CONSTITUIÇÃO SÓ EXISTE SE HÁ GARANTIA DE DIREITOS. POR MARÍLIA SCRIBONI - Consultor Jurídico, 25/05/2011
Como conciliar diversas constituições nacionais em uma só comunidade?
O questionamento se deu durante o Encontro Jurídico Brasil-União Europeia, que aconteceu nesta segunda (23/5) e terça-feira (24/5), no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo. O italiano Antonio D'Atena e o alemão Jörg Luther tomaram o caso da União Europeia para tentar responder à pergunta.
Como ponto de partida, o alemão frisou que a garantia dos direitos fundamentais é o centro de gravidade do constitucionalismo. Daí porque, acredita ele, a República Democrática da Alemanha nunca chegou a ter uma Constituição de fato, mas sim uma "não constituição", já que os cidadãos não participaram de sua elaboração.
Como conta Luther, as constituições nacionais nasceram como uma heresia, porque colocaram "em risco o conceito de soberania". Agora, afirma, "estão deixando de ser nacionalistas para se tornarem internacionalistas".
D'Atena concorda com Luther: "não há Constituição sem garantia de direitos". Por isso, acentua, quanta mais autoritária, mais breve será. E, na falta de jurisprudência no Estado para interpretar os casos concretos, é preciso decidir conforme o estabelecido nos tratados internacionais.
No caso da União Europeia, a pluralidade está intimamente ligada à preservação desses direitos fundamentais, mas com foco nas prioridades daquela comunidade: melhoria na qualidade do ambiente e respeito à diversidade de linguagens. Para ele, a tarefa da doutrina é dar conta dos novos direitos que surgiram, como direito do consumidor, a liberdade de migrar e o direito à boa administração do Estado.
Outro estrangeiro de peso que compareceu ao evento foi Peter Häberle, o papa do Direito Constitucional. Ele falou em alemão por mais de uma hora sobre "Direitos fundamentais e globalização, federalismo e regionalismo". São dele ideias como o instituto do amicus curiae e a realização das audiências públicas, trazidas da realidade alemã para o ordenamento jurídico brasileiro, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que também participou do encontro.
Hierarquia de normas
Ao falar sobre o alemão, Gilmar Mendes fez uma analogia com o futebol. "Assim como no futebol, os bons jogadores se firmam ao longo do tempo, como o Neymar do meu Santos, também no Direito é assim. E o Häberle é um deles." Falando sobre "Direitos fundamentais e tratados de Direitos Humanos: o exemplo do Brasil", o ministro expôs a divergência entre a hierarquia dos tratados internacionais de Direitos Humanos e as leis brasileiras, que refletia no destino do depositário infiel.
Com a Emenda Constitucional 45, de 2004, ficou estabelecido que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Como consequência, ao aplicar a determinação do Pacto de São José da Costa Rica, o Supremo decidiu que não é cabível a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a natureza do depósito. Depois de 20 anos de dúvida, como lembrou o ministro, "os tratados de direitos humanos adentraram o ordenamento com caráter supralegal".
Organizado pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, pela Escola Superior da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em São Paulo e pela Escola de Direito do Brasil-EDB, o evento foi transmitido também por videoconferência.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA- Não sou jurista, mas concordo que "não há Constituição sem garantia de direitos" e que ela não pode ser "autoritária". Entretanto, deve ser observado o princípio básico da supremacia do interesse público ao individual, do direito coletivo ao individual e corporativo. Porém, a constituição brasileira estabelece muitos direitos individuais e corporativos de forma autoritária e sem contrapartidas para a supremacia do interesse público. E este "vício" é que vem fomentando a insegurança jurídica, os privilégios, as discriminações e o descaso impune na aplicação prática dos direitos previstos. A constituição brasileira não é respeitada e vem sendo vítima de emendas que mudam a finalidade ao bel prazer de interesses escusos e corporativos, amarram a justiça e criam brechas para imoralidades e privilégios, semeando a alegria dos corruptos, da bandidagem e dos oportunistas.
"A nossa Constituição da República, do ponto de vista formal, é mal redigida, assistemática e detalhista, a redação é confusa, a matéria é distribuída sem sistema, encontrando-se o mesmo assunto em vários capítulos, e desce a detalhes impróprios do texto constitucional." (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros Edit. 25 Edição.2000.pg 57)
A Constituição Brasileira, promulgada em 05/10/1988, é uma lei anacrônica, esdrúxula, imprópria para uma carta-magna, remendada para atender interesses do Poder e repleta de benevolências, privilégios e direitos sem deveres, obrigações ou contrapartidas . Fomenta centralização da justiça no STF, insegurança jurídica, morosidade da justiça, estado policial , ausência de civismo, desigualdades, desarmonia nos Poderes, centralização dos impostos na União, desordem pública e insegurança social. Jorge Bengochea
segunda-feira, 30 de maio de 2011
quarta-feira, 25 de maio de 2011
A CONSTITUIÇÃO "CONFORME" O STF
Penso que o ativismo judicial fere o equilíbrio dos Poderes e torna o Judiciário o mais relevante, substituindo aquele que reflete a vontade da nação.
Escrevo este artigo com profundo desconforto, levando-se em consideração a admiração que tenho pelos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, alguns com sólida obra doutrinária e renome internacional. Sinto-me, todavia, na obrigação, como velho advogado, de manifestar meu desencanto com a sua crescente atuação como legisladores e constituintes, e não como julgadores.
À luz da denominada “interpretação conforme”, estão conformando a Constituição Federal à sua imagem e semelhança, e não àquela que o povo desenhou por meio de seus representantes.
Participei, a convite dos constituintes, de audiências públicas e mantive permanentes contatos com muitos deles, inclusive com o relator, senador Bernardo Cabral, e com o presidente, deputado Ulysses Guimarães.
Lembro-me que a ideia inicial, alterada na undécima hora, era a de adoção do regime parlamentar. Por tal razão, apesar de o decreto-lei ser execrado pela Constituinte, a medida provisória, copiada do regime parlamentar italiano, foi adotada.
Por outro lado, a fim de não permitir que o Judiciário se transformasse em legislador positivo, foi determinado que, na ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2º), uma vez declarada a omissão do Congresso, o STF comunicasse ao Parlamento o descumprimento de sua função constitucional, sem, entretanto, fixar prazo para produzir a norma e sem sanção se não a produzisse.
Negou-se, assim, ao Poder Judiciário, a competência para legislar.
Nesse aspecto, para fortalecer mais o Legislativo, deu-lhe o constituinte o poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou do Executivo que ferisse sua competência.
No que diz respeito à família, capaz de gerar prole, discutiu-se se seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto supremo -entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus descendentes (art. 226, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º)-, e os próprios constituintes, nos debates, inclusive o relator, entenderam que era relevante fazê-lo, para evitar qualquer outra interpretação, como a de que o conceito pudesse abranger a união homossexual.
Aos pares de mesmo sexo não se excluiu nenhum direito, mas, decididamente, sua união não era -para os constituintes- uma família.
Aliás, idêntica questão foi colocada à Corte Constitucional da França, em 27/1/2011, que houve por bem declarar que cabe ao Legislativo, se desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao Judiciário legislar sobre uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e uma mulher, capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens ou duas mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem a entidade familiar.
Este ativismo judicial, que fez com que a Suprema Corte substituísse o Poder Legislativo, eleito por 130 milhões de brasileiros -e não por um homem só-, é que entendo estar ferindo o equilíbrio dos Poderes e tornando o Judiciário o mais relevante dos três, com força para legislar, substituindo o único Poder que reflete a vontade da totalidade da nação, pois nele situação e oposição estão representadas.
Sei que a crítica que ora faço poderá, inclusive, indispor-me com os magistrados que a compõem. Mas, há momentos em que, para um velho professor de 76 anos, estar de bem com as suas convicções, defender a democracia e o Estado de Direito, em todos os seus aspectos, é mais importante do que ser politicamente correto.
Sinto-me como o personagem de Eça, em “A Ilustre Casa de Ramires”, quando perdeu as graças do monarca: “Prefiro estar bem com Deus e a minha consciência, embora mal com o rei e com o reino”.
Ives Gandra Da Silva Martins - O Estado de S. Paulo, 20/05/2011
Escrevo este artigo com profundo desconforto, levando-se em consideração a admiração que tenho pelos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, alguns com sólida obra doutrinária e renome internacional. Sinto-me, todavia, na obrigação, como velho advogado, de manifestar meu desencanto com a sua crescente atuação como legisladores e constituintes, e não como julgadores.
À luz da denominada “interpretação conforme”, estão conformando a Constituição Federal à sua imagem e semelhança, e não àquela que o povo desenhou por meio de seus representantes.
Participei, a convite dos constituintes, de audiências públicas e mantive permanentes contatos com muitos deles, inclusive com o relator, senador Bernardo Cabral, e com o presidente, deputado Ulysses Guimarães.
Lembro-me que a ideia inicial, alterada na undécima hora, era a de adoção do regime parlamentar. Por tal razão, apesar de o decreto-lei ser execrado pela Constituinte, a medida provisória, copiada do regime parlamentar italiano, foi adotada.
Por outro lado, a fim de não permitir que o Judiciário se transformasse em legislador positivo, foi determinado que, na ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2º), uma vez declarada a omissão do Congresso, o STF comunicasse ao Parlamento o descumprimento de sua função constitucional, sem, entretanto, fixar prazo para produzir a norma e sem sanção se não a produzisse.
Negou-se, assim, ao Poder Judiciário, a competência para legislar.
Nesse aspecto, para fortalecer mais o Legislativo, deu-lhe o constituinte o poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou do Executivo que ferisse sua competência.
No que diz respeito à família, capaz de gerar prole, discutiu-se se seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto supremo -entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus descendentes (art. 226, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º)-, e os próprios constituintes, nos debates, inclusive o relator, entenderam que era relevante fazê-lo, para evitar qualquer outra interpretação, como a de que o conceito pudesse abranger a união homossexual.
Aos pares de mesmo sexo não se excluiu nenhum direito, mas, decididamente, sua união não era -para os constituintes- uma família.
Aliás, idêntica questão foi colocada à Corte Constitucional da França, em 27/1/2011, que houve por bem declarar que cabe ao Legislativo, se desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao Judiciário legislar sobre uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e uma mulher, capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens ou duas mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem a entidade familiar.
Este ativismo judicial, que fez com que a Suprema Corte substituísse o Poder Legislativo, eleito por 130 milhões de brasileiros -e não por um homem só-, é que entendo estar ferindo o equilíbrio dos Poderes e tornando o Judiciário o mais relevante dos três, com força para legislar, substituindo o único Poder que reflete a vontade da totalidade da nação, pois nele situação e oposição estão representadas.
Sei que a crítica que ora faço poderá, inclusive, indispor-me com os magistrados que a compõem. Mas, há momentos em que, para um velho professor de 76 anos, estar de bem com as suas convicções, defender a democracia e o Estado de Direito, em todos os seus aspectos, é mais importante do que ser politicamente correto.
Sinto-me como o personagem de Eça, em “A Ilustre Casa de Ramires”, quando perdeu as graças do monarca: “Prefiro estar bem com Deus e a minha consciência, embora mal com o rei e com o reino”.
Ives Gandra Da Silva Martins - O Estado de S. Paulo, 20/05/2011
segunda-feira, 16 de maio de 2011
TRÊS TEORIAS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Montesquieu e a Constituição da Inglaterra. Três teorias da separação de poderes - Nelson Juliano Cardoso MatosDoutor em Direito pela Faculdade de Direito do recife (UFPE), Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e Professor Adjunto do Departamento de Ciências Jurídicas da UFPI. JUS NAVEGANDO, 4/2011
Ao se buscar a origem da doutrina da separação de poderes, geralmente, faz-se referência à obra do Barão de Montesquieu, particularmente a um dos capítulos de O Espírito das Leis. A referida doutrina teria sido elaborada por Montesquieu, inspirado no sistema jurídico-político inglês. Entretanto, para compreender devidamente a origem moderna dessa doutrina é necessário o exame minucioso da sua fonte nominal: o capítulo A Constituição da Inglaterra, onde está sintetizada a posição do autor a respeito do tema.
Deve-se ter cuidado redobrado ao se transportar o pensamento de Montesquieu para os dias atuais; não custa lembrar que as pesquisas que resultaram na publicação de O Espírito das Leis demoraram vinte anos e que a publicação propriamente ocorreu apenas em meados do século XVIII (1748); depois, portanto, da publicação de Dois Tratados sobre o Governo (de John Locke), mas antes das principais obras do Iluminismo, incluindo o Contrato Social (de Rousseau), de 1762. Vale ressaltar, também, que a Inglaterra visitada por Montesquieu (na década de 1730) não era ainda a monarquia parlamentarista, mas a monarquia constitucional posterior à Revolução Gloriosa (1689); e que a França de Montesquieu era a monarquia dos Capetos, portanto uma monarquia absolutista por um lado, mas feudal e estamental por outro, que admitia órgãos bastante singulares como o Parlamento de Bordéus (onde Montesquieu ocupou o cargo de president a mortier), que tinha funções administrativas, legislativas e judiciais. Por fim, não se pode esquecer a condição de nobreza de Montesquieu e que Montesquieu morreu antes de conhecer as principais obras do Iluminismo, bem como antes das revoluções francesa e norte-americana. Assim, considerando as circunstâncias da vida de Montesquieu, percebe-se porque o erudito barão francês da primeira metade do século XVIII escrevia tendo em mente não uma sociedade de iguais, mas uma sociedade de liberdade entre diferentes.
Embora seja dado destaque à obra de Montesquieu, é necessário afirmar que outros autores antes do século XVIII também trataram do tema, ou, pelo menos, de uma temática aproximada. Lembre-se que Montesquieu não usava esta terminologia consagrada – separação de poderes. Pode-se fazer um registro remoto [01]: a indicação de três atividades na polis, feita por Aristóteles – que só se assemelha à doutrina de Montesquieu com enorme esforço de comparação. E um registro próximo que é a segunda parte do Tratado sobre o Governo de Locke [02], que, entre outros aspectos, destacou a distinção de quatro poderes: executivo, legislativo, federativo e prerrogativa. Também é necessário registrar que não era tão clara, entre os ingleses, a autonomia do poder judiciário em relação ao poder executivo, nos primeiros anos da Revolução Gloriosa, ainda que ficasse clara a distinção entre o rei (executivo, federativo e prerrogativa) e o parlamento (legislativo). Apenas em meados do século XVIII é que se pode afirmar que o parlamentarismo qualificava o sistema de governo na Inglaterra e, portanto, provocava uma fusão entre governo (executivo) e legislativo (parlamento). O que faz concluir que a constituição inglesa quando defendida por Montesquieu, aparentemente, já havia sido abandonada pelos ingleses.
Como já se afirmou, interessa, particularmente, um pequeno capítulo de pouco mais de dez páginas, perdido nas quase setecentas páginas de qualquer edição moderna de O Espírito das Leis. Trata-se do Capítulo VI do Livro XI, denominado Da Constituição da Inglaterra. Nele o autor pretendeu sistematizar o sistema jurídico-político inglês, que seria o único capaz de proteger a liberdade individual. No entanto, a obra de Montesquieu também é conhecida atualmente como um dos primeiros estudos de sociologia, o que já o coloca à margem dos fundamentos do modelo liberal de fundo racionalista. Perceba-se, portanto, a distância entre as bases do pensamento de Montesquieu e as bases do racionalismo, do iluminismo e do modelo oitocentista do Estado de direito. O pensamento de Montesquieu é anterior à maioria desses fenômenos, negando, portanto, por um impedimento cronológico, a influência inversa. Montesquieu também compartilhava das idéias da doutrina liberal; por isso, percebe-se uma confusão conceitual entre a liberdade no sentido republicano (consolidado) e a liberdade no sentido liberal (em formação); o próprio Montesquieu é um dos que contribuíram para a construção final (oitocentista) da concepção liberal de liberdade.
Ressalte-se que o objetivo de Montesquieu não era o de elaborar uma doutrina (racionalista) da separação de poderes, mas o de responder à seguinte indagação: como é possível proteger a liberdade [03]? Imediatamente, explicou que o sistema político inglês é um modelo de proteção da liberdade. Com isso deixa claro que a liberdade não é a decorrência da descoberta (ou da revelação) de direitos individuais inatos (idéia que pode ser imputada a Locke, mas que bem se ajusta à corrente racionalista); a liberdade é protegida por uma engenhosidade institucional, isto é, a liberdade só pode ser protegida por uma constituição (no sentido antigo) que propicie esta proteção.
Para tanto, Montesquieu asseverou que a fonte da opressão, isto é, a fonte do ataque à liberdade individual é o poder (implicitamente, o poder estatal). Mais uma vez contra doutrinas metafísicas ou prescritivas, assegurou que o poder naturalmente (inevitavelmente) abusará da liberdade, isto é, o poder naturalmente (inevitavelmente) corrompe e que o governante tendo meios e necessidade agirá sem considerar as liberdades dos súditos.
Com isso, Montesquieu descreveu a origem do mal e o meio para evitá-lo [04]. Ao poder deve-se opor o poder [05]. Apenas o poder correspondente pode controlar o poder. Com isso, proclama que o governante deve ser considerado como potencialmente mau [06] e assim uma engenharia institucional deve evitar a ação maléfica, mesmo quando não tentada. A solução de Montesquieu, portanto, é que o poder deve necessariamente ser dividido para ser controlado. Por ora, o poder do qual se tratou aqui é no singular, não há referência assim aos famosos três poderes.
Não se deve esquecer que a concepção de Montesquieu da liberdade, embora tenha elementos modernos, é um misto de objetivos liberais (liberdade individual na esfera privada) por meios republicanos:
É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade política não consiste em se fazer o que se quer. Em um Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não se ser forçado a fazer o que não se tem o direito de querer [07]. [...] Deve-se ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de se fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros teriam também este mesmo poder [08].
Tendo em vista este objetivo liberal e o instrumento republicano, não só a restrição à legislação amplia a esfera privada e, portanto, amplia a liberdade individual, como também a lei não pode ser arbitrária; assim, o conteúdo da lei também é controlado. "A um mínimo de Estado corresponderia um máximo de liberdade – eis outra trave-mestra do ideário liberal" [09].
Pierre Manet fez uma análise densa dos fundamentos liberais da doutrina de Montesquieu:
Em tal sistema, a lei tende a proibir qualquer indivíduo de impor sua vontade a outro, e da mesma forma, ela proíbe a esse outro de impor-lhe sua vontade; ao impedir o indivíduo de fazer o que quer, caso ele queira impor sua vontade a um outro, ela limita sua independência; mas, ao lhe garantir a possibilidade de fazer o que quiser quando isso não implicar poder sobre um outro, ela protege sua independência. [...] Os cidadãos, não mais exercendo poder uns sobre os outros, tendem a se distanciar mutuamente, a viver separados. [...] A sociedade livre baseada na separação dos poderes é um estado de natureza aperfeiçoado: nela, os cidadãos gozam das vantagens do estado de natureza [10].
Ressalte-se, no entanto, que relevante doutrina considera a lição de Montesquieu uma proteção contra a democratização inevitável, ou ainda uma proteção a favor da nobreza com o fim prenunciado. Seria uma engenhosidade para impedir que o poder soberano ficasse nas mãos do povo, a divisão do poder significaria, portanto, controlar as mudanças [11].
Em um olhar atento, é possível perceber que Montesquieu apresentou, nas poucas páginas de A Constituição da Inglaterra, três teorias; cada uma delas, em certo sentido, poderia ser denominada de doutrina da separação de poderes; ainda que todas elas sejam apresentadas no contexto da proteção da liberdade individual e que o meio para protegê-la seja o controle institucional do poder. Assim, Montesquieu tinha um objetivo: proteger a liberdade; tinha um modelo: a Inglaterra, e tinha um ponto de partida: a desconfiança no homem (e a certeza de que todo aquele que tiver o poder o exercerá sem limites, ou seja, tenderá a abusar dele). Diante disso, é possível destacar três teorias distintas da separação de poderes (ou três partes de uma mesma teoria): (a) uma teoria jurídica, (b) uma teoria social e (c) uma teoria política.
A teoria jurídica da "separação de poderes" não é inovadora, consiste em classificar os atos estatais segundo sua natureza em três espécies: a) os atos legislativos (ou funções legislativas ou ainda poderes legislativos), que criam normas jurídicas (ou expressam normas criadas pelos órgãos estatais); b) os atos executivos que aplicam as normas jurídicas, ou seja, as leis, acrescentando-se a formulação de política exterior, que, embora pudesse ser à margem da lei, não poderia contrariá-la; [12] e c) os atos jurisdicionais (ou judiciais), que resultam do julgamento de litígios e crimes, também segundo o direito vigente. [13]
Montesquieu classificou: "existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil. (...) Chamaremos este último poder de julgar e ao outro simplesmente poder executivo do Estado". [14]. Ou, adotando-se uma forma atual, os atos estatais se classificam em três espécies: a função legislativa (isto é, criar normas gerais e abstratas), a função executiva (administrar) e a função judiciária (isto é, resolver conflitos). A teoria jurídica da separação de poderes não é uma teoria prescritiva como as duas outras, apenas descreve ordenadamente as três funções sem considerar se as mesmas são exercidas por um só órgão ou se são distribuídas por inúmeros órgãos, menos ainda se tal distribuição se faz de forma seletiva distribuindo as funções segundo suas três naturezas. Neste sentido, a teoria de Montesquieu não inovou, Aristóteles já descrevia as mesmas funções na polis [15]. Também, neste sentido, a teoria de Montesquieu não é pacífica; John Locke classificava quatro funções – legislativo, executivo, federativo e de prerrogativa [16]; depois, Benjamin Constant chegou a enumerar cinco funções diferentes [17]. Karl Loewenstein, no século passado, apresentou outras três funções em aberto contraste com as funções descritas por Montesquieu [18]. E, antes de Karl Loewenstein, Hans Kelsen apresentou a mais consistente crítica à corrente adotada por Montesquieu, reduzindo as funções estatais a dois tipos ideais.
É esta a teoria tão duramente criticada por Hans Kelsen ao afirmar que existem apenas duas funções estatais: legislação e execução. E que são, na verdade, tipos ideais, pois a maior parte dos atos estatais são simultaneamente atos de legislação (criação) e de execução (aplicação).
Assim, para Kelsen,
na função legislativa, o Estado estabelece regras gerais, abstratas; na jurisdição e na administração, exerce uma atividade individualizada, resolve diretamente tarefas concretas; tais são as respectivas noções mais gerais. Deste modo, o conceito de legislação se identifica com os de ‘produção’, ‘criação’ ou ‘posição’ de Direito. Portanto, a atividade individualizada do Estado, que se considere como ato jurídico, não pode ser mais que ‘aplicação’ ou ‘proteção’ do Direito, com o qual se situa em princípios num plano oposto ao da função criadora. Mas esta determinação refere-se propriamente [...] tão só à chamada ‘jurisdição’ ou ‘poder judicial’. Por regra geral, a função designada com os nomes de ‘administração’ ou ‘poder executivo’ não pode considera-se nem como criação nem como aplicação do direito, assim como algo essencialmente distinto de toda função jurídica: como uma atividade a serviço dos fins de poder ou de cultura do Estado, portanto, como uma função negativa por referência ao Direito. [...] Assim, pois, a teoria corrente em torno das funções do Estado afirma que entre o poder legislativo, como criação do direito, e o poder judicial, como aplicação do mesmo (ou proteção jurídica), deve existir alguma regulação jurídica positiva [19].
Assim, o congresso, quando promulga um decreto legislativo, exerce sua função legislativa (criadora), mas também exerce sua função executiva (aplicadora), pois aplica a constituição. O juiz, por sua vez, quando aplica uma lei ao caso concreto que julga, também cria normas (legisla), pois dispõe de certa discricionariedade.
Registre-se apenas que Kelsen não distinguiu a natureza executiva da natureza judicial, mas reconheceu a possibilidade didática de distingui-los, assim como distinguiu governo de administração [20]. Neste sentido é que Biscareti de Ruffia descreveu o estado da doutrina sobre o tema na segunda metade do século passado:
Muitas vezes no passado e até a pouco tempo, se tem discutido, vivamente, a exatidão da tripartição até aqui exposta. Assim, por exemplo.: 1) tem-se pretendido anular uma das três categorias indicadas, encaixando a função jurisdicional na executiva (considerando a primeira apenas como um modo particular de aplicar as leis [...]); 2) tem-se considerado, ainda, as três funções tradicionais somente como momentos sucessivos de um único processo contínuo de formação derivada do direito ([...] por exemplo, Kelsen e a escola de Viena); 3) tem-se tentado, por outro lado, às vezes, criar uma Quarta função de governo [...]; 4) finalmente, tem-se configurado uma contraposição mais simples e diferente, que deveria ser inspirada numa consideração realística das atividades realizadas pelo Estado, divididas entre função política e função administrativa (compreendendo na primeira as grandes decisões próprias das funções de governo e da função legislativa; e na segunda os atos de menor relevância política próprios das funções executivas e jurisdicionais. [21]
A teoria jurídica da separação de poderes enuncia apenas a classificação dos atos estatais quanto à sua natureza. Assim, os atos podem ser judiciais, executivos e legislativos. Como já se afirmou, Montesquieu é negligente com o tema, sua caracterização da função executiva é incompleta e ambígua. O mais próximo da aplicação desta doutrina na teoria política é quando afirma que para proteger a liberdade não se deve acumular mais de uma função no mesmo titular. Também se afirmou, no entanto, que o próprio Montesquieu admitiu, por exemplo, a acumulação dos poderes legislativo e executivo sem necessariamente comprometer a liberdade.
Sobre a teoria social da separação de poderes, é necessário destacar que "poderes" são entendidos como "potências" ou "potências sociais"; constituem as três forças sociais existentes na Europa ocidental do século XVIII, especialmente na França e na Inglaterra: o rei, a nobreza e o povo. Outro elemento necessário para compreender a teoria social da separação de poderes é não se considerar o poder estatal organicamente dividido, ainda que seja internamente controlado; isto é, admite-se a doutrina da soberania única e que a soberania seja exercida pelo poder de legislar [22]. É neste contexto que Montesquieu afirma que, "dos três poderes dos quais falamos, o de julgar é, de alguma forma modo, nulo" [23].
A teoria social é a fiel reprodução da doutrina do governo moderado combinada com a doutrina do governo misto. Destina-se a moderar as três potências sociais de tal modo que, no exercício da soberania (legislação), tenha a participação destas três potências, pelo menos com o poder de impedir a aprovação de leis. Montesquieu argumentou que a estabilidade social só poderia ser o resultado de um poder soberano exercido compartilhadamente por todas as potências sociais e que a proteção da liberdade só poderia ser garantida com a participação de todas as potências sociais no processo de criação das leis, o que impediria que uma potência social restringisse a liberdade de alguém, integrante de outra potência social. Confiram-se as palavras de Montesquieu:
Assim, o poder legislativo será confiado ao corpo dos nobres e ao corpo que for escolhido para representar o povo, que terão cada um suas assembléias e suas deliberações separadamente, e opiniões e interesses separados. [...] O poder executivo, como já dissemos, deve participar da legislação com sua faculdade de impedir, sem o que seria despojado de suas prerrogativas. [24]
Espelhado na Inglaterra, Montesquieu formulou um procedimento de criação legislativa com a participação das três potências sociais através de três órgãos legislativos. O poder legislativo propriamente é bicameral para permitir a representação de duas potências sociais: a câmara alta - composta por nobres escolhidos pelo critério hereditário [25] - e a câmara baixa - composta pelo povo, cujos representantes serão eleitos. [26] O rei participa do processo legislativo, embora detenha propriamente o poder executivo, com a sanção ou o veto. [27] A promulgação de qualquer lei exige a anuência dos três órgãos - câmara alta, câmara baixa e rei, portanto, com a anuência das três potências sociais - nobreza, povo e rei.
Não se percebe, portanto, separação, a não ser no sentido de que se considera a sociedade dividida em estamentos (portanto, sem reconhecer, ainda, a sociedade igualitária das revoluções liberais). A teoria social é, portanto, na verdade, uma teoria de controle (seria melhor, moderação) social. A teoria social de Montesquieu transportou o conflito, ou melhor, a moderação entre as potências sociais para a organização do Estado. Assim, se a soberania se expressa pela produção legislativa, as potências sociais são soberanas quando participam do órgão ou do procedimento de produção legislativa. Dessa maneira, inspirado no modelo inglês, Montesquieu considerou que o rei é apresentado não apenas como um poder político e social, mas também como um órgão do Estado, o mesmo se aplica à nobreza e ao povo. Na engenhosidade descrita por Montesquieu, a lei só produziria seus efeitos se fosse aprovada pela câmara dos lordes, pela câmara dos comuns e se o projeto de lei não fosse vetado pelo rei [28]. Significa dizer que, sem a anuência das três órgãos representativos das três potências sociais, o projeto de lei não prosperaria, assim, não haveria interferência estatal abusiva. Por trás desta conclusão não está exclusivamente o argumento liberal de limitação do poder do Estado em defesa dos cidadãos, está também o argumento republicano de impedir que um segmento social prevaleça sobre os demais.
Ressalte-se que o poder (função) jurídico genuíno é o legislativo; é a única função criativa (o executivo também é num âmbito específico), por isso a importância de tratar o controle do poder como o controle no legislativo. Montesquieu vai mesmo ao extremo de afirmar que o judiciário é um poder "nulo", isto é, "a boca da lei". Significa que as decisões políticas são tomadas em outro âmbito e também que o jurídico está subordinado ao político.
Este é o modelo de constituição da Inglaterra, constituição no sentido antigo, isto é, a organização do poder (poder legislativo) consiste em um parlamento bicameral com a participação do rei no processo legislativo, ou seja, câmara dos lordes (nobreza), câmara dos comuns (povo) e rei. A engenhosidade do sistema consiste em que cada uma das potências sociais tem o poder de obstruir a promulgação de uma lei desfavorável ao seu estamento. Portanto, as leis precisam ser derivadas, necessariamente, do consenso entre todas as potências sociais.
A teoria social da separação de poderes é o complemento necessário à concepção de liberdade de Montesquieu. Para ele a liberdade é permissividade da lei, isto é, liberdade é fazer ou deixar de fazer o que for permitido por lei. Faria pouco sentido, como teoria liberal, conceder o poder absoluto a um legislador com poderes ilimitados; assim seria um autor hobbesiano e não liberal. No entanto, Montesquieu não compartilha de idéias como a dos direitos inatos que delimitam abstratamente a esfera pública, a esfera legal, a esfera estatal. Assim, uma maneira de garantir que a lei seja expressão da liberdade é dar aos cidadãos o poder de limitá-la; e o controle entre as potências sociais é o controle para que uma potência social não subjugue as demais, usando a lei como instrumento do poder.
Repete-se: o conceito de liberdade de Montesquieu (liberdade como permissividade da lei) só faz sentido com o indispensável complemento: a teoria social da separação de poderes. A lei para não ser opressora precisa da estrutura do processo legislativo com lordes, comuns e rei (pretensamente as potências sociais) como único meio de proteção contra leis indevidas [29].
Outro aspecto da teoria social da separação de poderes é que é legatária da teoria clássica do governo misto, isto é, a conjugação perfeita das formas de governo: de um (monarquia), de poucos (aristocracia) e de muitos (povo). A tese do governo misto, que permeou todo o pensamento político desde a Antiguidade, também recebeu a acolhida de Montesquieu. Mostra como o debate sobre teoria política ainda estava marcado pelas polêmicas soluções e tipologias que vinham desde Platão e Aristóteles. Assim, os três órgãos constituem a expressão das três formas de governo: o rei (monarquia), a câmara dos lordes (aristocrático) e a câmara dos comuns (democrático). É claro que o sentido de democrático em Montesquieu se distancia da tradição grega de democracia direta e se aproxima da contribuição do humanismo italiano de participação franqueada a um número mais amplo. Há também um aspecto curioso na teoria social de Montesquieu; é assumidamente inspirada na organização política (constituição no sentido antigo) inglesa; no entanto, quando da publicação de O Espírito das Leis, a Inglaterra já adotava a doutrina da soberania do parlamento, isto é, já havia abandonado a teoria social descrita por Montesquieu.
Referindo-se à teoria social da separação de poderes, Nuno Piçarra considerou que "a doutrina da separação dos poderes surgiu, pela primeira vez, em Inglaterra, no século XVII, estreitamente associada à idéia de rule of law [...]" [30].
À data do começo do reinado de Jaime I (1603-1625) era entendimento comum em Inglaterra que o rei era
Montesquieu deixou claro que se trata de uma teoria social e não de uma teoria jurídica. De nada valeria que o poder legislativo fosse exercido compartilhadamente por três órgãos se todos eles representassem a mesma potência social. Nessas circunstâncias, para Montesquieu, não haveria separação de poderes, pois o poder soberano continuaria exercido por uma só potência social. Dessa maneira, os objetivos da separação dos poderes - a estabilidade social e a liberdade - não seriam alcançados [32].
Por fim, Montesquieu também apresentou uma teoria política da separação de poderes que é a predecessora da doutrina norte-americana de freios e contrapesos. Montesquieu percebeu que o núcleo da constituição inglesa é a formulação de uma engenharia institucional capaz de controlar o poder, independentemente de quem o ocupe e de qual a intenção ao exercê-lo.
A técnica é aparentemente simples: só o poder controla o poder, logo, o poder precisa, primeiro, ser dividido e, depois, devem-se criar instrumentos de controle mútuo. A teoria social não deixa de ser uma expressão desta teoria política, mas é importante destacar que a teoria política também é uma teoria orgânica e, mesmo, uma teoria síntese. Montesquieu explicou porque as funções não podem ser concentradas nas mãos do mesmo titular, explicou que o titular não é necessariamente uma pessoa, mas um grupo social. Mostrou como os órgãos estatais devem interagir, quais devem ser fortalecidos, quais devem ser enfraquecidos, quais os instrumentos de controle.
Em suma, o poder só pode ser controlado pelo poder: controles recíprocos. Para tanto, Montesquieu confiou, implicitamente, que o egoísmo pode ser usado em benefício da liberdade e do bem comum. Cada um quer ampliar o seu poder, mas a ampliação do poder de um significa a redução do poder do outro; assim cada um age para aumentar o seu próprio poder, mas também para reduzir (ou pelo menos controlar) o poder alheio. Assim, Montesquieu percebeu os efeitos nefastos para a liberdade, quando as principais funções do Estado estão concentradas em um só lugar. No entanto, este enunciado deve ser devidamente compreendido, não consiste na doutrina racionalista da separação de poderes (ainda que possa ter semelhanças formais). Portanto, as funções devem ser desconcentradas, mas não precisam seguir a rígida divisão funcional entre legislação, administração e jurisdição. Também, a concentração de funções indesejável não é apenas uma concentração pessoal ou orgânica, é, sobretudo, uma concentração social [33] do poder; então, quando três órgãos distintos exercem três funções distintas, mas todos os três órgãos são compostos pelo mesmo segmento social [34], há uma desconcentração pessoal, funcional e orgânica, mas não há desconcentração social do poder, logo, não há controle, logo não atende à teoria política de Montesquieu.
Vale reproduzir uma passagem da obra que demonstra como a preocupação de Montesquieu na teoria política é com os detalhes práticos da aplicação de sua teoria. Assim, explicam-se aparentes contradições como defender a desconcentração do poder para, em seguida, reconhecer a legitimidade das monarquias européia que concentram a legislação e a execução nas mãos do monarca; neste contexto Montesquieu afirma que:
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao pode legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares. Na maioria dos reinos da Europa, o governo é moderado, porque o príncipe, que possui os dois primeiros poderes, deixa a seus súditos o exercício do terceiro. Entre os turcos, onde estes três poderes estão reunidos na pessoa do sultão, reina um horrível despotismo. Nas repúblicas da Itália, onde estes três poderes estão reunidos, se encontra menos liberdade do que em nossas monarquias. Assim, o governo precisa, para se manter, de meios tão violentos quanto o governo dos turcos. [35]
Perceba-se, por exemplo, que Montesquieu admitiu a concentração das funções legislativa e executiva, na monarquia, desde que a função judiciária fosse exercida por órgãos independentes, vale repetir o destaque: "na maior parte dos reinos da Europa, o governo é moderado, porque o príncipe, que tem em mãos os dois primeiros poderes, deixa a seus súditos o exercício do terceiro" [36].
Neste sentido, considerando o contexto do "longo parlamento", na Inglaterra, Nuno Piçarra afirmou que a primeira versão da doutrina da separação dos poderes não visava à separação entre o poder executivo e o poder legislativo (não havia ainda tal compreensão), mas "visava servir de base à prescrição de que as leis não sejam feitas por quem, simultaneamente, tenha poder para as aplicar" [37].
Não se deve perder de foco que toda a engenharia institucional que Montesquieu pretendeu construir na sua teoria política visava a um objetivo muito claro: a proteção da liberdade; e adotava uma técnica: o controle. Assim, a doutrina da separação de poderes é primeiro e, sobretudo, uma doutrina política liberal (e também republicana). Neste sentido, o federalismo, por exemplo, também se ajusta à teoria política da separação de poderes.
Por fim, Montesquieu completou a sua teoria política em outro capítulo, distante de A Constituição da Inglaterra. Considerou que, em determinados contextos, o controle eficaz não é entre as potências sociais ou entre os órgãos estatais, mas está nas relações entre maioria e minoria [38]. A mesma percepção teve Pierre Manet:
O importante na doutrina da separação dos poderes é menos a definição estática das competências próprias de cada um do que a descrição dinâmica da relação entre a sociedade civil e os dois poderes igual e diferentemente representativos, por intermédio de dois partidos necessariamente hostis mas, mesmo assim, forçados ao compromisso. Esse jogo entre a sociedade e o poder dividido pode, pois, desenrolar-se sempre segundo o esquema proposto por Montesquieu, quando a separação entre o executivo e o legislativo já não passa de uma lembrança, quando a confusão entre eles prevalece sob a forma de ‘governo de gabinete’, no qual o chefe do governo – do executivo – é, ao mesmo tempo, chefe da maioria parlamentar – do legislativo. Os ‘dois poderes’ já não são, nesse caso, o executivo e o legislativo, mas a ‘maioria’ e a ‘oposição’. Não é que a oposição partilhe constitucionalmente do poder com a maioria – e, nesse aspecto, há certamente uma diferença considerável entre o regime livre descrito por Montesquieu e nossos regimes -,mas o efeito de sua presença, da ameaça que ele encarna de derrota do governo, ou melhor, do partido majoritário nas eleições seguintes, é constranger o partido majoritário, em regra geral, a uma utilização moderada de seu poder [39].
No entanto, ainda persiste forte doutrina que vê a doutrina de Montesquieu, inclusive sua teoria política da separação de poderes, como uma frente contra a democracia e não exatamente contra o absolutismo monárquico. Para tanto, o controle não seria exatamente mútuo, mas o controle sobre o poder popular. Hans Kelsen é um deste interpretes [40]; e, no Brasil, Paulo Bonavides [41]. Outro aspecto pouco explorado pelos leitores de Montesquieu é a consolidação na obra de Montesquieu do instituto da representação política [42].
A distinção das três teorias da separação de poderes de Montesquieu, portanto, pode permitir um olhar mais criterioso sobre o tema, seja por revelar a complexidade do pensamento de Montesquieu, seja por destacar as condições históricas e teóricas em que elaborou a sua obra.
Notas
1. "A doutrina da separação dos poderes, ao propor-se como objectivo fundamental a limitação do poder político, assume-se como tema recorrente do pensamento ocidental, desde a Antiguidade Clássica". PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra, 1989, p. 31.
2. A doutrina, no entanto, reconhece antecedentes a John Locke, tais como Harrington e Bolingbroke: "Bolingbroke (1678-1751) foi reputado por Schmitt como ‘o autor efetivo da doutrina teórico-constitucional do equilíbrio dos Poderes’, [...]".
FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 87.
3. O próprio Montesquieu, no entanto, já prevê a complexidade do tema: "Não existe palavra que tenha recebido tantos significados e tenha marcado os espíritos de tantas maneiras quanto a palavra liberdade". MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 165.
4. "em vez de partir do direito que fundamentava a liberdade, ele partiu do poder que a ameaçava; em vez de se interrogar sobre a origem do poder, interrogou-se sobre seus efeitos. Ele foi, sem dúvida, o primeiro autor a falar no poder como uma coisa, separável de direito e de fato tanto de sua origem como de seu fim, separável de direito e de fato do homem que detém ou o procura". MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p. 86.
5. "Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder. Uma constituição poderá ser tal que ninguém seja obrigado a fazer as coisas a que a lei não obriga e a não fazer aquelas que a lei permite". MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 166-7.
6. "na famosa expressão de Lord Acton, ‘todo poder corrompe’, inclusive o democrático". FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 132.
7. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 166. Reforça o comentário de Pierre Manent: "no capítulo III do livro XI, intitulado ‘O que é liberdade’, Montesquieu nos adverte: ‘a liberdade política não consiste em se fazer o que se quer... É preciso ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem...’ [...] e se a lei proibir tudo ou quase tudo? A solução dessa contradição encontra-se na concepção que Montesquieu tem da lei: num regime livre, isto é, baseado na separação dos poderes, as leis tendem necessariamente a ‘permitir’ ao cidadão um grande número de coisas [...], tendem a ampliar a esfera de sua ‘independência’." MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. Op. Cit., p. 93.
8. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 166. Piçarra conclui: "Montesquieu apresenta a idéia de liberdade ligada intimamente à de legalidade". PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Op. Cit., p. 90.
9. PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Op. Cit., p. 185.
10. MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. Op. Cit., p. 94. Parece que nenhum autor considera que na esfera não legislada tudo volta ao estado de natureza, assim, se Hobbes tiver razão, dentro dos limites da não-lei, haverá guerra; ou ainda, se a lei só proteger um grupo, o grupo não protegido pela lei ficará a mercê do domínio alheio, pois travará uma guerra desigual, sem poder atacar (porque a lei proíbe) e sem poder defender (porque a lei proíbe).
11. "Sobre a separação de poderes, convertida em dogma do Estado liberal, assentavam os constituintes liberais a esperança de tolher ou imobilizar a progressiva democratização do poder, sua inevitável e total transferência para o braço popular". BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 142.
12. Ressalve-se os poderes de prerrogativa já previstos por Locke: "muitos assuntos há o que a lei não pode prover por meio algum, e estes devem necessariamente ser entregues à discrição daquele que tem nas mãos o poder executivo, para que regule conforme o exigirem o bem público". LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 98.
13. 14. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., pp. 167-8.
15. Aristóteles, analisando as constituições da Antigüidade, identificou que o governo exercia três espécies de funções ou poderes: "destas três partes uma trata da deliberação sobre assuntos públicos; a segunda trata das funções públicas (...); a terceira trata de como deve ser o poder judiciário". ARISTÓTELES. Política. Brasilia: Editora da UnB, 1985, p. 152.
16. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Op. Cit., pp. 93 e 98.
17. Real, executiva, representativa de duração, representativa de opinião e judiciária.
18. "A continuação se expõe uma nova divisão tripartida: a decisão política conformadora ou fundamental (policy determination); a execução da decisão (policy execution) e o controle político (policy control)". LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitucion. Barcelona: Ariel, 1970, p. 62.
19. KELSEN, Hans. Teoria general del Estado. Barcelona: Labor, 1934, pp. 301-2. O Autor complementa na mesma obra: "Para penetrar na medula da verdade que contém esta velha distinção, há que romper previamente com os dois erros que a envolvem como uma casca. Em primeiro lugar, não há que identificar o conceito de criação de Direito expressado no conceito de legislação, legis latio, com a atividade de certos órgãos historicamente individualizados que realizam uma tarefa especializada, confundindo-se deste modo o conceito de Direito com o de ‘lei’. Mas, em segundo termo, urge advertir que a antítese entre legislação e jurisdição, isto é, entre criação e aplicação do Direito, não é absoluta, mas relativa" [p. 302]. "Por esse motivo, o ato de jurisdição é criação, produção ou posição de Direito como o ato legislativo, e um e outro não são senão duas etapas diferentes do processo de criação do jurídica. [...] Todo o processo de criação jurídica constitui uma sucessão continuada de atos de concreção e individualização crescentes do Direito" [p. 305]. "A legislação é aplicação do Direito o mesmo que a jurisdição é criação jurídica – apesar de que a doutrina tradicional contraponha ambos os conceitos como criação e aplicação, respectivamente" [p. 305]. KELSEN, Hans. Teoria general del Estado. Op. Cit., pp. 302-5.
20. "Sobre a base da antítese fundamental afirmada pela teoria dominante entre a atividade livre e a atividade vinculada do Estado, pode se admitir uma quarta função estatal ou, pelo menos, um domínio particularíssimo dentro da administração: o ‘governo’. [...] A intenção notória de todas estas especulações é a seguinte: lançar a idéia, e fundamentá-la ‘teoricamente’ na medida do possível, de que aquela atividade que se chama ‘governo’ de um Estado está fora do alcance de toda qualificação jurídica; isto é, que o ‘governo’ se move no âmbito que escapa à regulação do Direito". KELSEN, Hans. Teoria general del Estado. Op. Cit., p. 319.
21. DI RUFFIA, Paolo Biscaretti. Direito constitucional (Instituições de Direito Público). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 159.
22. Deve-se advertir, no entanto, que a legislação como expressão da soberania é uma característica exclusivamente moderna e que é gradativamente que as instituições políticas e jurídicas vão se moldando no novo paradigma. "Somente a partir do século XVII, à medida da complexidade das relações sociais e da correlativa necessidade de regulamentação jurídica, é que a legislação parlamentar, já independente de precedentes, começou a adquirir um papel importante no sistema jurídico-político". PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Op. Cit., p. 45. "No sistema jurídico-político de então, a legislação era uma atividade excepcional de natureza muito específica:
23. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 172. "Desta forma, o poder de julgar, tão terrível entre os homens, como não está ligado nem a certo estado, nem a certa profissão, torna-se, por assim dizer, invisível e nulo". MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 169.
24. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., pp. 172 e 175.
25. "O corpo dos nobres deve ser hereditário." MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 172.
26. "Todos os cidadãos, nos diversos distritos, devem ter o direito a dar seu voto para escolher seu representante; exceto aqueles que estão em tal estado de baixeza, que se considera que não têm vontade própria". MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 171.
27. "Chamo faculdade de impedir ao direito de anular uma resolução tomada por outrem; o que era o poder dos tribunos de Roma". MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 172.
28. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 172.
29. "Na Idade Média, a tradição da constituição mista tinha sido utilizada para defender a limitação do poder real pelos direitos das ordens ou estamentos". PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Op. Cit., p. 41.
30. PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Op. Cit., p. 44. "Nas condições políticas medievais, a teoria da constituição mista pouco mais terá sido do que uma tradição literária que só ocasionalmente moldou a vida política do tempo. Quando assim aconteceu, constituição mista tornou-se sinônimo de imitação ou moderação do poder monárquico através da intervenção (fundamentalmente direito de assentimento) dos estamentos e/ou dos seus órgãos representativos nas leis fundamentais e nas decisões políticas, nomeadamente de caráter financeiro e fazendário". PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Op. Cit., p. 42.
31. PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Op. Cit., p. 45.
32. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., passim, especialmentep. 168-9.
33. "Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou o do povo, exercesse os três poderes: o de criar leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares". MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 168.
34. "Nas repúblicas da Itália, onde estes três poderes estão reunidos, se encontra menos liberdade do que nossas monarquias". MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 168.
35. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 168.
36. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 168. É o que Pierre Manet também destaca: "O que convém apreender, principalmente, é que Montesquieu realmente só considera dois poderes, o legislativo e o executivo. Decerto, ele faz uma distinção geral entre três poderes: esses dois e o judiciário. Mas o judiciário só tem importância política real nos regimes em que os dois primeiros poderes se confundem: ‘Na maioria dos reinos da Europa, o governo é moderado, porque o príncipe, que detém os dois primeiros poderes, deixa a seus súditos o exercício do terceiro". MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. Op. Cit., p. 87.
37. PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Op. Cit., p. 50.
38. "Como haveria neste Estado dois poderes visíveis, o poder legislativo e o poder executivo, e todo cidadão tem sua vontade própria e faz valer quando quer sua independência, a maioria das pessoas tem mais afeição por um destes poderes do que pelo outro, pois que a maioria normalmente não tem eq6uidade nem bom senso suficientes para ter igual afeição por ambas. [...] O ódio que existiria entre os dois partidos persistiria porque seria sempre impotente. Como estes partidos são compostos por homens livres, se um deles sobressaísse demais, o efeito da liberdade faria com que fosse rebaixado, enquanto os cidadãos, como mãos que socorrem o corpo, viriam erguer o outro. [...] esta é a grande vantagem que este governo teria sobre as antigas democracias nas quais o povo tinha um poder imediato; pois, quando os oradores o agitavam, tais agitações sempre surtiam efeito". MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., pp. 332-3.
39. MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. Op. Cit., p. 95.
40. "E aqui se revela a função histórica do princípio. Nascido na véspera da grande Revolução democrática, em uma época em que o povo começava a ganhar terreno visivelmente contra o poder ilimitado do monarca, e em que a massa de súditos reclama cada vez mais energicamente uma participação na legislação, foi concedida esta, isto é, a criação de normas gerais, a uma representação popular, ainda que sempre em união do monarca, reservando-se ademais a este a execução. E desde o momento que o princípio em questão declarou a execução – contradizendo seu conceito e natureza – como uma função independente da legislação, quis se assegurar uma situação independente do parlamento ao órgão encarregado da execução, quis-se buscar refúgio para o princípio monárquico, lançado já na defensiva. [...] O dogma constitucional da separação de poderes não podia realizar com o êxito que o teve a função descrita (compreensível unicamente pela situação histórica de defensor do princípio monárquico que já se batia em retirada), mas porque, em parte ao menos, coincidia com a idéia da divisão do poder, diái que respondia a um instinto primário das massas submetidas: a desconfiança contra um governo pertencente a uma classe social de interesses opostos aos seus, acessível só em muito pequena escala às influências da massa; portanto, à aspiração crescente de evitar a formação de círculos de competência dotados de demasiado poder. Seguramente, era um mal-entendido – como se tema assinalado em tempos recentes – considerar essencialmente democrático o princípio da separação de poderes; mas tampouco é um princípio marcadamente autocrático, pois o último queria por nas mãos do monarca todo o poder indivisível, assim como o primeiro queria vê-lo nas mãos do povo. Mas a democracia mesma não pode eliminar por completo a contraposição entre governantes e governados: não já em princípio, mas sim em sua estrutura real". KELSEN, Hans. Teoria general del Estado. Op. Cit., p. 337-8.
41. "Sem a separação de poderes, ter-se-ia a vitória do princípio democrático, como expôs mais tarde Rousseau. Montesquieu advogava o princípio liberal, abraçava a solução intermediária, relativista, que, de um lado, afastava o despotismo do rei, e, de outro, não entregava o poder ao povo". BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 45
42. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Op. Cit., p. 170-1. "O liberalismo plenamente constituído, e ele só foi plenamente constituído em termos doutrinários com Montesquieu, fundamenta-se em duas idéias: a idéia de representação e a da divisão dos poderes". MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. Op. Cit., p. 96.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Este texto é importante para compreender a teoria da separação de poderes de Monstesquieu que baliza um dos princípios constituições da República Democrática do Brasil:
- "Art. 2 - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre sí, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário." (Constituição Federal).
É bom lembrar que, conforme o jurista Hely Lopes Meirelles, no seu livro Direito Administrativo Brasileiro (Malheiros Edit.2000), estes poderes independentes e harmônicos entre si são "imanentes e estruturais do Estado" e, cada um possui uma função precípua e, para funcionar, praticam atos administrativos no âmbito do poder. A independência não significa "separação", pois a harmonia depende da integração, das ligações e da coordenação de processos afins, "mesmo porque o poder estatal é uno e indivisível".
NO BRASIL - Aqui, na prática, os Poderes Legislativo e Judiciário funcionam separados e independentes de um Estado governado pelo Poder Executivo, onde aparecem o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Geral da União, que são funções essenciais à justiça, se julgando novos poderes, questionando a tripartição dos Poderes prevista na constituição federal. E esta postura pode ser comprovada nas atitudes, nos comportamentos e nos depoimentos destas autoridades. Esta divergência se reflete em desarmonia, divergências, discriminação e insegurança jurídica, com consequências graves para o funcionamento e harmonia do Estado, na elaboração das leis, na aplicação coativa das leis e na distribuição de direitos e na paz social.
OS PODERES BRASILEIROS NA PRÁTICA
domingo, 8 de maio de 2011
A "INCONSTITUCIONALIDADE" DA CONSTITUIÇÃO
Quase não dormi. Embora creia que o Estado não tem por que tutelar todos os tipos de relações afetivas que se manifestem na sociedade, e que se restringe à família, por ser a instituição fundamental, o espaço reservado à sua proteção, não considero que o reconhecimento de direitos previdenciários às uniões homossexuais vá abalar os fundamentos da sociedade. O que me manteve alerta, insone, foram algumas coisas que ouvi saírem da boca dos senhores ministros do STF durante o julgamento de ontem, quando, a toda hora, alguém pegava o microfone para dizer que o STF não estava se substituindo ao Congresso Nacional. Certamente o diziam por saberem, todos, que era exatamente isso que estavam fazendo.
Vejamos. Em 1988, nossos constituintes expressaram com clareza vernácula que família é uma instituição formada pelo casamento ou união estável entre "o homem e a mulher". Oito anos mais tarde, ao legislarem sobre união estável (lei nº 9.278/96) reconheceram como "entidade familiar, a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família".
Será que resta alguma dúvida sobre o que pensavam os constituintes e sobre o que expressaram os legisladores brasileiros a respeito dos sujeitos constitutivos de família e união estável? Onde se evidencia, no texto constitucional e no texto legal, o tal vazio legislativo que o STF "precisava colmatar", como chegou a afirmar o ministro Celso de Mello? Será que ao dispor em contradição à vontade de suas excelências, o Congresso Nacional criou uma cárie que precisava ser sanada e colmatada? Era tão aberrante a ideia (embora sempre presente nos votos prolatados) que o aveludado ministro Ayres Britto, um rebelde togado, de fala mansa, relator do caso, se viu obrigado a reiterar que não era isso não, e que a própria constituição fornecia os instrumentos para a decisão que estavam tomando. Ou seja, onde o Legislativo fez questão de explicitar "homem e mulher" ele, na verdade, estava querendo dizer algo bem diferente disso.
É de tirar o sono! Sabe, leitor, como procedeu nossa corte constitucional para derrubar um preceito da constituição? Foi nas caixinhas dos princípios, dos valores e dos direitos fundamentais, escolheu os que desejava e os mastigou como chicletes até assumirem o formato que lhe convinha. Em palavras mais simples: fez justiça pelas próprias mãos dando um tiro na Constituição Federal.
Bastava ouvi-los. Todas as manifestações eram um libelo contra o preceito constitucional, uma defesa ardorosa da união homossexual, uma manifestação candente de simpatia pela causa, um ataque à moralidade com identidade religiosa (como se por ter origem religiosa deixasse de ser popular e social e perdesse direito à expressão política). Na falta de um bom argumento - um só bastava, desde que fosse bom para derrubar a maldita explicitação "homem e mulher" - retiravam pequenos argumentos do meio das folhas de papel como quem busca, afanosamente, o talão do estacionamento nos bolsos do casaco.
Foi uma coisa alarmante porque de duas uma: ou havia um vazio legislativo a ser "colmatado" e o STF legislou em contradição com a Constituição, ou era preciso declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 226 da Carta da República, que estaria em contradição com aqueles princípios constitucionais que eles mastigavam sem dar satisfação para ninguém. É bom lembrar aos onze o ensinamento do ex-ministro Francisco Campos, para quem "repugnava ao regime de constituição escrita a distinção entre leis constitucionais em sentido material e formal. Em tal regime são indistintamente constitucionais todas as cláusulas constantes da constituição, seja qual for seu conteúdo ou natureza". Ademais, nas claríssimas palavras do doutrinador Jorge Miranda (também constituinte na democratização portuguesa), sequer os "órgãos de fiscalização instituídos por esse poder (constituinte) seriam competentes para apreciar e não aplicar, com base na Constituição, qualquer das suas normas. É um princípio de identidade ou de não contradição que o impede". Mude o Congresso a norma constitucional, se 3/5 de seus membros o desejarem. No Estado Democrático de Direito as coisas são feitas assim. Mas, para o bem desse mesmo Estado, nunca mais repita o STF tão arbitrária conduta!
______________
* Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões. BLOG DO PERCIVAL PUGGINA.
Vejamos. Em 1988, nossos constituintes expressaram com clareza vernácula que família é uma instituição formada pelo casamento ou união estável entre "o homem e a mulher". Oito anos mais tarde, ao legislarem sobre união estável (lei nº 9.278/96) reconheceram como "entidade familiar, a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família".
Será que resta alguma dúvida sobre o que pensavam os constituintes e sobre o que expressaram os legisladores brasileiros a respeito dos sujeitos constitutivos de família e união estável? Onde se evidencia, no texto constitucional e no texto legal, o tal vazio legislativo que o STF "precisava colmatar", como chegou a afirmar o ministro Celso de Mello? Será que ao dispor em contradição à vontade de suas excelências, o Congresso Nacional criou uma cárie que precisava ser sanada e colmatada? Era tão aberrante a ideia (embora sempre presente nos votos prolatados) que o aveludado ministro Ayres Britto, um rebelde togado, de fala mansa, relator do caso, se viu obrigado a reiterar que não era isso não, e que a própria constituição fornecia os instrumentos para a decisão que estavam tomando. Ou seja, onde o Legislativo fez questão de explicitar "homem e mulher" ele, na verdade, estava querendo dizer algo bem diferente disso.
É de tirar o sono! Sabe, leitor, como procedeu nossa corte constitucional para derrubar um preceito da constituição? Foi nas caixinhas dos princípios, dos valores e dos direitos fundamentais, escolheu os que desejava e os mastigou como chicletes até assumirem o formato que lhe convinha. Em palavras mais simples: fez justiça pelas próprias mãos dando um tiro na Constituição Federal.
Bastava ouvi-los. Todas as manifestações eram um libelo contra o preceito constitucional, uma defesa ardorosa da união homossexual, uma manifestação candente de simpatia pela causa, um ataque à moralidade com identidade religiosa (como se por ter origem religiosa deixasse de ser popular e social e perdesse direito à expressão política). Na falta de um bom argumento - um só bastava, desde que fosse bom para derrubar a maldita explicitação "homem e mulher" - retiravam pequenos argumentos do meio das folhas de papel como quem busca, afanosamente, o talão do estacionamento nos bolsos do casaco.
Foi uma coisa alarmante porque de duas uma: ou havia um vazio legislativo a ser "colmatado" e o STF legislou em contradição com a Constituição, ou era preciso declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 226 da Carta da República, que estaria em contradição com aqueles princípios constitucionais que eles mastigavam sem dar satisfação para ninguém. É bom lembrar aos onze o ensinamento do ex-ministro Francisco Campos, para quem "repugnava ao regime de constituição escrita a distinção entre leis constitucionais em sentido material e formal. Em tal regime são indistintamente constitucionais todas as cláusulas constantes da constituição, seja qual for seu conteúdo ou natureza". Ademais, nas claríssimas palavras do doutrinador Jorge Miranda (também constituinte na democratização portuguesa), sequer os "órgãos de fiscalização instituídos por esse poder (constituinte) seriam competentes para apreciar e não aplicar, com base na Constituição, qualquer das suas normas. É um princípio de identidade ou de não contradição que o impede". Mude o Congresso a norma constitucional, se 3/5 de seus membros o desejarem. No Estado Democrático de Direito as coisas são feitas assim. Mas, para o bem desse mesmo Estado, nunca mais repita o STF tão arbitrária conduta!
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* Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões. BLOG DO PERCIVAL PUGGINA.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
PEC DOS RECURSOS E SEGURANÇA JURÍDICA
“PEC dos recursos aumenta insegurança jurídica” - Por Gabriela Rocha e Marina Ito, CONSLUTOR JURÍDICO, 22/04/2011
A PEC dos Recursos, que antecipa a execução da sentença logo após o julgamento do processo pela segunda instância, causa reflexo, em maior e menor grau, em várias áreas do Direito. A ConJur procurou saber quais os impactos em processos que discutem relações familiares, negócios empresariais, questões de propriedade intelectual ou litígios no âmbito eleitoral. No que se refere à segurança jurídica, a maioria dos especialistas ouvidos demonstra preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso.
“Em princípio, os recursos aos tribunais superiores não têm efeito suspensivo e podem ser executados provisoriamente, mas a PEC vai dar mais insegurança jurídica ainda ao cidadão”, afirma a advogada especialista em Direito de Família Gladys Maluf Chamma. Ela diz que, na maioria das vezes, os recursos não são recebidos. Os que são, diz, é porque ficou mais ou menos evidente que algum artigo de lei federal ou da Constituição foi infringido. “Para o Direito, em geral, não é bom”, entende.
Acostumado a lidar com contratos que envolvem empresas de grande porte, o advogado Luiz Antônio Lemos, do Campos Mello Advogados, explica os problemas que pode causar a execução de uma decisão, sem que o recurso para os tribunais superiores suspenda seus efeitos. Se um investimento for questionado judicialmente e o primeiro grau entender que, no local, não pode ser desenvolvido, mas a segunda instância for favorável ao investidor, a dúvida será: tocar ou não a obra?
Quando se trata de questão ambiental, os dois perdem. Se os tribunais superiores reformam a decisão, o investidor não poderá desfazer o projeto já desenvolvido e estará sujeito à indenização para ressarcir um direito que não foi reconhecido pela decisão de 2° grau. “As duas partes perdem. O investidor não vai poder levar para frente o projeto no qual já investiu e o vencedor não vai ter conseguido preservar a área como tinha interesse.” Lemos lembra, ainda, que muitas ações civis públicas e ações populares questionam investimentos em áreas de energia.
Para o advogado, a única forma de se obter prestação jurisdicional, nesse caso, é com indenização. E caberá ao tribunal superior que reformar a decisão da segunda instância prever como o então vencedor e agora vencido terá de indenizar a parte contrária. “No sentido de não suspender investimentos, a proposta é positiva”, diz. No entanto, tem dúvidas se a PEC, se aprovada, terá eficácia.
Marcelo Romanelli de Oliveira, também do Campos Mello, constata que as empresas terão de incluir a mudança na análise de risco da empreitada. “Lidamos com áreas em que os investimentos são muitos altos, não é algo que se pode voltar atrás”, diz.
Ele observa que, atualmente, as empresas já avaliam riscos das decisões do Judiciário. “Com a PEC, vão ter que decidir entre esperar a decisão do tribunal superior para concretizar o investimento ou correr risco de perder o negócio.” Para Romanelli, há casos em que, de fato, os recursos são protelatórios; outros, não.
Já a especialista em recuperação de empresas, Juliana Bumachar, do escritório Bumachar Advogados Associados, afirma que não haverá grande impacto com a PEC em processo que tenta reerguer organizações em dificuldades financeiras. Como o processo visa a recuperação da empresa, conciliando interesses com os credores, todos querem que dê certo.
A PEC pode causar impacto em processos que Juliana Bumachar chama de “satélites”, como o do banco que entra com uma execução e pede a penhora de um bem essencial que, se penhorado, pode inviabilizar a recuperação da empresa. Nesses casos, a redução de recursos surte efeito. “No processo falimentar em si, os recursos já são reduzidos na medida em que não há réu”, diz. Juliana também considera importante que as questões sejam levadas a tribunais superiores para que os ministros discutam questões importantes e haja precedentes.
Especialista em propriedade intelectual, Luiz Henrique Amaral, avalia a PEC de um modo diferente de seus colegas. “Na área de propriedade intelectual, vemos com bons olhos melhorias que visam dar eficácia às decisões”, diz Amaral. Presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, Luiz Henrique Amaral afirma que a PEC resolverá um grave problema em todas as áreas, inclusive a de PI, que é o excesso de recurso, que o advogado vê como um incentivo à ineficácia.
Para Amaral, a PEC vai prejudicar, por exemplo, o infrator que usa indevidamente uma marca. No processo judicial, diz, o perdedor quer deixar a execução para mais tarde. Amaral lembra que o processo é submetido a uma longa discussão na primeira instância, passando por uma rediscussão na segunda. “Quando há um recurso especial ou extraordinário, já se saiu da briga das partes”, constata. Favorável ou desfavorável, entende Amaral, o importante é haver um resultado e a decisão ter efetividade.
Luiz Henrique Amaral diz que a PEC dos Recursos é uma proposta cirúrgica e pontual, que não complica a área processual.
Eleições
O advogado Ruy Samuel Espíndola, especialista em Direito Eleitoral, afirma que a PEC dos recursos não vai alterar o Recurso Especial Eleitoral. “Isso por que o Recurso Especial Eleitoral é contemplado, sem esse nome jurídico expresso, em outra dimensão do texto constitucional. E recebe o nome de Recurso Especial, apenas pelo Código Eleitoral”, explica. O advogado também afirma que o Código Eleitoral estabelece que os recursos para o Tribunal Superior Eleitoral não tem efeito suspensivo.
“A jurisprudência eleitoral afirma pacificamente que as decisões condenatórias, no que toca a matéria de captação ilícita de sufrágio nos procedimentos não criminais, condutas vedadas, ou seja, nas representações eleitorais, ação de investigação judicial eleitoral e ação de impugnação de mandato eletivo, tem efeito imediato.” Ou seja, cassação de registro, diploma ou mandato, em regra, são executadas imediatamente. “Muitas vezes, um avassalador e triste efeito imediato”, constata.
Espíndola afirma, ainda, que a Lei complementar 135/10, a chamada Lei da Ficha Limpa, sedimentou a tendência de execução imediata das decisões condenatórias em matéria eleitoral não criminal, reformando as normas pertinentes aos debates processuais sobre inelegibilidade. “Atualmente, cabe sempre a parte recorrente condenada em matéria não criminal, se quiser obstar os efeitos da decisão condenatória, interpor medida cautelar para tal fim”, diz.
Para o especialista, no que se refere à matéria não criminal no âmbito da Justiça Eleitoral, a presteza da jurisdição continuará a mesma quanto aos recursais endereçados ao TSE.
Pessoa envolvida
Quando o processo envolve família, não há consenso entre os especialistas sobre os impactos que a PEC dos recursos pode causar. Embora considere nobre a finalidade da proposta de evitar o uso protelatório dos recursos, a advogada Maria Berenice Dias afirma que também há um risco enorme na restrição. “Há casos em que é indispensável o efeito suspensivo. No Direito de Família, as situações mais vulneráveis que podem ser afetadas negativamente pela PEC são as vidas de crianças sobre as quais é discutida a guarda, direito de visita ou autorização de viagem”, diz.
A especialista diz que não se pode abrir mão da manifestação liminar dos Tribunais Superiores nesses casos, já que, com freqüência, eles alteram decisões das outras instâncias. “Ainda que a PEC seja aprovada, duvido que os ministros não vão fazer uso da excepcionalidade de agregar efeito suspensivo em determinados processos. Não se pode impedir que não haja nunca essa possibilidade”, diz. “Lidamos com pessoas e não com coisas”, completa.
Já o advogado Ricardo Zamariola afirma que , no Direito de Família, a alteração pode trazer impacto significativo nas causas que apresentam conteúdo econômico, como ações de indenização e partilha de bens. “No que diz respeito a ações de guarda e visitação não haverá impacto relevante, a meu ver. Isso porque, atualmente, as decisões de segunda instância nessas matérias já são imediatamente executáveis”, diz.
Além disso, afirma o advogado, ainda que se trate de uma execução provisória, ou seja, quando há recurso pendente, não se tem visto a exigência de garantia. “Afinal, a garantia dada pelo credor assegura o devedor contra eventual prejuízo econômico; mas, no caso das ações de guarda e visitação, não se está discutindo um direito que tenha expressão pecuniária. Não cabe falar em garantia.”
Para Zamariola, o trecho da PEC dos Recursos, que estabelece que, a nenhum título, haverá concessão de efeito suspensivo aos Recursos Especial e Extraordinário, é inconstitucional, pois fere a garantia da efetividade da tutela jurisdicional.
“O Supremo, em diversas ocasiões, já se manifestou no sentido de que o poder de cautela — exercido pelos juízes por meio das medidas de urgência, dentre as quais encontra-se a concessão de efeito suspensivo a recurso — é ínsito ao exercício da função jurisdicional.” Para o advogado, mesmo uma Emenda Constitucional não pode restringir o poder do juiz de proteger um direito que esteja sendo violado ou ameaçado de violação.
Incertezas na execução
Ricardo Zamariola tem dúvidas sobre a utilidade da PEC mesmo em casos que envolvem uma questão econômica, como ação de indenização. “Imagine que, hoje, seja proferida decisão condenando o marido a, por força de infidelidade conjugal, indenizar a esposa em R$ 100 mil. O marido recorre ao STJ e ao STF, com recursos especial e extraordinário. Em regra geral, hoje, essa decisão somente poderia ser executada de maneira provisória. Para receber o valor, a esposa teria de oferecer alguma garantia ao marido. Se ela não tiver condições de oferecer a caução, a execução provisória não prosseguirá, e a esposa não receberá, enquanto os recursos não forem julgados”, exemplifica.
Se a PEC for aprovada, no exemplo dado pelo especialista, a esposa receberia a indenização independentemente do resultado dos recursos apresentados pelo marido às Cortes Superiores. “Se, eventualmente, o marido viesse a sair vencedor, e a indenização fosse cassada, a obrigação reverteria em perdas e danos, e a esposa teria de devolver os valores”, diz.
Com um recurso pendente, diz, há incerteza. “Muitas pessoas, nessas condições, até receberão o que lhes é devido, mas terão o receio de, por exemplo, utilizar o dinheiro, até que os recursos sejam julgados”, constata. E não é só isso. No caso de uma discussão de partilha, em que a mulher obtivesse o direito à propriedade exclusiva de um bem disputado pelo marido nos tribunais superiores e pretendesse vendê-lo. Um terceiro interessado em comprar o imóvel, questiona Zamariola, iria adquiri-lo mesmo sabendo que há um recurso pendente? “O que a sociedade quer, o que a sociedade precisa, é de uma decisão definitiva no mais curto espaço de tempo possível."
A PEC dos Recursos, que antecipa a execução da sentença logo após o julgamento do processo pela segunda instância, causa reflexo, em maior e menor grau, em várias áreas do Direito. A ConJur procurou saber quais os impactos em processos que discutem relações familiares, negócios empresariais, questões de propriedade intelectual ou litígios no âmbito eleitoral. No que se refere à segurança jurídica, a maioria dos especialistas ouvidos demonstra preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso.
“Em princípio, os recursos aos tribunais superiores não têm efeito suspensivo e podem ser executados provisoriamente, mas a PEC vai dar mais insegurança jurídica ainda ao cidadão”, afirma a advogada especialista em Direito de Família Gladys Maluf Chamma. Ela diz que, na maioria das vezes, os recursos não são recebidos. Os que são, diz, é porque ficou mais ou menos evidente que algum artigo de lei federal ou da Constituição foi infringido. “Para o Direito, em geral, não é bom”, entende.
Acostumado a lidar com contratos que envolvem empresas de grande porte, o advogado Luiz Antônio Lemos, do Campos Mello Advogados, explica os problemas que pode causar a execução de uma decisão, sem que o recurso para os tribunais superiores suspenda seus efeitos. Se um investimento for questionado judicialmente e o primeiro grau entender que, no local, não pode ser desenvolvido, mas a segunda instância for favorável ao investidor, a dúvida será: tocar ou não a obra?
Quando se trata de questão ambiental, os dois perdem. Se os tribunais superiores reformam a decisão, o investidor não poderá desfazer o projeto já desenvolvido e estará sujeito à indenização para ressarcir um direito que não foi reconhecido pela decisão de 2° grau. “As duas partes perdem. O investidor não vai poder levar para frente o projeto no qual já investiu e o vencedor não vai ter conseguido preservar a área como tinha interesse.” Lemos lembra, ainda, que muitas ações civis públicas e ações populares questionam investimentos em áreas de energia.
Para o advogado, a única forma de se obter prestação jurisdicional, nesse caso, é com indenização. E caberá ao tribunal superior que reformar a decisão da segunda instância prever como o então vencedor e agora vencido terá de indenizar a parte contrária. “No sentido de não suspender investimentos, a proposta é positiva”, diz. No entanto, tem dúvidas se a PEC, se aprovada, terá eficácia.
Marcelo Romanelli de Oliveira, também do Campos Mello, constata que as empresas terão de incluir a mudança na análise de risco da empreitada. “Lidamos com áreas em que os investimentos são muitos altos, não é algo que se pode voltar atrás”, diz.
Ele observa que, atualmente, as empresas já avaliam riscos das decisões do Judiciário. “Com a PEC, vão ter que decidir entre esperar a decisão do tribunal superior para concretizar o investimento ou correr risco de perder o negócio.” Para Romanelli, há casos em que, de fato, os recursos são protelatórios; outros, não.
Já a especialista em recuperação de empresas, Juliana Bumachar, do escritório Bumachar Advogados Associados, afirma que não haverá grande impacto com a PEC em processo que tenta reerguer organizações em dificuldades financeiras. Como o processo visa a recuperação da empresa, conciliando interesses com os credores, todos querem que dê certo.
A PEC pode causar impacto em processos que Juliana Bumachar chama de “satélites”, como o do banco que entra com uma execução e pede a penhora de um bem essencial que, se penhorado, pode inviabilizar a recuperação da empresa. Nesses casos, a redução de recursos surte efeito. “No processo falimentar em si, os recursos já são reduzidos na medida em que não há réu”, diz. Juliana também considera importante que as questões sejam levadas a tribunais superiores para que os ministros discutam questões importantes e haja precedentes.
Especialista em propriedade intelectual, Luiz Henrique Amaral, avalia a PEC de um modo diferente de seus colegas. “Na área de propriedade intelectual, vemos com bons olhos melhorias que visam dar eficácia às decisões”, diz Amaral. Presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, Luiz Henrique Amaral afirma que a PEC resolverá um grave problema em todas as áreas, inclusive a de PI, que é o excesso de recurso, que o advogado vê como um incentivo à ineficácia.
Para Amaral, a PEC vai prejudicar, por exemplo, o infrator que usa indevidamente uma marca. No processo judicial, diz, o perdedor quer deixar a execução para mais tarde. Amaral lembra que o processo é submetido a uma longa discussão na primeira instância, passando por uma rediscussão na segunda. “Quando há um recurso especial ou extraordinário, já se saiu da briga das partes”, constata. Favorável ou desfavorável, entende Amaral, o importante é haver um resultado e a decisão ter efetividade.
Luiz Henrique Amaral diz que a PEC dos Recursos é uma proposta cirúrgica e pontual, que não complica a área processual.
Eleições
O advogado Ruy Samuel Espíndola, especialista em Direito Eleitoral, afirma que a PEC dos recursos não vai alterar o Recurso Especial Eleitoral. “Isso por que o Recurso Especial Eleitoral é contemplado, sem esse nome jurídico expresso, em outra dimensão do texto constitucional. E recebe o nome de Recurso Especial, apenas pelo Código Eleitoral”, explica. O advogado também afirma que o Código Eleitoral estabelece que os recursos para o Tribunal Superior Eleitoral não tem efeito suspensivo.
“A jurisprudência eleitoral afirma pacificamente que as decisões condenatórias, no que toca a matéria de captação ilícita de sufrágio nos procedimentos não criminais, condutas vedadas, ou seja, nas representações eleitorais, ação de investigação judicial eleitoral e ação de impugnação de mandato eletivo, tem efeito imediato.” Ou seja, cassação de registro, diploma ou mandato, em regra, são executadas imediatamente. “Muitas vezes, um avassalador e triste efeito imediato”, constata.
Espíndola afirma, ainda, que a Lei complementar 135/10, a chamada Lei da Ficha Limpa, sedimentou a tendência de execução imediata das decisões condenatórias em matéria eleitoral não criminal, reformando as normas pertinentes aos debates processuais sobre inelegibilidade. “Atualmente, cabe sempre a parte recorrente condenada em matéria não criminal, se quiser obstar os efeitos da decisão condenatória, interpor medida cautelar para tal fim”, diz.
Para o especialista, no que se refere à matéria não criminal no âmbito da Justiça Eleitoral, a presteza da jurisdição continuará a mesma quanto aos recursais endereçados ao TSE.
Pessoa envolvida
Quando o processo envolve família, não há consenso entre os especialistas sobre os impactos que a PEC dos recursos pode causar. Embora considere nobre a finalidade da proposta de evitar o uso protelatório dos recursos, a advogada Maria Berenice Dias afirma que também há um risco enorme na restrição. “Há casos em que é indispensável o efeito suspensivo. No Direito de Família, as situações mais vulneráveis que podem ser afetadas negativamente pela PEC são as vidas de crianças sobre as quais é discutida a guarda, direito de visita ou autorização de viagem”, diz.
A especialista diz que não se pode abrir mão da manifestação liminar dos Tribunais Superiores nesses casos, já que, com freqüência, eles alteram decisões das outras instâncias. “Ainda que a PEC seja aprovada, duvido que os ministros não vão fazer uso da excepcionalidade de agregar efeito suspensivo em determinados processos. Não se pode impedir que não haja nunca essa possibilidade”, diz. “Lidamos com pessoas e não com coisas”, completa.
Já o advogado Ricardo Zamariola afirma que , no Direito de Família, a alteração pode trazer impacto significativo nas causas que apresentam conteúdo econômico, como ações de indenização e partilha de bens. “No que diz respeito a ações de guarda e visitação não haverá impacto relevante, a meu ver. Isso porque, atualmente, as decisões de segunda instância nessas matérias já são imediatamente executáveis”, diz.
Além disso, afirma o advogado, ainda que se trate de uma execução provisória, ou seja, quando há recurso pendente, não se tem visto a exigência de garantia. “Afinal, a garantia dada pelo credor assegura o devedor contra eventual prejuízo econômico; mas, no caso das ações de guarda e visitação, não se está discutindo um direito que tenha expressão pecuniária. Não cabe falar em garantia.”
Para Zamariola, o trecho da PEC dos Recursos, que estabelece que, a nenhum título, haverá concessão de efeito suspensivo aos Recursos Especial e Extraordinário, é inconstitucional, pois fere a garantia da efetividade da tutela jurisdicional.
“O Supremo, em diversas ocasiões, já se manifestou no sentido de que o poder de cautela — exercido pelos juízes por meio das medidas de urgência, dentre as quais encontra-se a concessão de efeito suspensivo a recurso — é ínsito ao exercício da função jurisdicional.” Para o advogado, mesmo uma Emenda Constitucional não pode restringir o poder do juiz de proteger um direito que esteja sendo violado ou ameaçado de violação.
Incertezas na execução
Ricardo Zamariola tem dúvidas sobre a utilidade da PEC mesmo em casos que envolvem uma questão econômica, como ação de indenização. “Imagine que, hoje, seja proferida decisão condenando o marido a, por força de infidelidade conjugal, indenizar a esposa em R$ 100 mil. O marido recorre ao STJ e ao STF, com recursos especial e extraordinário. Em regra geral, hoje, essa decisão somente poderia ser executada de maneira provisória. Para receber o valor, a esposa teria de oferecer alguma garantia ao marido. Se ela não tiver condições de oferecer a caução, a execução provisória não prosseguirá, e a esposa não receberá, enquanto os recursos não forem julgados”, exemplifica.
Se a PEC for aprovada, no exemplo dado pelo especialista, a esposa receberia a indenização independentemente do resultado dos recursos apresentados pelo marido às Cortes Superiores. “Se, eventualmente, o marido viesse a sair vencedor, e a indenização fosse cassada, a obrigação reverteria em perdas e danos, e a esposa teria de devolver os valores”, diz.
Com um recurso pendente, diz, há incerteza. “Muitas pessoas, nessas condições, até receberão o que lhes é devido, mas terão o receio de, por exemplo, utilizar o dinheiro, até que os recursos sejam julgados”, constata. E não é só isso. No caso de uma discussão de partilha, em que a mulher obtivesse o direito à propriedade exclusiva de um bem disputado pelo marido nos tribunais superiores e pretendesse vendê-lo. Um terceiro interessado em comprar o imóvel, questiona Zamariola, iria adquiri-lo mesmo sabendo que há um recurso pendente? “O que a sociedade quer, o que a sociedade precisa, é de uma decisão definitiva no mais curto espaço de tempo possível."
LONGA, INCOMPLETA, MAS BOA E ATUAL?
Constituição de 1988: longa, incompleta, boa e atual - Por Robson Pereira - CONSULTOR JURÍDICO, 11/04/2011
A Constituição dos Estados Unidos recebeu 27 emendas em 224 anos de existência, a última delas em 1992, quando ficou decidido que aumento de salários para congressistas só valem para a legislatura seguinte. A do Brasil foi promulgada em 1988 e já recebeu 67 emendas constitucionais – uma a cada quatro meses, em média, sem contar as seis emendas constitucionais de revisão. A primeira alteração na Constituição Brasileira foi feita em 1992 e seguiu o exemplo dos EUA para os salários de deputados estaduais e vereadores. A mais recente, a de 67, foi publicada em dezembro do ano passado e prorrogou, por tempo indeterminado, o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
Mas a comparação entre as constituições do Brasil e dos Estados Unidos param por aí. Ou, pelo menos, não podem ser consideradas sob o ponto do tamanho ou das alterações no texto, uma vez que o próprio conceito de mudança não é absoluto. Não são raros os constitucionalistas brasileiros que defendem a tese de que a grande maioria das emendas tem origem na não-regulamentação de inúmeros dispositivos previstos no texto original e pouca correlação com a essência em si.
Um levantamento do próprio Congresso Nacional mostra que entre os 366 pontos sujeitos a regulamentação exatos 127 permanecem tal como foram incluídos no texto original em 1988. Por analogia, alegam alguns juristas, a Constituição seria “melhor” se todos os seus dispositivos tivessem sido regulamentados, o que praticamente triplicaria o número de emendas constitucionais, em um raciocínio puramente aritmético.
O constitucionalista Alexandre de Medeiros alia-se com aqueles que entendem que a Constituição do Brasil, ainda que não perfeita, é boa, atual “e não deve nada para as de outros países”. É boa, segundo ele, por ter permitido e contribuído para o fortalecimento de instituições como o Congresso, o Judiciário e o Ministério Público, o que garante uma maior efetividade dos direitos fundamentais. E atual, não porque tenha sido esse o objetivo dos constituintes nos 20 meses de trabalho consumidos até se chegar ao texto final, mas pelo fato de ser “genérica”, o que possibilita discussões sobre temas modernos, como pesquisas com células-tronco embrionárias e aborto de feto anencéfalo, entre outros.
Um efeito colateral, saudável, decorrente de tantas alterações e mesmo sobre a abrangência do seu texto diz respeito à demanda, cada vez maior, por informações sobre a Constituição Brasileira. O interesse – e mesmo a necessidade por parte de estudantes, professores e profissionais do Direito – pode ser mensurado pelo grande número de obras no mercado editorial sobre a Carta Magna, não apenas com a transcrição pura e simples, com as devidas atualizações, mas também com edições interpretadas e comentadas.
Não por acaso, alguns clássicos do Direito Constitucional, chegam a ganhar uma nova edição a cada ano, não apenas para abraçar as atualizações introduzidas pelas Emendas, como também para que fiquem em dia com a jurisprudência e a doutrina, em permanente construção, como mostra o Anuário da Justiça Brasil 2011, editado pela Conjur: teses que até pouco tempo atrás eram minoritárias no Supremo Tribunal Federal, o “guardião da Constituição”, hoje contam com entendimento majoritário, sem que entre uma posição e outra tenha ocorrido qualquer mudança no texto constitucional.
Abaixo, 10 sugestões de leitura atualizada para conhecimento ou consulta aos temas acima tangenciados sobre a evolução do texto constitucional brasileiro:
Livros
1. Constituição do Brasil Interpretada
Alexandre de Moraes – 8ª edição, 2011 – 2.480 páginas
Além de relacionar os pontos fundamentais da Constituição à doutrina e à jurisprudência, o autor explica a finalidade e aplicabilidade da interpretação constitucional, mostrando quem são os seus intérpretes e os métodos tradicionalmente usados na intetrpetação.
2. A Constituição Parcial
Cass R. Sunstein - 1ª Edição, 2009 - 462 páginas.
3. Emendas e Mutações Constitucionais
Wellington Márcio Kublisckas - 1ª Edição, 2009 – 292 páginas.
O livro aborda as características, as condicionantes e os limites dos mecanismos de alteração formal e informal da Constituição. O tema é pouco explorado no mercao editorial, o que torna o livro uma importante referência bibliográfica para profissionais e estudantes de Direito.
4. O Guardião da Constituição
Carl Schmitt - 1ª Edição, 2006 – 252 páginas.
A tese é polêmica, mas bem defendida pelo autor: a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é uma afronta à soberania. A partir desse raciocínio, Carl Schimitt, jurista, filósofo e político alemão, analisa qual deveria ser o papel das Cortes Constitucionais.
5. Transformação do Direito Constitucional
Bruce Ackermman - 1ª Edição, 2009 – 582 páginas.
Ao analisar o desenvolvimento histórico do constitucionalismo norte-americano, o autor, respeitado professor da Yale University,conclui que sua legitimidade decorre de “um processo criativo de adaptações institucionais e teóricas permanentemente vinculado aos interesses populares”.
6. Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal
Walber de Moura Agra – 1ª Edição, 2009 – 397 páginas.
Um grupo selecionado de juristas analisa a evolução do texto constitucional nos últimos 20 anos, com ênfase nas mudanças e na sua capacidade de atender – ou não – aos interesses da sociedade brasileira.
Internet
1. A cada 7 mil ações, Suprema Corte dos EUA julga cem
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy - artigo publicado na ConJur em 7 de março de 2011
Neste artigo, o autor torna menos espinhosa a tarefa de entender o funcionamento do modelo judiciário dos Estados Unidos. Entre os pontos abordados por ele, a composição e o perfil dos integrantes da Suprema Corte e o processo de escolha para cargos no judiciário.
2. Quadro resumo com todas as Emendas Constitucionais
Página do site da Presidência da República
O quadro mostra todas as Emendas Constitucionais feitas desde 1988, além do resumo de cada uma delas e a data de publicação no Diário Oficial. Quem quiser ou precisar mais, basta seguir os links existentes.
3. Quadro resumo de todas as Emendas Constitucionais de Revisão
Página do site da Presidência da República
Como a anterior, a página, mantida pela Presidência da República, relaciona as seis Emendas Constitucionais de Revisão promulgadas em junho de 1994, atendendo ao próprio texto constitucional.
4. Dispositivos constitucionais sujeitos a regulamentação
Página do site da Câmara dos Deputados
Nesta página, mantida pela Câmara dos Deputados, é possível saber o que foi e o que falta ser regulamentado na Constituição Brasleira e o estágio em que se encontram as discussões sobre os temas que ainda não foram regulamentados.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Muito boas as referências bibliográficas. Denominar a nossa constituição federal como longa e completa está correta, mas é contraditório afirmar que é boa e atual. Se é longa e incompleta não pode ser boa, e se só é boa para a garantia de privilégios de uma elite instalada no poder, para os corruptos e para o restante da bandidagem. Há muitos direitos, poucos deveres e nenhuma contrapartida. A maioria dos direitos para o cidadão são sonegados e utópicos, enquanto que os direitos corporativos são reservados e cumpridos. A constituição centralizou o transitado em julgado em poucos juízes instalados em cortes supremas de justiça, desmoralizando os tribunais regionais e juizes locais. Váris dispositivos já foram alterados sem uma assembléia constituinte, simplesmente para atender interesses escusos e financeiros que desvirtuaram a finalidade e o objetivo dos verdadeiros constituintes.
A Constituição dos Estados Unidos recebeu 27 emendas em 224 anos de existência, a última delas em 1992, quando ficou decidido que aumento de salários para congressistas só valem para a legislatura seguinte. A do Brasil foi promulgada em 1988 e já recebeu 67 emendas constitucionais – uma a cada quatro meses, em média, sem contar as seis emendas constitucionais de revisão. A primeira alteração na Constituição Brasileira foi feita em 1992 e seguiu o exemplo dos EUA para os salários de deputados estaduais e vereadores. A mais recente, a de 67, foi publicada em dezembro do ano passado e prorrogou, por tempo indeterminado, o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
Mas a comparação entre as constituições do Brasil e dos Estados Unidos param por aí. Ou, pelo menos, não podem ser consideradas sob o ponto do tamanho ou das alterações no texto, uma vez que o próprio conceito de mudança não é absoluto. Não são raros os constitucionalistas brasileiros que defendem a tese de que a grande maioria das emendas tem origem na não-regulamentação de inúmeros dispositivos previstos no texto original e pouca correlação com a essência em si.
Um levantamento do próprio Congresso Nacional mostra que entre os 366 pontos sujeitos a regulamentação exatos 127 permanecem tal como foram incluídos no texto original em 1988. Por analogia, alegam alguns juristas, a Constituição seria “melhor” se todos os seus dispositivos tivessem sido regulamentados, o que praticamente triplicaria o número de emendas constitucionais, em um raciocínio puramente aritmético.
O constitucionalista Alexandre de Medeiros alia-se com aqueles que entendem que a Constituição do Brasil, ainda que não perfeita, é boa, atual “e não deve nada para as de outros países”. É boa, segundo ele, por ter permitido e contribuído para o fortalecimento de instituições como o Congresso, o Judiciário e o Ministério Público, o que garante uma maior efetividade dos direitos fundamentais. E atual, não porque tenha sido esse o objetivo dos constituintes nos 20 meses de trabalho consumidos até se chegar ao texto final, mas pelo fato de ser “genérica”, o que possibilita discussões sobre temas modernos, como pesquisas com células-tronco embrionárias e aborto de feto anencéfalo, entre outros.
Um efeito colateral, saudável, decorrente de tantas alterações e mesmo sobre a abrangência do seu texto diz respeito à demanda, cada vez maior, por informações sobre a Constituição Brasileira. O interesse – e mesmo a necessidade por parte de estudantes, professores e profissionais do Direito – pode ser mensurado pelo grande número de obras no mercado editorial sobre a Carta Magna, não apenas com a transcrição pura e simples, com as devidas atualizações, mas também com edições interpretadas e comentadas.
Não por acaso, alguns clássicos do Direito Constitucional, chegam a ganhar uma nova edição a cada ano, não apenas para abraçar as atualizações introduzidas pelas Emendas, como também para que fiquem em dia com a jurisprudência e a doutrina, em permanente construção, como mostra o Anuário da Justiça Brasil 2011, editado pela Conjur: teses que até pouco tempo atrás eram minoritárias no Supremo Tribunal Federal, o “guardião da Constituição”, hoje contam com entendimento majoritário, sem que entre uma posição e outra tenha ocorrido qualquer mudança no texto constitucional.
Abaixo, 10 sugestões de leitura atualizada para conhecimento ou consulta aos temas acima tangenciados sobre a evolução do texto constitucional brasileiro:
Livros
1. Constituição do Brasil Interpretada
Alexandre de Moraes – 8ª edição, 2011 – 2.480 páginas
Além de relacionar os pontos fundamentais da Constituição à doutrina e à jurisprudência, o autor explica a finalidade e aplicabilidade da interpretação constitucional, mostrando quem são os seus intérpretes e os métodos tradicionalmente usados na intetrpetação.
2. A Constituição Parcial
Cass R. Sunstein - 1ª Edição, 2009 - 462 páginas.
3. Emendas e Mutações Constitucionais
Wellington Márcio Kublisckas - 1ª Edição, 2009 – 292 páginas.
O livro aborda as características, as condicionantes e os limites dos mecanismos de alteração formal e informal da Constituição. O tema é pouco explorado no mercao editorial, o que torna o livro uma importante referência bibliográfica para profissionais e estudantes de Direito.
4. O Guardião da Constituição
Carl Schmitt - 1ª Edição, 2006 – 252 páginas.
A tese é polêmica, mas bem defendida pelo autor: a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é uma afronta à soberania. A partir desse raciocínio, Carl Schimitt, jurista, filósofo e político alemão, analisa qual deveria ser o papel das Cortes Constitucionais.
5. Transformação do Direito Constitucional
Bruce Ackermman - 1ª Edição, 2009 – 582 páginas.
Ao analisar o desenvolvimento histórico do constitucionalismo norte-americano, o autor, respeitado professor da Yale University,conclui que sua legitimidade decorre de “um processo criativo de adaptações institucionais e teóricas permanentemente vinculado aos interesses populares”.
6. Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal
Walber de Moura Agra – 1ª Edição, 2009 – 397 páginas.
Um grupo selecionado de juristas analisa a evolução do texto constitucional nos últimos 20 anos, com ênfase nas mudanças e na sua capacidade de atender – ou não – aos interesses da sociedade brasileira.
Internet
1. A cada 7 mil ações, Suprema Corte dos EUA julga cem
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy - artigo publicado na ConJur em 7 de março de 2011
Neste artigo, o autor torna menos espinhosa a tarefa de entender o funcionamento do modelo judiciário dos Estados Unidos. Entre os pontos abordados por ele, a composição e o perfil dos integrantes da Suprema Corte e o processo de escolha para cargos no judiciário.
2. Quadro resumo com todas as Emendas Constitucionais
Página do site da Presidência da República
O quadro mostra todas as Emendas Constitucionais feitas desde 1988, além do resumo de cada uma delas e a data de publicação no Diário Oficial. Quem quiser ou precisar mais, basta seguir os links existentes.
3. Quadro resumo de todas as Emendas Constitucionais de Revisão
Página do site da Presidência da República
Como a anterior, a página, mantida pela Presidência da República, relaciona as seis Emendas Constitucionais de Revisão promulgadas em junho de 1994, atendendo ao próprio texto constitucional.
4. Dispositivos constitucionais sujeitos a regulamentação
Página do site da Câmara dos Deputados
Nesta página, mantida pela Câmara dos Deputados, é possível saber o que foi e o que falta ser regulamentado na Constituição Brasleira e o estágio em que se encontram as discussões sobre os temas que ainda não foram regulamentados.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Muito boas as referências bibliográficas. Denominar a nossa constituição federal como longa e completa está correta, mas é contraditório afirmar que é boa e atual. Se é longa e incompleta não pode ser boa, e se só é boa para a garantia de privilégios de uma elite instalada no poder, para os corruptos e para o restante da bandidagem. Há muitos direitos, poucos deveres e nenhuma contrapartida. A maioria dos direitos para o cidadão são sonegados e utópicos, enquanto que os direitos corporativos são reservados e cumpridos. A constituição centralizou o transitado em julgado em poucos juízes instalados em cortes supremas de justiça, desmoralizando os tribunais regionais e juizes locais. Váris dispositivos já foram alterados sem uma assembléia constituinte, simplesmente para atender interesses escusos e financeiros que desvirtuaram a finalidade e o objetivo dos verdadeiros constituintes.
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