pelo menos, mais enxuta?
Bierrenbach — Poderia ter feito um texto bastante melhor do que o atual. O Brasil poderia ter construído instituições ainda mais sólidas com uma Constituinte exclusiva, que não fosse contaminada por interesses momentâneos. Acho que quem participa da elaboração de uma Constituição tem que ficar de quarentena, ficar inelegível por alguns anos. Mas não me atrevo a fazer muitos vaticínios, porque os que eu fiz há 20 anos não se confirmaram. Eu achei que essa Constituição teria uma vida efêmera, mas ela já tem 20 anos e está firme. É verdade que já foi emendada 62 vezes...

ConJur — O senhor considera significativo esse número de emendas?
Bierrenbach — O caráter da Constituição tem que ser duradouro. Não pode ser perpétuo porque a sociedade muda, os homens mudam e isso não comporta regras perpétuas. Mas também não se pode construir uma nação com uma Carta fundamental que em curto prazo já foi emendada 62 vezes, principalmente quando se leva em conta que o paradigma constitucional do Brasil são os Estados Unidos. A Constituição americana foi feita com sete artigos e está aí há mais de 200 anos. Nesse espaço de tempo, recebeu apenas 26 emendas. E, no entanto, permitiu um sistema de interpretação constitucional por parte da Suprema Corte americana que vem se revelando eficaz na proteção de direitos.

ConJur — Mas a Constituição brasileira não é muito emendada por ser também muito longa? Não há muita coisa típica de legislação ordinária que ganhou status constitucional e, por isso, comporta essa revisão?
Bierrenbach — Exatamente. O Congresso travestido em poder constituinte revelou os seus medos. O Brasil vinha de um período autoritário. Então, o Congresso constituinte quis amarrar tudo na Constituição para contrapor esse período. Mas nem tudo se amarra na Constituição.

ConJur — Qual a principal função da Constituição?
Bierrenbach — Harold Laski [teórico do Partido Trabalhista inglês] dizia que a Constituição é um instrumento jurídico destinado a limitar o poder político. Essa é a melhor definição que já encontrei. Então, a Constituição poderia ter dez, sete ou cinco artigos, porque o que ela tem que fazer mesmo é limitar o poder do Estado. E para limitar o poder, ela declara direitos do cidadão.

ConJur — Então, a Constituição de 88 poderia se limitar ao artigo 5º, que protege os direitos fundamentais?
Bierrenbach — Quando eu digo que uma Constituição podia ter dez artigos, na verdade, é uma afirmação retórica. Porque em um país com o histórico jurídico, constitucional e institucional do Brasil, não é possível fazer uma Constituição com dez artigos. As constituições brasileiras sempre começaram com a organização do Estado e a carta de direitos entrava lá adiante. Durante o regime autoritário, que durou mais de 20 anos, houve um consenso no sentido de que uma Constituição teria que começar com os princípios fundamentais. Assim, os primeiros quatro artigos da Constituição de 88 são uma carta de princípios e o artigo 5º é uma carta de direitos.

ConJur — Até no formato as constituições sempre privilegiaram o Estado, não o cidadão.
Bierrenbach—Na Constituição de 1946, que é considerada liberal e que foi feita depois de uma ditadura, por uma Assembléia Constituinte, a carta de direitos começava no artigo 141.

ConJur — Ou seja, a Constituição de 88 mudou todos os parâmetros. É graças a ela que o Brasil vive seu mais longo período de estabilidade institucional democrática?
Bierrenbach—Não. Sobretudo em um país latino-americano, não é a Constituição, sozinha, que garante a estabilidade. A aplicabilidade e durabilidade da Constituição e a garantia das instituições é definida por um conjunto de fatores histórico-culturais. Sozinha, a Constituição não garante nada. Charles Maurice de Talleyrand, que foi ministro de Relações Exteriores da França no século XIX, dizia que tudo se pode fazer com uma baioneta, salvo sentar em cima. A estabilidade institucional é uma construção contínua.

ConJur — A Constituinte tem a imagem de Ulysses Guimarães. Qual o papel dele na construção da Constituição de 88?
Bierrenbach— Ulysses Guimarães esteve para a Constituição como o regente está para a orquestra. Não é o regente que produz a música, são os instrumentistas. Mas, sem o regente, a orquestra perde o momento, a harmonia e a sonoridade. O doutor Ulysses foi o maestro da Constituinte.

ConJur — O senhor não foi deputado constituinte, mas acompanhou de perto e trabalhou muito pela construção da Constituição e pela transição para a democracia. É lembrado por discursos inflamados, como quando disse que a proposta feita pelo Executivo em 1984 para que houvesse eleições diretas em 1988 era “uma espécie de Ponte de Safena que ele tenta implantar no coração desse regime agonizante, que prefere estrebuchar na cama, na UTI do Fundo Monetário Internacional, a morrer de pé fuzilado pelo povo brasileiro”.
Bierrenbach — Nós vivíamos em regime de abertura desde o governo de Ernesto Geisel (1974-1979) e que teve, como eu disse, a sua gênese com a declaração da Conferência Nacional da OAB presidida por Raymundo Faoro em 1978. Foi a partir dali que começou o processo de abertura que o governo chamava de lenta, gradual e segura, e que se estabeleceu a luta pela anistia, que nós chamávamos de ampla, geral e irrestrita. Então, em 1984 já era possível fazer um discurso como esse, que dez anos antes provavelmente teria levado à minha cassação. Agora, o papel do político progressista é mover a roda da história para frente, ou pelo menos não deixar que ela se mova para trás.

ConJur — O senhor citou a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. Como o senhor vê alguns movimentos para rever a Lei da Anistia e punir quem praticou crimes na época do regime autoritário?
Bierrenbach — Anistia significa perdão. Perdão, inclusive, recíproco. Mas anistia não significa esquecimento. Há duas palavras em inglês que definem, talvez melhor do que em português, o sentido da anistia. Anistia é forgive, não é forget. O Brasil já teve oito leis de anistia desde o Império. Teve guerras civis nas quais foram cometidas as maiores atrocidades e, no entanto, houve anistia. Duque de Caxias, por exemplo, ganhou o nome de “Pacificador” porque a primeira coisa que o governo fazia depois que ele vencia uma rebelião, e houve tantas no tempo do Segundo Império, era promover uma anistia e reintegrar a sociedade àqueles que estavam do lado perdedor. A luta pela anistia foi uma luta que teve o empenho da sociedade civil e da sociedade política. Anistia significa perdão. Eu não vejo viabilidade jurídica e nem política para a punição de quem quer que seja.

ConJur — Valeu a luta?
Bierrenbach — Durante o regime autoritário, na verdade, a gente não lutava por uma Constituição, não lutava por anistia, lutava-se por um Estado democrático. E isso nós temos no Brasil hoje. Nós vivemos em um Estado Democrático de Direito, com os seus percalços, com problemas, com um quadro terrível de desigualdade, mas com um arcabouço institucional apto para enfrentar o futuro.

Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2008; Sobre o autor: Rodrigo Haidar: é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

PROLIXA, ANALÍTICA E CASUÍSTICA

A Constituição é prolixa, analítica e casuística. Quando o Legislativo vai mal, o Judiciário toma conta - Luís Roberto Barroso, Constitucionalista - Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2008

A Constituição Federal de 1988 é prolixa, analítica e casuística, mas nem por isso deixa de merecer o título de fiadora da estabilidade institucional que o país vive desde a sua promulgação, há 20 anos. A opinião é do professor Luís Roberto Barroso, um dos constitucionalistas mais respeitados do país, para quem “o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade”.

Barroso esteve à frente de algumas das mais polêmicas discussões que se travaram no Supremo Tribunal Federal recentemente. Foi o advogado a Associação dos Magistrados Brasileiros na Ação Declaratória de Constitucionalidade a partir da qual o STF proibiu o nepotismo no país. Atua também na ação que defende o direito de gestantes decidirem se querem interromper a gravidez em casos de fetos anencéfalos.

Estudioso dedicado de constituições e do Supremo, Barroso considera que a Constituição de 1988 é o símbolo maior do sucesso da transição de um Estado autoritário e intolerante para um Estado democrático de Direito. Ele lembra que sob a nova Carta realizaram-se cinco eleições presidenciais, por voto direto, secreto e universal, com debate público amplo, participação popular e alternância de partidos políticos no poder. “E não foram tempos banais. Ao longo desse período, diversos episódios poderiam ter deflagrado crises que, em outros tempos, teriam levado à ruptura institucional”, ressalta.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, contudo, Barroso não deixa de revelar as fraquezas da Carta. O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro aponta que muita coisa que foi colocada na Constituição em 1988 poderia perfeitamente ser tratada por lei ordinária. O detalhe, além de inchar a Constituição, obriga os governos a fazer política com maiorias qualificadas.

“Para aprovar uma lei ordinária, é preciso maioria simples do Congresso. Mas para fazer uma emenda à Constituição, é preciso três quintos. Então, a excessiva constitucionalização das matérias é responsável, em alguma medida, pelo tipo de relação que o Executivo tem que estabelecer com o Congresso”, conta.

Mais grave, porém, que a falta de regulamentação de muitos dispositivos previstos em lei, é a falta de políticas públicas para aplicar direitos fundamentais garantidos pelo texto constitucional. Para o professor, mais importante do que regulamentar o direito de greve de funcionários públicos, por exemplo, é desenvolver uma política habitacional que garanta a todo cidadão o direito à moradia, previsto na Constituição.

Na entrevista, a segunda da série que a ConJur publica em comemoração aos 20 anos da Constituição de 88, o professor fala de reforma política, políticas sociais, analisa o perfil ativista do Supremo Tribunal Federal e mostra como algumas das principais garantias dos cidadãos nos Estados Unidos foram conseguidas graças a um movimento semelhante ao que acontece hoje no Brasil: “Quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, cá para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas”. Consciente da utilidade circunstancial do ativismo judicial, porém, ele faz uma advertência. “Ativismo é como colesterol: tem do bom e tem do mau.”

A entrevista

ConJur — A Constituição de 1988 judicializou a vida do país?
Luís Roberto Barroso — A vida brasileira se judicializou, sobretudo nos últimos anos. E só parte da responsabilidade é da Constituição de 88. Por ser bastante analítica, ela trouxe para o espaço da interpretação constitucional algumas matérias que, se não tivessem sido constitucionalizadas, seriam discutidas no Congresso, no processo político majoritário. Não nos tribunais.

ConJur — Quanto mais extensa e analítica a Constituição, mais a Justiça é chamada a decidir?
Barroso —Na medida em que o assunto está na Constituição, ele sai da esfera política, da deliberação parlamentar, e se torna matéria de interpretação judicial. Então, em uma primeira abordagem, a Constituição de 88 contribui sim para que o Judiciário tenha um papel muito mais ativo na vida do país. Mas há um segundo motivo para isso. O atual sistema político brasileiro levou a um descolamento entre a sociedade civil e a classe política. Há algumas demandas da sociedade que não são atendidas a tempo pelo Congresso Nacional. E o que acontece? Nos espaços em que havia demandas sociais importantes e o Legislativo não atuou, o Judiciário se expandiu. Aqui penso ser oportuno fazer uma distinção entre judicialização e ativismo judicial, que são idéias que estão próximas, mas não se confundem. Judicialização é um fato, que identifica a circunstância de que muitas questões que antes eram próprias da política passaram a ser decididas pelo Judiciário, foram transformadas em pretensões veiculadas perante juízes e tribunais. O ativismo é uma atitude, que identifica uma interpretação expansiva da Constituição, incluindo no seu âmbito de alcance questões que não foram nela expressamente contempladas.

ConJur — A decisão do Supremo sobre a fidelidade partidária e a edição da Súmula Vinculante que proíbe o nepotismo ilustram isso?
Barroso — Sim. Há um déficit de legitimidade do processo político majoritário para atender algumas das grandes demandas da sociedade e, portanto, o Judiciário está suprindo este déficit. Mas não há democracia sem um Poder Legislativo atuante, dotado de credibilidade e com identificação com a sociedade civil. Portanto, eu não acho que a nossa postura deva ser de simples crítica ao Legislativo, mas sim de repensá-lo para recolocá-lo no centro da política. Quando vier a reforma política que nós precisamos, aumentando a representatividade do Parlamento, acredito que haverá tendência de redução da presença do Judiciário no espaço público. Esse movimento é pendular e se verifica em diferentes partes do mundo: quando a política tradicional vive um bom momento, o Judiciário se retrai; quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, cá para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas.

ConJur — Em outras palavras, a Constituição de 88 ajudou a atrofiar o Legislativo e deu músculos ao Judiciário?
Barroso — Ela tratou de muitas matérias que na maior parte dos países são deixadas para a legislação ordinária. A Constituição é prolixa, analítica e casuística. E, veja, sou um defensor da Constituição de 88 porque ela representa um vertiginoso sucesso institucional. Mas o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade. Esse é o produto indesejável do processo democrático brasileiro da ocasião. E, naquelas circunstâncias, talvez fosse inevitável promulgar essa Constituição analítica. Havia muita demanda da sociedade brasileira de participar do processo constituinte.

ConJur — Como a Constituição influi na relação entre os poderes?
Barroso — O problema de colocar na Constituição o que deveria estar na legislação ordinária infraconstitucional é que obriga a política ordinária a se desenvolver organizando maiorias qualificadas. Porque para aprovar uma lei ordinária, é preciso maioria simples do Congresso. Mas para fazer uma emenda à Constituição, é preciso ter três quintos dos votos. Então, a excessiva constitucionalização das matérias é responsável, em alguma medida, pelo tipo de relação que o Executivo tem que estabelecer com o Congresso porque o governo precisa contar com maiorias qualificadas para cada mudança importante. Fazer política fica mais difícil porque ela tem de se mover por quóruns excessivamente elevados.

ConJur — Não seria o caso, então, de fazer uma reforma constitucional?
Barroso — A Constituição de 88 cumpre o papel principal que cabe a ela, que é assegurar estabilidade institucional e absorver os conflitos políticos dentro do quadro da legalidade pré-estabelecida. Mas, em algum lugar do futuro, não com o poder constituinte originário, mas com o poder constituinte derivado, teremos que tirar da esfera constitucional uma boa quantidade de matérias. Eu não falo das matérias polêmicas, como direitos sociais. Eu falo do varejo da vida em matéria previdenciária, de administração pública, tributária. Não das grandes questões, mas de miudezas que estão na Constituição, e não deveriam estar.

ConJur — O fato de ser muito analítica justifica que a Constituição tenha 56 emendas, fora as de revisão, em 20 anos?
Barroso — Para cada pequena mudança da realidade social é preciso reformar a Constituição. É verdade que a vida política não se move por modelos ideais, e sim por modelos possíveis, mas o modelo ideal é que um partido liberal possa governar com essa Constituição, um partido trabalhista possa, e que sirva também ao governo de um partido conservador. Cabe à Constituição estabelecer os direitos e valores fundamentais de uma sociedade e deixar o restante para a política. Parte disso também é culpa do que eu gosto de chamar de narcisismo constitucional. Cada um que chega ao poder quer uma Constituição à sua imagem e semelhança.

ConJur — Mas, então, pode-se dizer que a Constituição tem até poucas emendas?
Barroso — Não diria que 56 emendas são pouca coisa. Mas, se considerarmos a quantidade de questões ordinárias que foram postas na Constituição, o número de emendas não é surpreendente.

ConJur — O Supremo Tribunal Federal está legislando?
Barroso — O Supremo tem interpretado pró-ativamente a Constituição e, assim, atende as demandas da sociedade. Não considero que o Tribunal esteja invadindo o espaço da política no sentido impróprio que isso poderia significar. O Supremo tem invadido o espaço da política, em alguma medida, munido da Constituição. Isso não é um fenômeno positivo ou negativo, mas sim uma circunstância da realidade brasileira. Na Suprema Corte americana, processo muito semelhante aconteceu a partir de 1953, depois que o juiz Earl Warren tornou-se presidente daquele tribunal. Ele liderou a fase do ativismo judicial da Suprema Corte, que vai até 1969, quando ele se aposenta. Em seguida, Richard Nixon toma posse na Presidência dos Estados Unidos (1969-1974) e tem início uma fase mais conservadora e, portanto, de maior auto-contenção.

ConJur — A chamada Corte Warren é bastante lembrada.
Barroso — Porque no período de Warren a Suprema Corte fez algumas das grandes reformas que a sociedade americana precisava e que o Congresso não conseguia fazer, a começar pela fixação da igualdade racial. Nos Estados Unidos, sobretudo nas escolas públicas, a integração racial entre crianças brancas e negras foi feita por uma decisão da Suprema Corte, de 1954, no caso Brown vs. Board of Education. O que aconteceu na época? Nem o Congresso e nem o Legislativo dos estados do sul aprovavam leis que assegurassem igualdade entre crianças brancas e negras nas escolas públicas. Portanto, era uma hipótese em que o processo político majoritário não iria realizar os direitos fundamentais daquelas crianças de serem tratadas com igualdade. A Suprema Corte rompeu a inércia e determinou que as escolas públicas em todos os estados admitissem crianças brancas e negras convivendo juntas. Antes, havia escolas para brancos e escolas para negros. A Suprema Corte determinou a integração. Isso não foi feito por lei, nem com o apoio do Legislativo.

ConJur — Houve apoio do Executivo?
Barroso — Não, pelo contrário. Numa prática incomum, o Eisenhower [ Dwight Eisenhower, que presidiu os Estados Unidos entre 1953 e 1961] pediu a Warren que, por favor, não julgasse a favor da integração. E a Suprema Corte, desafiando o status quo racista, sobretudo dos estados do sul, tomou essa decisão. A Justiça levou dez anos para conseguir que ela fosse cumprida, porque foi só na década de 60, já com o movimento dos direitos civis dos negros liderados por Martin Luther King, que isso foi concretizado. Este é um exemplo em que o processo político majoritário emperra e quem tem que atuar é a Suprema Corte.

ConJur — Há outros exemplos que refletem o que acontece hoje no Brasil?
Barroso — Sim. Os direitos dos acusados em processos criminais também foram assegurados pela Suprema Corte americana na era Warren, sob críticas severas da sociedade. A população não queria direitos para presos ou para acusados. Com o aumento da criminalidade, as pessoas queriam exacerbar o processo penal. E foi a Suprema Corte que assegurou direitos fundamentais, como o de ser assistido por um advogado, no caso Gideon; o direito de não se incriminar, no célebre caso Miranda vs. Arizona. Foi a Suprema Corte que impediu o uso de provas ilícitas, o chamado unreasonable seizure, e determinou que não se pode fazer busca sem mandado ou utilizar provas ilícitas. Então, foi a Suprema Corte dos Estados Unidos que, diante da omissão do Legislativo, estabeleceu regras para o processo penal e assegurou direitos aos acusados em uma época em que a sociedade queria a exacerbação do Direito Penal.

ConJur — A Justiça atua porque políticos que defendem esses direitos correm o risco de não se eleger.
Barroso — O Nixon, por exemplo, se elegeu com discurso de crítica à jurisprudência da Suprema Corte. Foi a Suprema Corte de Warren, também, que estabeleceu os grandes precedentes de liberdade de expressão. Determinou, por exemplo, que só se pode responsabilizar o jornalista por divulgar uma informação se ele souber que ela é falsa ou se ele tiver sido totalmente negligente, sem o mínimo de prudência na apuração da verdade. Criou-se o critério que vigora até hoje, e que depois da redemocratização nós seguimos no Brasil, de que a liberdade de expressão é uma liberdade preferencial — ela é tão importante para o desfrute de todas as outras liberdades, que, em princípio, deve prevalecer. Evidentemente, nenhum direito é absoluto e pode haver casos em que ela tenha que ceder, mas como regra a primeira atitude do intérprete da Constituição deve ser a de prestigiar a liberdade de expressão. Esta idéia sofre hoje o ataque de inúmeras outras visões que querem proteger o direito de privacidade, o direito de um julgamento justo. Portanto, é uma idéia ainda dominante, mas não é axiomática.

ConJur — A tentativa de alguns juízes e procuradores de proibir a imprensa de entrevistar candidatos em período pré-eleitoral mostra isso.
Barroso — É um esforço geralmente inútil tentar pautar a imprensa. Não que a imprensa não erre ou não exagere. Isso acontece. A questão é saber se devemos permitir que o Estado interfira nisso. Geralmente, o Estado erra mais do que a imprensa.

ConJur — Pode-se dizer que vivemos hoje o que os Estados Unidos viveram há 50 anos.
Barroso — Os Estados Unidos viveram uma era em que o Executivo se retraiu e o Judiciário se expandiu. Depois, a partir da década de 70, com os governos conservadores nos Estados Unidos, ocorreu um movimento inverso. Talvez a última decisão verdadeiramente ativista da Suprema Corte foi sobre o aborto, em 1973. Muitos anos de governos republicanos levaram a uma posição menos ativista. Ou, quando ativista, de um ativismo conservador, porque é importante observar que ativismo é como colesterol: tem do bom e tem do ruim.

ConJur — Isso mostra que o governo pode moldar a Corte. No Brasil, a cada ministro do Supremo que se aposenta, reabre-se a discussão sobre a forma de indicação. O senhor acha que deveria ser diferente do que é hoje?
Barroso — Não. A forma de indicação é muito boa e acho que é a única possível. Existem críticas, mas no Brasil o presidente da República tem mais responsabilidade política do que o Parlamento, pela visibilidade que tem e pela possibilidade de se reconduzir a ele qualquer erro político que cometa. Como o Congresso é colegiado e suas decisões se diluem por um número muito grande de pessoas, é mais difícil de responsabilizá-lo politicamente. Ou seja, se o presidente da República fizer uma má escolha, ele carregará pela vida o peso de ter feito essa má escolha. Mas se o Parlamento fizer uma má escolha, ninguém saberá exatamente quem responsabilizar. O modelo americano, que se segue no Brasil, em que o presidente escolhe e o Senado aprova, é um modelo que funciona bem.

ConJur — A Súmula Vinculante e a Repercussão Geral serão suficientes para desafogar o Supremo?
Barroso — Esses são dois institutos importantíssimos para a própria sobrevivência do Supremo Tribunal Federal. Todos os tribunais constitucionais do mundo têm algum grau de controle sobre a sua agenda, para que possa separar os casos verdadeiramente importantes, emblemáticos e passar as mensagens corretas para a sociedade. A jurisdição constitucional exercida às dezenas de milhares de processos evidentemente se torna extremamente disfuncional e se perde em um varejo de miudezas. O Supremo deve ter o poder de selecionar as grandes questões nacionais, as que têm verdadeiramente repercussão geral e decidi-las. É assim que funciona a Suprema Corte americana, é assim que funciona o Tribunal Constitucional Federal alemão.

ConJur — A escolha de matérias para julgamento e o efeito vinculante se tornam ainda mais necessários num quadro em que a administração recorre de tudo e as instâncias inferiores, muitas vezes, afrontam a jurisprudência superior.
Barroso — As decisões do Supremo Tribunal Federal devem ter eficácia vinculante intelectual de uma maneira geral, independentemente de Súmula Vinculante. Em nome da segurança jurídica, da isonomia e da eficiência, temos de criar uma cultura de respeito aos precedentes. Como regra geral, os juízes e os tribunais devem respeitar as teses jurídicas firmadas pelos tribunais superiores. É assim em toda parte do mundo. Isso é um avanço civilizatório. É claro que não se pode impedir o juiz de decidir que, no seu caso concreto, determinada tese firmada por um tribunal superior produz um resultado que ele não pode aceitar. Neste caso, ele pode não seguir o precedente, mas terá o ônus argumentativo de demonstrar porque ele não está seguindo o precedente. Mas, fora isso, o juiz tem todo o direito de pensar diferentemente, mas dirá: “Me curvo à orientação do tribunal superior”. Se o Supremo assentou determinada orientação em matéria de uso de algema, por exemplo, uma sociedade civilizada, mesmo que não houvesse Súmula Vinculante, deveria se curvar à orientação. Quando a Suprema Corte americana determinou que a autoridade policial, no ato da prisão, tinha de informar ao preso que ele tem o direito de permanecer calado, isso se introduziu na cultura policial americana.

ConJur — O que o senhor identifica de importante que deveria ter sido regulamentado depois da Constituição de 88 e não foi até agora?
Barroso — Pontualmente, eu citaria o exemplo da greve dos servidores públicos, que foi objeto do Mandado de Injunção decidido pelo Supremo Tribunal Federal [os ministros decidiram que enquanto o Congresso não regulamenta o direito, valem para os servidores públicos as mesmas regras dos trabalhadores da iniciativa privada]. Mas acredito que essa discussão não é tão importante. O que faltou foi a implementação adequada de políticas públicas.

ConJur — O senhor pode dar exemplos?
Barroso — Veja, esta é a visão política de um cidadão, não a visão jurídica de um professor. Mas há muitas décadas o Brasil não tem nenhum plano habitacional para famílias de baixa renda, o que faz com que o Estado brasileiro seja um favelizador ideológico. As pessoas pobres precisam morar e se não há um planejamento estatal para suprir essa necessidade, você faveliza o país. Quando a Constituição consagra o direito de moradia, ela não está assegurando que cada pessoa pode exigir do Estado uma residência, mas esse direito exige que o Estado brasileiro tenha políticas habitacionais mínimas e consistentes para inclusão dessas pessoas na cidadania formal. As favelas são, em parte, o fruto de uma absoluta ausência dessa política. E fazer política habitacional significa não apenas assentar pessoas, mas dar transporte, colocá-las em lugares onde haja trabalho adequado próximo. Mesmo nas cidades que estão enriquecendo com royalties de petróleo não há nenhum planejamento urbanístico, civilizatório.

ConJur — O Rio de Janeiro, seu estado, é um grande exemplo dessa falta de política habitacional.
Barroso — Sim. Eu tenho a teoria de que o Rio é o lugar verdadeiramente cosmopolita do Brasil. Há lugares no país extremamente desenvolvidos e industrializados que são provincianos. O Rio é cosmopolita, tem um pouco de tudo de bom e de ruim que há no Brasil. Ele vive a ventura e a infelicidade de ser um pouco da expressão do país. E o Rio teve sucessivos governos sem projeto abrangente de cidade e de cidadania. Agora o problema está muito difícil de ser resolvido. Mas mesmo os problemas difíceis precisam ser equacionados, precisam de projetos. Vou lhe dar um exemplo prosaico. Eu morava na Barra da Tijuca, no Rio. Em 1998, o trânsito ficou tão insuportável que eu me mudei. Até hoje, não foi feito nenhum projeto viário novo para a Barra da Tijuca. Como é que pode uma cidade não ter um projeto viário novo em dez anos? Esse é um exemplo microscópico, mas mostra a incapacidade de abstração e de pensar o país para sequer os próximos cinco anos ou dez anos. Quando eu escrevi uma proposta de reforma política para o Brasil, eu a propus para vigorar depois de oito anos. Ninguém deu atenção. “Como é que pode ser um negócio para daqui a oito anos?”, questionaram.

ConJur — A reforma política é um nó que parece impossível de desatar. Por quê?
Barroso — Vou lhe dar outro exemplo. Eu escrevi um trabalho sobre distribuição de medicamentos por decisão judicial e a repercussão foi muito grande: foi publicado pela imprensa, recebi grande quantidade de mensagens de e-mail e de convites para participar de debates públicos sobre a questão da distribuição de medicamentos. Já o estudo que fiz sobre reforma política não produziu nenhum tipo de retorno, nem de participação em debates. Essa não é uma queixa pessoal, é institucional. Isso demonstra como ninguém está muito motivado a participar deste debate.

ConJur — As discussões políticas costuma ser ignoradas pela maioria das pessoas.
Barroso — Há dois espaços na vida brasileira que foram negligenciados nesses 20 anos de democracia. Um é o tema da reforma política. Ela é necessária. Defendo um sistema que contenha a pulverização partidária. Tem que haver um número de partidos que efetivamente expresse divisões ideológicas relevantes da sociedade, e não idiossincrasias individuais. Eu insisto, menos do que gostaria, na idéia de um debate sobre presidencialismo. O Brasil vive 20 anos de estabilidade institucional. Esta é a hora de criarmos um modelo imune a crises dramáticas, imune a aventuras autoritárias como as que estão acontecendo pela América Latina. O presidencialismo imperial latino-americano é um desastre. É hora de reformular o sistema presidencialista.

ConJur — Como?
Barroso — Há dois modelos no mundo que deram muito certo. São o modelo francês e o modelo português. Nesses dois países, vigora um presidencialismo atenuado. Não é parlamentarismo, como na Alemanha ou na Itália. Na França e em Portugal, o presidente é eleito por voto direto, e disso nós não podemos abrir mão no Brasil. O presidente tem a carga de legitimidade e a força política desta investidura por voto popular. Mas nesses países o presidente desempenha as funções de Estado, cuida das questões relevantes. Ele pode apresentar projetos de lei, ele nomeia os comandantes das forças armadas, os ministros dos tribunais superiores, mas não atua no varejo do cotidiano da política. Esta tarefa é do primeiro-ministro, escolhido pela maioria parlamentar. A idéia de que nós precisamos trabalhar com maiorias parlamentares consolidadas a cada tempo é importantíssima para acabar com as relações muitas vezes não republicanas entre o Executivo e o Parlamento. Alguém tem que ser o fiador da estabilidade, das grandes questões do Estado, e esse deve ser o presidente da República.

Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2008 Sobre o autor-Rodrigo Haidar: é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Comentário do Bengochea - Brilhante este artigo. Prova que a Constituição, apesar de seus avanços na matéria de cidadania, é nociva ao Brasil quando prioriza direitos corporativos em relação a deveres, estabelece condições utópicas ao Executivo, deprecia a ordem pública, enfraquece os instrumentos de coação do Estado e tranforma tudo em matéria constitucional, cujos efeitos formentam o desrespeito às leis, a desarmonia, a desigualdade e as desordens judiciária e jurídica no Brasil.

CONSTITUIÇÃO DE 88 TORNOU PAÍS INGOVERNÁVEL

Desequilíbrio de poderes. Constituição de 88 tornou país ingovernável, diz Sarney - Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2008


A inclusão de todas as reivindicações corporativas tornou o país ingovernável, fazendo da Constituição Federal algo mais grave do que um Frankenstein. A afirmação foi feita pelo senador e ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), na entrevista dada para a jornalista Teresa Cardoso, da Agência Senado. Para Sarney, o texto da CF, que completa duas décadas em outubro deste ano, misturou as competências dos Poderes e permitiu que as Medidas Provisórias se tornassem o meio principal de legislar.

Em 15 de março de 1985, quando soube que assumiria a Presidência da República porque Tancredo Neves, primeiro civil eleito depois de 20 anos de regime militar, acabara de ser hospitalizado, Sarney afirmou que era um homem deprimido. Ao ouvir, às 2h da madrugada, do futuro ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, que teria de tomar posse na Presidência, ele ainda resistiu. Mas foi cortado, conta, pela seguinte frase do general: "Boa noite, presidente". O senador conta que, três meses depois, enviou ao Congresso proposta convocando a Assembléia Nacional Constituinte para reescrever a Constituição. No entanto, 20 anos depois, ele afirma que Constituição de 1988 não é motivo de orgulho para ele.

Em entrevista à Agência Senado, o senador também afirmou que seu receio pela aprovação de direitos sociais, na época da Constituinte, era de que fossem criadas obrigações orçamentárias com as quais o país não teria condições de arcar. Foi o que aconteceu, constata.

ENTREVISTA

Se tivesse assumido a Presidência da República, Tancredo Neves teria convocado a Assembléia Constituinte?
José Sarney – É impossível alguém se sair bem das especulações sobre, se fossem outras as circunstâncias, como seria o passado. Não sei se Tancredo teria convocado a Constituinte com a brevidade com que eu fiz. Mas sua convocação constava dos compromissos da Aliança Democrática [pacto político que propiciou a transição do regime militar para a democracia]. Tancredo tinha a legitimidade para flexibilizar prazos e até mesmo postergá-los. Tinha uma autoridade sobre os partidos que seria um contrabalanço à vontade de Ulysses Guimarães [presidente da Câmara dos Deputados à época]. Enfim, outras circunstâncias, outras conseqüências, que não as minhas.

Em algum momento, o senhor hesitou em convocar a Assembléia Constituinte?
José Sarney – Não, eu sabia que era um risco, mas era um passo indispensável para aquele momento em que vivíamos. Tanto não hesitei que, já em 28 de junho de 1985, com pouco mais de dois meses de governo — descontemos o tempo da agonia de Tancredo Neves — eu enviei ao Congresso o projeto de Emenda Constitucional. Logo criei, também, a Comissão Afonso Arinos, com grandes nomes da vida brasileira, para fazer o excelente projeto que fizeram e que não mandei ao Congresso porque Ulysses me disse que, se o fizesse, o devolveria, abrindo assim uma crise que era tudo que eu precisava evitar.

O senhor costuma dizer que os constituintes terminaram aprovando uma Constituição que todo dia precisa ser consertada. Em sua opinião, foi aprovado um Frankenstein?
José Sarney – Creio que o que foi feito é mais grave. Foram incluídos na Constituição todas as reivindicações corporativas, tornando o país ingovernável, com um desbalanço entre seu poder e seu dever. Nosso sistema eleitoral é ainda o do voto uninominal proporcional, funcionando sem partidos. Nosso sistema de governo mistura a competência dos Poderes. O mecanismo da Medida Provisória tornou-se o principal meio de legislar.

O senhor é acusado de recear, à época, pela aprovação dos direitos sociais, que até hoje estão aí. Por que?
José Sarney – Meu lema de governo foi "Tudo pelo Social" e toda a minha vida lutei pelos direitos fundamentais. O que temi — e aconteceu — foi que criássemos obrigações orçamentárias incompatíveis com nossa capacidade de pagar. O sistema tributário, que enxugáramos, tornou-se essa loucura: reduzíramos a carga a 22%, ela hoje está em 38% e não dá conta do que precisamos. Na convocação que fiz da Constituinte, fui eu que incluí a agenda dos direitos sociais. Está na mensagem.

O que teria acontecido se os constituintes tivessem aprovado, naquelas circunstâncias, um programa Bolsa-Família?
José Sarney – Seria compatível com o espírito dos direitos sociais da Constituição. Criar o Bolsa-Família foi um grade passo dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eu criei o programa do leite das crianças, merenda escolar, vale-alimentação, vale-transporte.

O que é mais urgente mudar na Constituição?
José Sarney –O sistema político, isto é, os sistemas eleitoral e de governo. Só o Parlamentarismo, com o voto distrital misto, pode atender plenamente à estabilidade que todos almejamos no Brasil.

O HIATO DA POLÍTICA

Se convidássemos um estrangeiro a vir ao Brasil e durante o vôo lhe déssemos a Constituição Federal como leitura de bordo, não tenho dúvida de que tal turista ficaria maravilhado, imaginando que nosso país seria modelar em múltiplos aspectos e sob prismas diversos. Todavia, ao ver a realidade que nos cerca, nosso convidado chegaria a uma conclusão nada animadora e não menos preocupante: muitas das normas traçadas na Constituição brasileira não passam de nacos de tinta sobre o papel sem qualquer eficácia prática, ou seja, nossos problemas não estão na falta de disposições legislativas competentes, mas na ausência de efetividade material das regras vigentes.

A referida ineficácia normativa está a mostrar que quem deveria fazer cumprir a lei, promovendo as mudanças sociais propugnadas pela norma, não está agindo ou, no mínimo, o faz de forma defectiva. Mas a quem compete realizar praticamente aquilo que é desenhado pela lei? Ora, é a política que tem a alta função de dar vida aos enunciados abstratos das regras. Logo, a assimetria existente entre o plano normativo da Constituição e a insuficiente realidade brasileira tem como causa os descaminhos da atividade política nacional, que não consegue vencer suas amarras históricas, enredada no círculo vicioso de corrupção, impunidade e incompetência administrativa.

O espaço democrático de construção governamental deve primar pela convergência contínua da realidade aos ditames da Constituição. Em outras palavras, o hiato da política é justamente a arte de construir o possível, otimizando a eficácia da legalidade. Enquanto nossas estruturas republicanas estiverem cobertas com o manto anacrônico da pessoalidade sobre o interesse público, a política brasileira seguirá em rota de divergência, criando graves fissuras sociais e afastando os cidadãos de direitos fundamentais indispensáveis. Saúde, educação, previdência e assistência, um meio ambiente equilibrado, salário mínimo condigno e tantos outros sonhos de normatividade somente serão possíveis quando a chicana política terminar, inaugurando-se uma fase de respeito à lei, ao cidadão e ao patrimônio público.

A necrose do tecido político não é um fenômeno irreversível. Ocorre que a experiência demonstra que os discursos de superação do paradigma viciado não passam de palavras vazias ou, em certos casos, venais aos acenos da volúpia do poder. Na verdade, a política brasileira se transformou em um grande colégio de compadres que esconde as mazelas de ontem e de hoje, garantindo o triunfo absoluto da impunidade reinante. Sem uma reação efetiva dos órgãos de proteção institucional, o que era para ser um simples hiato se transformará em um intransponível desfiladeiro, fazendo da política nacional um instrumento de subjugação da lei em benefício de maiorias parlamentares eventuais.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr, advogado, especialista em Direito do Estado/ UFRGS

Comentário do Bengochea - Comparo este artigo com textos de Rodrigo Constantino no livro "Prisioneiros da Liberdade", em que ele pergunta de às custas de quem (quem deverá assumir o dever de produzir?) a lista de direitos como educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados? Todos este direitos expressos nas constituição federal podem ser garantidos com o salário mínimo? Alguém pagará a conta. Também alguém arcará com os custos da máquinas burocrática e operacional do Legislativo, Judiciário e Executivo. O povo brasileiro é um dos povos que paga o imposto mais alto do mundo para um Estado que vive batendo recordes nas arrecadações e realizando péssimos e inoperantes serviços públicos, apesar do alto custo dos Poderes. O Brasil tem mais de 15 mil leis e uma constituição com mais de 56 emendas sendo mudadas e trocadas por medidas provisórias que são editadas, reeditadas e apagadas ao bel prazer dos governantes. Leis que não são cumpridas, respeitadas e nem aplicadas, ou pelo povo ou por quem de direito deveria. Leis fracas, judiciário benevolente, Legislativo omisso e Executivo centralizador são os poderes de uma república desigual, corrupta e violenta que afronta os princípios federativos e republicanos. Só uma reação efetiva do povo brasileiro, partindo a indignação solidária de cada família e comunidade, poderá dar um fim a estas violações.

VINTE ANOS DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ


À Assembléia Nacional Constituinte, instaurada em fevereiro de 1987 e formada por deputados e senadores, incumbiu a especial missão de dar ao povo brasileiro uma nova cartilha de direitos fundamentais, em substituição à Carta de 1967 alterada pela Emenda n.º 1, de 1969. A nossa Lei Maior privilegia os direitos e as garantias fundamentais, que a Emenda Constitucional de 1969 relegou a terceiro plano, e se preocupa com a proteção aos direitos humanos e a outros direitos essenciais postos na fachada do texto constitucional.

A Constituição de 1988 acolhe, dentre seus princípios maiores, a dignidade da pessoa, a liberdade e os valores sociais do trabalho. Estabelece o pluralismo político, a liberdade partidária e o voto direto, universal, secreto e igualitário. Dita as diretrizes do poder da União e dos entes federados e prevê as atribuições independentes e harmônicas do Executivo, Legislativo e Judiciário. Implanta um sistema tributário nacional analítico e resguarda importantes direitos, como seguridade social, bem-estar, meio ambiente, indígenas, da criança e do idoso, sem deixar de consagrar a igualdade entre homens e mulheres. Indo além, a Constituição dá proteção máxima à Federação brasileira, ao voto popular, à separação dos poderes e aos direitos e garantias individuais, contra qualquer investida reformista.

Em discurso por ocasião do ato de promulgação, o deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Assembléia Constituinte, vaticinava que a Constituição seria um instrumento de proteção dos fracos contra os fortes prepotentes, encantado que estava com a gama de normas garantidoras dos direitos do cidadão. Apesar de já ter sofrido mais de 50 emendas, no decorrer de duas décadas de vigência, a Constituição Federal não está ultrapassada nem fora da realidade dos anseios nacionais, porque ainda constitui avançada e moderna declaração de direitos, que tem papel imprescindível na manutenção da democracia, na estabilização política e na governabilidade do país.

Na sua elaboração, é certo, os constituintes foram obrigados a aconchegar princípios antagônicos, fruto de proposições deles próprios e de diferentes segmentos sociais e corporativos. Mas houve também participação direta do povo, cujas propostas foram apresentadas no decorrer dos trabalhos da Assembléia Nacional reunida por quase dois anos, entre 1987 e 1988. Eis uma das razões para termos um texto de perfil detalhista e minucioso, que continha inicialmente 245 artigos, subdivididos em parágrafos, incisos e alíneas, além de mais de 70 dispositivos transitórios, levando o intérprete a se deparar com a diversidade de normas e aparente choque de preceitos.

Os seus elaboradores, ao traduzirem a vontade popular, ofertaram ao Brasil uma obra magnífica, conquanto inacabada, que necessita realizar-se, servir e progredir, tornar-se mais aplicável, ser bem interpretada e respeitada, não sofrer emendas que violem a sua essência, mas sim aprimorar-se por reformas aptas a fazê-la acompanhar as mudanças das nações e dos povos. E que assim se faça, sempre sob a proteção de Deus, como vaticina o seu preâmbulo.

Poucas coisas na vida permanecem inalteráveis para sempre. Com duas décadas de existência, ressalvadas as emendas casuísticas, os remendos constitucionais foram necessários para a carta de direitos poder acompanhar melhor a evolução do mundo e os rumos sociais, políticos e ideológicos tomados pela sociedade brasileira após a sua elaboração. "Uma Constituição", como apropriadamente afirmou o relator geral da Assembléia Nacional Constituinte, Bernardo Cabral, "deve espelhar o estado atual das relações sociais, mas, ao mesmo tempo, deve servir de instrumento para o progresso social".

Incomparavelmente, a Constituição de 1988 já propiciou muito mais alegrias do que tristezas, muito mais benefícios do que malefícios e muito mais justiça do que injustiças. Por isso é importante que a sociedade faça um balanço de seus resultados até agora, e comemore com grande contentamento o seu 20º aniversário, porque, muito mais do que uma Constituição cidadã, se trata de obra democrática, pacificadora, valorosa, libertária, progressista, igualitária, garantidora de direitos, profundamente social e, sobretudo, humanitária.

Vallisney Oliveira é JUIZ FEDERAL EM BRASÍLIA E PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UNB - publicado no JB Online de 15/09/2008

Comentário do Bengochea - Sou obrigado a discordar em parte do nobre magistrado. Hely Lopes Meirelles, na sua obra Direito Administrativo Brasileiro (25ª edição, 2000, Malheiros Editores), pg. 57, afirma que a "nossa atual constituição da república, do ponto de vista formal, é ma-redigida, assistemática e detalhista; a redação é confusa, a matéria é distribuída sem sistema, encontrando-se o mesmo assunto em vários capítulos, e desce a detalhes impróprios de texto constitucional." Na mesma página, o autor reconhece que as emendas 18 e 19 aprimoraram a técnica legislativa. Entretanto, na minha opinião, as maioria das emendas constitucionais alteraram o texto constitucional, algo que só poderia ser feito através de uma nova assembléia constituinte.

Também, existem dispositivos constitucionais que não são observados e nem cumpridos pelos Poderes de Estado ou defendidos e aplicados pelos guardiões das leis. O maior exemplo desta conivência está no inciso XII do artigo 37 que dispõe "os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo."

Outra divergência aparece no artigo 2º que diz serem três os Poderes da União - Executivo, Legislativo e Judiciário - independentes e harmônicos entre sí, mas, na prática, ficam criando conflitos, questionamentos, desigualdadades, corporativismo, nepotismo, irregularidades, imoralidades e até um novo poder - o Ministério Público. São podere que deviam se complementar e interagir, principalmente nas questões de ordem pública onde o povo braisleiro se vê impotente, amordaçado e subjugado por impostos abusivos, poderes paralelos, violência e criminalidade

Outro capítulo que é uma afronta ao povo e à democracia é o Título V que diz respeito à "Defesa do Estado e das Instituições Democráticas", onde esta "Defesa" omite o povo e coloca coloca como responsáveis pela preservação da ordem pública as Forças Armadas e as Forças Policiais, esquecendo a responsabilidade do Poder Judiciário (aplicação coativa das leis), do Poder Legislativo (elaboração de leis), do Ministério Público (fiscalização da execução das leis) e dos demais instrumentos do Poder Executivo (defensoria, saúde, educação e assistência social) que complementam a atividade policial, judicial e promotorias. É um tópico típico de Estado Policial e fascista.

Portanto, não temos a tal constituição cidadã, mas uma lei divergente, cheia de emendas e direitos e que é constantemente emendada desrespeitada por todos.

CONSTITUIÇÃO, CARTA DE NAVEGAÇÃO?

Perceba o leitor, pelo menos por alguns instantes, a Constituição como uma espécie de carta de navegação a guiar os destinos de um país, tal como proposto por Juan Bautista Alberdi, considerado o pai da Constituição argentina de 1853, ainda em vigor, porém com significativas modificações, e, por alguns, como o maior constitucionalista da América Latina. Para navegar com segurança e tranqüilidade, para alcançar os objetivos almejados, uma carta de navegação de qualidade é indispensável. Mas não basta, pois se a embarcação não for sólida, se a tripulação não for competente, talvez a viagem fique comprometida ou, quem sabe, nunca se chegue ao resultado esperado.

A Constituição de 1988, a comemorar 20 anos, tem se revelado uma boa carta de navegação para a sociedade brasileira. Conseqüente à transição do autoritarismo para a democracia, foi a Constituição mais participativa em seu processo de elaboração e mais democrática em seu conteúdo de nossa vida constitucional.

Há problemas de “déficit” de Constituição. Muitos direitos constitucionais dependem ainda, mesmo passados 20 anos, de efetiva regulamentação. As práticas institucionais muitas vezes desatendem quando não diretamente agridem a letra e o espírito da Constituição. Por vezes, a embarcação não se revela suficientemente ágil, a tripulação, devidamente qualificada. As mazelas da vida política nacional, por outro lado, afetam o equilíbrio da embarcação, fazendo com que por vezes aderne e perca o rumo. Mas, no final das contas, a Constituição de 1988, a melhor carta de navegação em nossa problemática história constitucional, transformou-se, igualmente, em importante instrumento para a consolidação da democracia, o alargamento dos direitos e o resgate da cidadania em nosso país.

Problema grave diz respeito às tentativas de cada governo procurar sempre adaptar a Constituição, desígnio estrutural da sociedade, aos seus interesses momentâneos e conjunturais, fragilizando, assim, a supremacia formal da Constituição.

Há de se entender o processo constituinte como um processo permanente e contínuo que não se esgota com a promulgação da Constituição, mas que se prolonga no dia-a-dia da sociedade e da cidadania, a exigir de todos respeito, dedicação, empenho e participação para que finalmente possamos desfrutar novas perspectivas e novos horizontes.

Eduardo K. M. Carrion é Professor de Direito Constitucional - ZH 24/09/2008

Comentário do Bengochea - Como pode a nossa constituição ser uma carta de navegação se ela é a principal estimuladora das desordens jurídica, pública e judiciária no Brasil? Com muitos dispositivos estabelecendo direitos, ela oportuniza que toda e qualquer questão seja tratada como matéria constitucional, proporcionando intervenções do Supremos e desmoralização das decisões federativas. Hely Lopes Meirelles, na sua obra Direito Administrativo Brasileiro, coloca bem o papel nocivo desta constituição chamada "cidadã", afirmando que "é mal-redigida, assistemática e detalhista, a redação é confusa, a matéria é distribuída sem sistema, encontrando-se o mesmo assunto em vários capítulos, e desce a detalhes impróprios de texto constitucional."

Também há a importante opinião da cientista política Maria Sadek em entrevista ao Aliás, suplemento do Estado de SãoPaulo, onde afirma que por causa da constituição, no judiciário há duas concepções opostas. Uma delas, mais tradicional, volta-se para os direitos e interesses individuais. Outra, para os direitos coletivos e interesses sociais. O conflito entre elas aparece a toda hora. A defende tudo o que se possa imaginar. Do ponto de vista da defesa formal dos direitos, não há constituição no mundo tão generosa quanto a brasileira. E tudo vira matéria constitucional. A questão é saber onde cada pessoa entra nessa história. Um cidadã comum entra no primeiro grau e um mais poderoso vai bater no Supremo. E tudo pode ser questionado. No Brasil, há acesso demais na Justiça. E acesso de menos. Os custos são baixíssimos e os benefícios, altíssimos. Você pode retardar, protelar, reformar uma decisão e nada perderá. E ainda ganhou tempo. Para os pobres, o acesso dificultado. Vem daí a sensação de que a Justiça funciona para os ricos, não para os pobres.(21jul2008 – Consultor Jurídico)

Além disto, o título V que trata de ordem pública, dá o tom policialesco e fascista ao deixar de fora o papel do Judiciário, do Ministério Público, das Defensorias Públicas e do Sistema Prisional, da saúde e das assistência social no exercício da preservação da ordem pública. Já que é detalhista, poderia ter organizado um sistema de ordem pública para proteger também o povo brasileiro, ao invés de defender apenas o Estado e as Instituições democráticas. Não é a toa que vários dispositivos foram alterados e outros não são cumpridos e nem respeitados. Esta constituição é uma bússula sem imã que não consegue apontar o norte. Sem lei e sem justiça, quem sofre é o povo diante de bandidos, aproveitadores e justiceiros.

OS VINTE ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


Completam-se duas décadas da aprovação da Constituição Federal, a qual prefiro chamar de Constituição da República (por ilustrar melhor sua amplitude nas esferas municipal, estadual e federal). Ela trouxe profundas modificações em relação aos textos que a antecederam. Foi aprovada em plena redemocratização do país, após um longo período de ditadura militar.

Agora que a nossa Lei Maior completa 20 anos, convido à reflexão sobre o impacto por ela gerado. É sem dúvida uma norma jurídica com grande preocupação social, com generosa concessão de direitos e garantias aos indivíduos. Ressalvo que, com isso, ela criou muitas despesas sem esclarecer de onde deve sair o dinheiro para pagar. Contribuiu em muito na criação de um poder público extremamente inchado de despesas e de funcionários.

O que considero mais importante e relevante na Constituição de 1988 é a modificação nos conceitos de família e de filiação. Com ela, foi criado um conceito aberto e amplo do que pode ser reconhecido como entidade familiar. Diz que o casamento, a união estável entre indivíduos de sexos distintos e a família monoparental (por apenas uma pessoa e seus filhos) são consideradas para todos os efeitos como família. Não fechou outras possibilidades que estão sendo naturalmente reconhecidas na esfera judicial.

Em relação aos filhos, a Constituição Cidadã acabou com qualquer resquício de discriminação que ainda existia. Foi abolido o conceito de filhos legítimos, legitimados ou ilegítimos, que ainda constava no Código Civil da época. Agora, todos são tratados igualmente com relação ao seu parentesco, pouco importando se no nascimento da criança os pais eram casados ou não. Uma vitória louvável do princípio da dignidade humana.

A estruturação formal de nossa Constituição incluiu muitas matérias que não precisavam ser tratadas em um texto tão importante, podendo delegar boa parte dos assuntos para as leis regularmente elaboradas pelo parlamento. Por ser tão abrangente, a Carta Magna foi sendo retalhada nos últimos 20 anos. Foram dezenas de emendas constitucionais e que tornaram a compreensão do texto ainda mais complexa para o cidadão.

Não quero dizer que a sociedade permaneça a mesma daquela época, que nossos costumes e valores não sofreram modificações. Em apenas 20 anos já observamos profunda assimilação da união estável e já está na hora de acabarmos com os preconceitos que ainda existem com alguns segmentos. Por exemplo, a Constituição de 1988 não proíbe o relacionamento entre pessoas de mesmo sexo, basta que respeitemos a liber-dade de cada um fazer em sua vida privada o que bem desejar.

Enfim, temos muito o que comemorar com essa data, pois a estabilidade de nossas instituições democráticas e o status conquistado pelo Supremo Tribunal Federal como uma verdadeira Corte Constitucional decorre da maturidade atingida pelo texto de 1988. Apesar de seus exageros e algumas imperfeições, ele é muito positivo na segurança de nossa democracia. Deixar o texto amadurecer, assim como ocorre com um bom vinho, é a melhor maneira de caminharmos seguros para um futuro de mais desenvolvimento social e respeito às liberdades individuais.

Adriano Ryba é Advogado de família e presidente da Associação Brasileira dos Advogados de Família - ZH 27/09/2008

Comentário do Bengochea - Sou um crítico da atual constituição devido à sua formatação e seus dispositivos que estimulam o corporativismo e a benevolência em detrimento dos deveres, além de colocar a ordem pública como questão só de responsabilidade policial. Concordo com o Dr. Adriano que "é sem dúvida uma norma jurídica com grande preocupação social", que é "generosa" na "concessão de direitos e garantias aos indivíduos", e que "ela criou muitas despesas sem esclarecer de onde deve sair o dinheiro para pagar". Onde estão os deveres e a responsabilidade das instituições e cidadão para com as suas comunidade, seus entes fedrativos e para com o país? Hely Lopes Meirelles, no seu livro Direito Administrativo Brasileiro, definiu bem as mazelas desta constituição dita "cidadã"(25ª ed.2000, Malheiros Edits., pg. 57), uma carta magna já cheia de emendas ilegais e vários dispositivos desrespeitados, não cumpridos e nem aplicados pelos próprios governantes nos três Poderes de Estado.