A Constituição Brasileira, promulgada em 05/10/1988, é uma lei anacrônica, esdrúxula, imprópria para uma carta-magna, remendada para atender interesses do Poder e repleta de benevolências, privilégios e direitos sem deveres, obrigações ou contrapartidas . Fomenta centralização da justiça no STF, insegurança jurídica, morosidade da justiça, estado policial , ausência de civismo, desigualdades, desarmonia nos Poderes, centralização dos impostos na União, desordem pública e insegurança social. Jorge Bengochea

segunda-feira, 14 de julho de 2014

OS 800 ANOS DA MAGNA CARTA




O ESTADO DE S.PAULO, 14 Julho 2014 | 02h 04


PAULO ROBERTO DE ALMEIDA - 

Dentro de pouco menos de um ano (mais exatamente em 15 de junho de 2015), a Magna Carta completará 800 anos. Os interessados em conhecer o seu conteúdo, em inglês moderno, podem consultar no site dos Arquivos Nacionais americanos o link:  http://www.archives.gov/exhibits/featured_documents/magna_carta/translation.html

Uma explicação contextualizada sobre o seu significado histórico, e sobre a influência que ela teve na formação do constitucionalismo americano e no próprio espírito do povo americano, figura nestes dois outros links da mesma instituição, bastante instrutivos, por sinal: 


A Carta é uma espécie de obrigação formal assumida por um rei substituto com barões ingleses revoltados, mas ela constitui, sem dúvida alguma, a base de todas as liberdades modernas, a do princípio democrático, a do governo pelo consentimento dos governados, a da taxação com representação, a do respeito à propriedade pessoal e a do devido processo legal. "Nenhum homem livre", lê-se num de seus parágrafos, "será preso ou destituído de suas posses, ou considerado fora da lei, ou exilado, ou de alguma forma prejudicado (...), salvo mediante um julgamento legal pelos seus pares ou pela lei do país. A ninguém será negado o direito ou a justiça." Antes de apor suas assinaturas, os barões confirmavam: "Todos os costumes e liberdades acima citados, que nós garantimos existir neste reino que a nos pertence, têm de ser observados por todos, religiosos ou laicos, e todos devem respeitá-los com respeito a todos os demais".

Seria interessante, a esse respeito, focar sobre o caso brasileiro para tentar determinar, exatamente, até onde ainda não chegamos em relação à aplicação plena dos princípios da Carta. Os barões da Inglaterra medieval estavam se revoltando contra um rei ladrão, João Sem Terra, que foi obrigado a assinar um compromisso de consultar os seus súditos nos casos especificados na Magna Carta. No nosso caso é um pouco diferente, o que complica as coisas: aqui talvez haja uma conivência entre os barões e os ladrões.

Quando os nossos barões - que por enquanto são só ladrões - se revoltarem contra a prepotência do Estado, contra as exações fiscais do príncipe, contra a falta de representação real no corpo parlamentar, contra as deformações da democracia, contra a corrupção (que eles mesmos patrocinam, ao comprar parlamentares, ao sustentar lobistas, ao subsidiar partidos mafiosos), contra as políticas especiais de puxadinhos e improvisações (que eles mesmos, ademais, pedem ao Estado todo-poderoso), quando, enfim, os barões capitalistas conseguirem conduzir uma fronda empresarial contra o Estado, contra os corruptos que eles mesmos colocaram no poder, então, talvez, nos aproximaremos um pouco, pelo menos, dos valores e princípios da Carta de 1215.

Estamos um pouco atrasados, como todos podem constatar. Mas não só nós.

Os franceses também, pois só foram conduzir uma fronda aristocrática depois que os ingleses já haviam decapitado um rei, que abusava justamente de seus poderes. Estes consentiram com o início de outro reinado, depois de uma breve experiência republicana - um pouco sangrenta, para qualquer padrão -, mas resolveram tirar esse mesmo rei, desta vez pacificamente, depois que ele resolveu ser tão arbitrário quanto o decapitado, pretendendo retomar os antigos hábitos absolutistas da sua família. Os ingleses, então, "importaram" uma nova dinastia do continente, aprovaram um Bill of Rights que limitava sensivelmente - na verdade, podava totalmente - os poderes do novo soberano e desde então vivem pacificamente com os seus soberanos de teatro (mais para commedia dell'arte do que tragédias shakespearianas). Em todo caso, eles são a mais velha democracia do mundo, em funcionamento contínuo desde 1688.

Foram seguidos mais tarde, ainda que no formato republicano, mas absorvendo todas as bondades da Magna Carta e do Bill of Rights, por seus expatriados da Nova Inglaterra e das demais colônias, que se revoltaram justamente quando os ingleses, ou melhor, o seu rei empreendeu uma tosquia muito forte nos rendimentos dos colonos, decidindo aumentar as taxas sobre o chá e cobrar outros impostos. Ah, os impostos...

A fronda dos americanos foi uma revolução, como eles a chamam, mas com isso criaram a primeira democracia moderna da História, que se mantém até hoje, com a mesma Constituição original e algumas poucas emendas. Enquanto isso, os franceses estavam guilhotinando o seu rei, para construírem um poder ainda centralizado e opressor.

Não se pode, obviamente, comparar a Constituição americana com nenhuma das nossas sete Cartas Constitucionais - com dois ou três grandes remendos no curso de nossa História autoritária - e as dezenas, quase uma centena, de emendas à mais recente delas (talvez não a última), tratando dos assuntos mais prosaicos. Tem uma que regula trabalho de domésticas. Alguma outra Constituição abriga algo tão bizarro? Nada contra trabalhadores domésticos, mas não creio que eles devam figurar numa Constituição.

Enfim, os nossos barões, que também são extorquidos pelos príncipes que nos governam, não parecem ter muita disposição para mudar o cenário, menos ainda para decapitar algum soberano. Talvez devessem: quando a carga fiscal passar de 40%, por exemplo, quem sabe eles resolvem fazer a sua fronda empresarial? Afinal de contas estamos falando de dois quintos da riqueza produzida pela sociedade que são apropriados pelo Estado, o que representa duas derramas coloniais. Pela metade disso Tiradentes e seus amigos se revoltaram contra a prepotência da Coroa. Libertas quae sera tamen?


Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor universitário



quinta-feira, 10 de julho de 2014

O POVO DIANTE DA LEI

REVISTA VEJA 05/10/2013 - 07:49

Marco da redemocratização, Constituição faz 25 anos 


Reportagem de VEJA mostra como a Carta Magna fez do Brasil um país democrático, mas suas fraquezas intrínsecas impedem que ela desfrute, ao completar 25 anos, da aura de outras Cartas, como a americana

Gabriel Castro e Daniel Jelin




Longo caminho - Gente comum celebra em Brasília a abertura da Constituinte (no topo) e protesta contra as mazelas do país (ao lado): esperanças realizadas pela metade (André Dusek/Estadão Conteúdo e João Ramid)

As fotos que ilustram esta página mostram dois momentos da história recente em que o Congresso Nacional foi tomado por pessoas comuns. A primeira data de 1º de fevereiro de 1987: enquanto no plenário da Câmara se instalava a nova Assembleia Constituinte, do lado de fora centenas comemoravam nas ruas e escalavam a cúpula desenhada por Oscar Niemeyer. A segunda é um flagrante da noite de 17 de junho de 2013, quando uma multidão marchou por Brasília para protestar, gritar palavras de ordem, pedir “mudança”. A primeira foto fala da esperança de que uma nova Constituição pudesse lançar as bases de um país democrático e moderno. A segunda lembra que a esperança só se cumpriu em parte. Não há dúvida de que a democracia avançou no Brasil no último quarto de século e de que a Constituição teve um papel essencial nesse processo. Mas é significativo que na miríade de cartazes levados às ruas durante as manifestações de junho, e na enxurrada de mensagens postadas nas redes sociais, a Carta raramente tenha sido mencionada como um ponto de referência simbólico. Quando ela se tornou assunto, foi de modo negativo: em resposta àqueles que expressavam na rua o seu repúdio à corrupção e à classe política, o governo sugeriu, de maneira funesta, que se reformasse o sistema político por meio de uma “Constituinte específica”. Entre o esquecimento dos manifestantes e o perigoso arroubo do Executivo, fica claro que a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 não desfruta, em seu 25º aniversário, da aura quase sagrada de que se reveste, por exemplo, a Carta dos Estados Unidos. Por que isso aconteceu? Em grande parte, devido às suas fraquezas intrínsecas. O que não significa que ela não deva ser, para além de respeitada, defendida.

100 visões da Constituição de 1988

O que a Constituição significa para você? O site de VEJA fez essa pergunta políticos, empresários, intelectuais, artistas e profissionais das mais diversas áreas. O resultado é um grande painel das impressões que a Carta de 1988 causa nos brasileiros.


Em todas as 341 sessões consumidas na redação da Carta Magna, o fantasma do regime militar permaneceu na assembleia ao lado dos constituintes. Isso deixou uma marca profunda no texto final, que não se limita a elencar alguns direitos fundamentais. Para assegurar que os abusos da ditadura não se repetissem, os constituintes crivaram o texto de dispositivos “garantistas”. Pelas mesmas razões, o ambiente era propício para que todas as vozes e todos os pleitos que gozassem de alguma representatividade - e tivessem sido calados nos anos anteriores - fossem acolhidos. Hoje senador, Paulo Paim (PT-RS) admite que se esforçou para incluir no texto o máximo de dispositivos trabalhistas: “Eu tinha clareza de que tudo aquilo que ficasse gravado, só com uma emenda à Constituição, que exige três quintos dos votos, poderia ser retirado. Por isso, trabalhei muito para que o tratamento do tema fosse o mais amplo possível”, diz ele. A declaração de Paim reflete bem o espírito com que os constituintes abordaram sua tarefa e explica por que a Constituição pode ser descrita como prolixa (a décima mais extensa do mundo), segundo dados do projeto Comparative Constitutions (CCP), paternalista (apenas dez fixam mais direitos) e quase surrealmente detalhista: ela incluiu até mesmo um parágrafo dedicado à administração do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Como muitos direitos previstos necessitam de leis para se materializar, criou-se um enorme ônus de regulamentação: ainda hoje, 112 dispositivos aguardam nessa fila.

Os mais graves pecados foram cometidos na área econômica. O exemplo notório é o artigo 192, do capítulo que trata da ordem financeira. Ele fixou em 12% o teto da taxa de juros no Brasil. “Foi um desastre”, lembra o economista Maílson da Nóbrega, que era ministro da Fazenda em 1988. “A Constituição reforçou o dirigismo um ano antes da queda do Muro de Berlim e incorporou preconceitos infantis contra o capital estrangeiro, a empresa privada e os direitos de propriedade.” Nos anos que se seguiram à promulgação, os artigos sobre economia e tributação se chocaram continuamente com a realidade. E o pragmatismo, felizmente, acabou prevalecendo sobre o pensamento mágico. A maior parte das 74 emendas aprovadas desde 1988 tem a ver com esses dois temas. No começo dos anos 90, por exemplo, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, os dispositivos que limitavam a entrada de capital estrangeiro foram derrubados, permitindo revoluções como a da telefonia. Segundo um estudo recente realizado pelo gabinete do constituinte e atual senador Francisco Dornelles (PP-RJ), a lógica tributária instituída pela Carta de 1988 foi totalmente desmontada nos últimos 25 anos. Ah, sim: o artigo sobre os juros de 12% foi expurgado em 2003.

Seja pela necessidade de desfazer o que não faz sentido, seja pela necessidade de regulamentar o que foi deixado em aberto, o fato é que a Constituição brasileira nunca atingiu a plena eficácia em seus próprios termos. É instrutivo, mais uma vez, o paralelo com a Constituição americana - exemplo máximo de Carta “sintética”. Promulgada em 1789, ela cuidou unicamente de fixar um sistema de governo, criando pesos e contrapesos para a atuação de cada um dos três poderes, e de estabelecer os limites da atuação do governo central, assegurando a autonomia dos estados. A famosa Bill of Rights (Carta de Direitos), coleção de dez emendas que tratam das garantias individuais, só veio à luz em 1791 - e mesmo assim depois de muito debate sobre a conveniência de incluir ou não regras desse tipo na Constituição. O desenho austero faz com que a Constituição americana mantenha seu vigor, apesar dos mais de dois séculos de vida.

VEJA pediu a mais de 100 políticos, empresários, intelectuais e artistas brasileiros que falassem sobre a Carta de 1988 (os testemunhos podem ser lidos na edição para tablet e no site de VEJA). Muitos reconhecem avanços no texto que enterrou o arbítrio do regime militar, mas a nota que soa com maior frequência é a do ceticismo em relação a ela. “A nossa Constituição dá margem a muita confusão”, diz o cantor Ney Matogrosso. “Para mim, a Constituição é coisa para inglês ver - e ingleses nem têm Constituição”, diz o filósofo Luiz Felipe Pondé. “A Constituição de 1988 foi um avanço, um marco, um símbolo da conquista de todos os brasileiros. Mas já estou querendo saber é da nova Constituição, de dois mil e...”, brinca o humorista Fábio Porchat.

A Constituição não é perfeita. Mas também é verdade que redigir uma Constituição é trabalho para momentos históricos especiais - aqueles em que uma sociedade passa por ruptura ou transição. Fora dessas circunstâncias, o trabalho de uma Assembleia Constituinte, em vez de expressar uma vontade comum, construída em meio ao ruído e a duras penas, pode expressar tão somente a vontade do grupo político momentaneamente mais forte. “Soa aventureiro e até mesmo irresponsável clamar por uma Constituinte ou querer colocar um termo nesta Constituição”, diz o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. A Carta de 1988 é o marco da redemocratização do país, e nem seus críticos questionam sua legitimidade. Bem ou mal, o texto proporcionou o mais longo período ininterrupto de democracia que o país já atravessou. Não é o caso, portanto, de ceder à tentação de reformá-la em grandes blocos, muito menos de deitar abaixo o edifício inteiro. É o caso de depurá-la, segundo os mecanismos que ela mesma prevê. O especialista em direito comparado americano Tom Ginsburg, um dos mentores do CCP, lembra que a Carta de 1988 já nasceu sob críticas. “Alguns estudiosos previam que ela não duraria nem cinco anos”, diz. “Ao contrário, ela tem ajudado o país a construir uma base de governança e pelo menos parcialmente motivou iniciativas para tornar a sociedade mais justa. Há um longo caminho pela frente, mas, por ser flexível e contar com mecanismos para a sua reforma, o Brasil pode seguir com ela nessa caminhada.”


Constituições comparadas


De 189 constituições analisadas pelos pesquisadores do projeto Comparative Constitutions (CCP), a carta brasileira se destaca pela extensão, pela quantidade de direitos que procura assegurar (frequentemente sem sucesso) e pela variedade de poderes que confere ao Executivo. Nascido na Universidade de Illinois (EUA), e atualmente apoiado pelo Google, o CCP mantém uma base de dados com a legislação de quase todos os países do mundo. Confira abaixo as medidas de 189 constituições, apuradas pelo CCP, e o índice de desenvolvimento humano de cada país, segundo dados da ONU.

MOROSIDADE DA JUSTIÇA