Ibsen Pinheiro*
Primeiro me pareceu que a Constituinte tinha vindo tarde demais. Bandeira precoce dos anos 70, junto com anistia e a eleição direta, materializava-se 10 anos mais tarde. Pouco adiante, em pleno processo de elaboração, passei a achar o contrário, que a convocação tinha vindo muito cedo, antes que curássemos a ressaca democrática e deixássemos de pensar o futuro olhando para trás, espécie de espelho retrovisor que marcou quase todas as escolhas que devíamos fazer, como uma autocrítica dos 20 anos de autoritarismo.
Hoje, passados quase 25 anos do gesto histórico de Ulysses Guimarães erguendo-a como uma taça e promulgando a Constituição Cidadã, sei com absoluta convicção que a Constituinte aconteceu na hora certa, porque se tratava de muito mais do que escrever um texto, era construir o simbolismo do reencontro nacional, o fundamento moral e ético da relegitimação das instituições nacionais.
Pelo seu significado, a Constituição de 1988 tornou-se um marco na história nacional, mas, como texto, ficou longe do ideal, de um ponto de vista técnico ou formal. Extensa e negociada, não se situa entre as sintéticas ou as analíticas, mas ficou com o defeito principal de ambas as escolas: imprecisa pela generalidade dos acordos possíveis num ambiente de profundo corporativismo e detalhista à exaustão pela submissão às reivindicações setoriais amparadas por eficiente poder de pressão.
Para agravar, a revisão constitucional, boa ideia para corrigir os excessos ou deficiências, acabou comprometida pela proximidade de escassos três anos, quando deveríamos ter concedido pelo menos 10 anos à refundada democracia, para que pudesse repensar-se, em vez de só corroborar-se. Resultado: os avanços foram imensos no que engendraram a legitimidade e seu fundamento moral, mas foram escassos, para não dizer nulos, no aprimoramento do funcionamento das instituições públicas, especialmente da máquina administrativa, limitada a reproduzir o modelo da redemocratização implantado em 1946, também marcado pelo sentimento autocrítico do Estado Novo.
Os resultados estão visíveis. Na administração, com exceção do novo Ministério Público, tudo o mais é velho, recauchutado ou piorado, notadamente no funcionamento das três sedes dos poderes, Legislativo, Judiciá- rio e Executivo, especialmente os dois primeiros, pois o terceiro pega no tranco, goste ou não. Os outros dois disputam entre si um insólito protagonismo de segunda, produzindo, pela ordem, a judicialização da política, a politização da Justiça e a demonização de ambas, bem longe da sonhada harmonia e independência.
Chegou a hora de continuar o repensamento do Brasil, de uma forma coletiva e conjugada, como na Constituinte, com o limite da intangibilidade dos seus fundamentos morais, éticos, políticos e sociais, para que se corrijam os defeitos técnicos – ou antitécnicos – comprometedores da eficiência da máquina pública no que se refere à organização do Estado e à organização dos poderes. É o que se aplica, em vez das fracassadas reformas políticas (eu mesmo participei de pelo menos duas), uma Constituinte para 2014, soberana mas restrita a esses pontos, regulados pelos Títulos III e IV da Constituição Federal. É hora oportuna e legal, até outubro deste ano, para propor e tramitar a convocação, não se descartando o papel condutor que podem desempenhar as mais qualificadas testemunhas dos problemas de gestão do sistema de 1988, a presidenta e seu vice.
*JORNALISTA E CONSTITUINTE DE 1988
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Com certeza. A atual Constituição com suas mais de 70 emendas já se mostrou anti-cidadã e anti-democrática, pois é mal redigida e cercada de garantias, direitos e privilégios, sendo desprovida de deveres, obrigações, sistema e dispositivos próprios de uma constituição voltada ao interesse público. O destacado jurista Hely Lopes Meirelles já a definia como mal redigida, confusa, assistemática e imprópria. Ela é a origem da desarmonia, da inoperância, dos conflitos, da submissão dos poderes ao poder político e da impunidade, fomentando a desarmonia, a separação dos Poderes para com o Estado governante, as divergências na aplicação da justiça e os óbices na preservação da ordem pública que inutilizam esforços dos instrumentos de prevenção e contenção.
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