Aderbal Torres de Amorim*
Mãos talentosas trouxeram a público sugestão de uma “Constituinte para 2014, soberana mas restrita”. Seu fundamento seria “continuar o repensamento do Brasil para que se corrijam os defeitos técnicos comprometedores da eficiência da máquina pública”. Ela se ocuparia, exclusivamente, dos títulos de nossa Carta Maior que tratam da Organização do Estado e da Organização dos Poderes (Ibsen Pinheiro. “Re-Constituinte, uma saída”. Zero Hora 05.01.2003, pág. 15).
Ora, não porque se trate de dileto amigo é que devo silenciar ante a estranha ideia ali veiculada: não vejo como enquadrá-la na pedra angular de um Estado democrático de direito, a Constituição Federal. É que se a exótica “re-Constituinte” viesse como Emenda Constitucional, ela não seria “soberana”. Restaria limitada pelo núcleo duro da Constituição – as conhecidas cláusulas pétreas (art. 60). De outro lado, se a ousadia se impusesse soberana, materializaria séria fratura institucional, ao contrariar as disposições tão arduamente conquistadas pelos constituintes de 1988.
Para arrimar essa desejada “revisão parcial, mas soberana” – uma contradição em termos –, nem se a compare com a chamada Assembleia Constituinte de 1988. Antes desta, não havia Estado de direito e sim um arremedo de Constituição que nem os ministros militares que a outorgaram atreveram-se a chamá-la “Constituição”. Apelidaram-na de “Emenda Constitucional nº 1”, como se no Estado de direito militares pudessem emendar a Constituição! Não foi por outra razão que, ao depois, os então chefes dos poderes não se constrangeram em convocar o Congresso Constituinte de 1987. Este promulgaria a denominada Constituição cidadã de 1988. Se até então reinava o caos jurídico imposto pelas armas – que repousava nas cinzas do Estado Republicano de 1946 –, nada mais justo, constitucional e moral do que convocar-se uma assembleia de cidadãos para elaborar-se um novo pacto federativo, desta vez democrático.
Mas hoje essas condições não mais existem. Bem ou mal, vive-se um regime democrático em que a vontade soberana do povo é atendida através de eleições livres. Nessa esteira, não há como alterar-se a Constituição (ao menos do modo sugerido pelo ilustre articulista), a não ser pela via das emendas nela mesma previstas. Prosperasse a ideia – e para ficar-se em mero exemplo –, se ocorresse conflito entre uma nova regra e outra da parte da Constituição não “re-constituída”, qual prevaleceria? Se válida a regra do “re-constituinte de 2014”, ter-se-ia emenda constitucional, se atendidos os limites a esta impostos; se válida a antiga, de nada serviria a “re-Constituição”.
*PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL NA ESM/AJURIS
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Será tão boa esta Constituição Federal de 1988 que já está com mais de 70 emendas e ainda continuam elaborando mais? Daqui a pouco teremos uma Constituição do tamanha de uma BARSA. A Constituição de 1988 e suas emendas só interessam a uma oligarquia que agregou privilégios e imunidades, aumentadas por emendas que contraditam o texto original. Houveram muitos avanços, mas alguns retroagiram em forma de emendas para continuar beneficiando poucos. Portanto, é urgente uma nova e enxuta Constituição elaborada sem lobby e por notáveis eleitos pelo povo para produzi-la, equilibrando direitos e deveres, submetendo o direito individual à justiça e ordem pública, criando o Sistema de Justiça Criminal e tirando os penduricalhos, os privilégios, as imunidades, a proibição do trabalho forçado para apenado, e a influência política na justiça e no sistema de justiça criminal, civil, do trabalho e eleitoral. POR UMA NOVA CONSTITUINTE, JÁ!