A Constituição Brasileira, promulgada em 05/10/1988, é uma lei anacrônica, esdrúxula, imprópria para uma carta-magna, remendada para atender interesses do Poder e repleta de benevolências, privilégios e direitos sem deveres, obrigações ou contrapartidas . Fomenta centralização da justiça no STF, insegurança jurídica, morosidade da justiça, estado policial , ausência de civismo, desigualdades, desarmonia nos Poderes, centralização dos impostos na União, desordem pública e insegurança social. Jorge Bengochea

domingo, 29 de dezembro de 2013

EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO

Manzano 

FOLHA.COM 29/12/2013 - 03h00


Marcus Vinicius Furtado Coêlho



As eleições constituem o momento no qual pobres e ricos, empresários e trabalhadores, homens e mulheres, negros e brancos, todos temos que possuir direito à igual participação. Foi o que disse o advogado e libertador Nelson Mandela (1918-2013), já em 1944, na Liga Juvenil do Congresso Nacional Africano, quando lançou o manifesto Um Homem, Um Voto.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) luta por uma reforma política que seja capaz de equilibrar o pleito, mantendo na disputa aqueles que tenham ideias e propostas, e não apenas o poder econômico.

A OAB defende, principialmente, o princípio básico da igualdade de direitos políticos previsto na Constituição Federal brasileira.

Foi diante dessa prerrogativa que a OAB federal entrou, em 2011, com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a doação de empresas a partidos políticos e candidatos. A ADI 4.650 começou a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal neste mês.

Quatro ministros já votaram a favor da ação, reiterando que pessoas jurídicas não são cidadãos e por isso não possuem a legítima pretensão de participarem do processo político-eleitoral. O julgamento foi interrompido e ainda não foi estipulada data para a retomada.

O procurador-geral da República também concluiu pela inconstitucionalidade do financiamento de empresas nas eleições.

O investimento empresarial em campanhas eleitorais é inconstitucional por cinco fundamentos autônomos. A saber: as empresas não se enquadram no conceito de povo; a legislação que regula o financiamento é discriminatória por privilegiar quem possui mais renda; a proteção deficiente da legitimidade das eleições dificulta o controle das doações ilegais e do abuso de poder; a escolha constitucional define o partido político como a pessoa jurídica de direito privado apta a participar do processo eleitoral; e, por fim, permite que a renda influencie o processo eleitoral, ferindo a igualdade política entre os cidadãos, candidatos e partidos.

O que move a OAB é a Constituição. De acordo com ela, o Supremo Tribunal Federal tem a função de guardião da ordem jurídica. Ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil foi atribuída a função de voz constitucional da sociedade civil brasileira. A OAB é a classe protetora dos preceitos garantidos na Constituição.

O Brasil tem uma das campanhas eleitorais mais caras do mundo, consumindo cerca de 1% do PIB. Para se eleger no país, um deputado federal precisa arrecadar R$ 1 milhão, em média. E um senador precisa de R$ 4 milhões. Sendo, atualmente, 97% dos recursos fruto de doação de empresas. Nesse cenário, um cidadão sem recursos financeiros tem poucas chances de se eleger.

O problema se agrava: apenas 0,5% das empresas brasileiras concentram as doações eleitorais. São poucos os doadores e estes fazem contribuições expressivas, conseguindo manter relações próximas com os candidatos que patrocinam.

A OAB também luta pela criminalização do chamado caixa dois de campanha, instituindo penas que vão de dois a oito anos de prisão aos condenados. A iniciativa faz parte do texto do projeto de lei de reforma política Eleições Limpas, liderado pela Ordem, juntamente com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral.

Com o fim das doações de empresas, o volume de dinheiro à disposição de cada partido ou candidato será consideravelmente menor, o que tornará mais visível o uso de recursos ilegais. Dessa maneira serão realizadas campanhas mais modestas com ênfase no conteúdo. O dinheiro deixará de ser o protagonista das eleições brasileiras.

O único partido da Ordem dos Advogados do Brasil é a Constituição da República e a sua única ideologia é o Estado democrático de Direito.

MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO, 41, é presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

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domingo, 15 de dezembro de 2013

PT AFIRMA APOIO AO PLEBISCITO POPULAR PELA CONSTITUINTE EXCLUSIVA EM 2014

SUL 21 13/dez/2013, 14h16min



Plebiscito Popular será realizado em todo o país de 1º a 7 de setembro de 2014.

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, confirmou nesta quinta-feira (12) que o partido decidiu se associar às entidades do movimento social que estão convocando um Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva, previsto para ocorrer em setembro de 2014, durante a Semana da Pátria. O anúncio foi feito durante o 5º Congresso do PT, em Brasília. “Ao mesmo tempo em que lutamos no Congresso, o PT apoia todas as iniciativas voltadas para uma reforma política que acabe com o peso do poder econômico nas eleições, que amplie a participação das mulheres na vida política nacional e que aprofunde a participação popular nos processos políticos”, destacou o dirigente petista, reafirmando decisão que havia sido tomada no Diretório Nacional do partido, reunido em São Paulo no dia 18 de novembro de 2013.

Rui Falcão qualificou a Constituinte Exclusiva como “um instrumento fundamental para a realização de uma efetiva reforma política, como a presidenta Dilma e o PT defenderam no curso das manifestações populares de junho”. Além da reforma política, o presidente do PT anunciou que o partido vai se mobilizar por “outras reformas decisivas e urgentes: como a reforma urbana, a ampliação da reforma agrária e a aceleração de uma reforma tributária progressiva, que desonere a produção e os salários”.

A democratização da comunicação, segundo o dirigente, será outra prioridade do PT no próximo período: “numa época em que o mundo muda não apenas a sua forma de se comunicar, mas quando é a própria forma de se comunicar que muda o mundo, não podemos deixar de participar ativamente da formulação das políticas de aprimoramento e avanços do setor de comunicação”.

Nessa agenda estão o marco civil da Internet e a “necessidade inadiável de se promover a democratização da mídia, com a regulamentação dos artigos da Constituição que asseguram a liberdade de expressão, o pluralismo, a diversidade, e que proíbem, taxativamente, a existência de monopólios e oligopólios”. “Não nos deixaremos intimidar, jamais, por certas vozes poderosas que tentam confundir, deliberadamente, o sagrado direito de liberdade de expressão com o espúrio desejo de expressão exclusivo de seus interesses”, afirmou ainda Rui Falcão.

A iniciativa do plebiscito popular conta, até agora, com o apoio de 86 movimentos sociais de todo o país, que estão definindo um cronograma de mobilizações e debates em todo o Brasil até a coleta de votos que ocorrerá entre 1º e 7 de setembro de 2014. O plebiscito não tem valor legal, mas pretende funcionar como um espaço de articulação e mobilização de milhões de pessoas em todas as regiões do país em favor de uma Constituinte Exclusiva para realizar a eternamente adiada reforma política. As organizações que patrocinam a iniciativa já produziram uma cartilha sobre o tema e os objetivos do plebiscito.

Em junho deste ano, como resposta às manifestações que tomaram as ruas de diversas cidades do país, a presidenta Dilma Rousseff propôs a convocação de uma constituinte exclusivamente para debater e fazer a reforma política. A ideia foi prontamente bombardeada no Congresso pelas mesmas forças conservadoras que vem barrando, há anos, a aprovação de uma reforma no sistema político do país. A presidenta não falou mais no assunto, mas os movimentos sociais se articularam e resolveram, no mês seguinte, retomar a proposta e propor uma mobilização nacional em torno dela.

Como funcionaria uma Constituinte Exclusiva para a Reforma Política? Em linhas gerais, ocorreriam eleições diretas para que a população pudesse eleger representantes e formar uma assembleia com a atribuição de discutir a mudança do sistema político brasileiro. Pela proposta dos movimentos sociais, nesse processo, as campanhas dos candidatos já teriam financiamento público, voto em lista e paridade entre gêneros (mesmo número de homens e mulheres em cada chapa).

A Constituinte eleita seria soberana e tomaria decisões que não dependeriam do aval do Congresso para avançar. “Não adianta nada você tirar uma série de propostas e mandar para a Câmara e o Senado, que barraram as outras. Se for assim, teremos arremedos como essa minirreforma recente, que preserva o financiamento privado e permite que os candidatos continuem sendo eleitos com o patrocínio de grandes empresas e, claro, tenham o rabo preso com elas”, defende o diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Júlio Turra.

Para os movimentos sociais que estão patrocinando a proposta do plebiscito, a reforma do sistema político deve atuar em duas frentes: no aperfeiçoamento da democracia representativa, com a reforma do sistema eleitoral, e também no fortalecimento da democracia direta, incentivando mecanismos como a realização de referendos e plebiscitos.

A BOCA E A LÍNGUA DO JUSTO

15 de dezembro de 2013 | 2h 08


CELSO LAFER - O Estado de S.Paulo



A Constituição de 1988 é um marco da constitucionalização do Direito, vale dizer, do empenho de impregnar todo o ordenamento jurídico dos preceitos constitucionais, com destaque para a tutela dos direitos humanos, positivados de maneira abrangente no texto constitucional.

Nesse contexto, a Constituição ampliou as competências do Supremo Tribunal Federal (STF) e ensejou sua intervenção em temas sensíveis da vida política e social. São exemplos as decisões sobre pesquisas com células-tronco, aborto de anencéfalos, cotas raciais, demarcação de terras indígenas. Foi nesse quadro que o Supremo se foi abrindo para a sociedade por meio de audiências públicas e da aceitação de amici curiae em processos.

Emblemático nesse sentido, e antecipador dessas tendências, é o caso Ellwanger, decidido pelo STF em 2003, há dez anos, no qual teve determinante e destacada atuação o ministro Maurício Corrêa. Soube ele, no correr do processo, encaminhar, com discernimento e firmeza, os dois grandes temas submetidos à apreciação da Corte: 1) Antissemitismo é racismo?; e 2) a liberdade de manifestação do pensamento abrange a divulgação de escritos de ódio (hate speech) a que se dedicava Sigfried Ellwanger como editor e autor, publicando, de maneira sistemática e constante, livros de propaganda antissemita e de denegação do Holocausto?

O relator inicial do caso, ministro Moreira Alves, deu interpretação restritiva ao texto constitucional, que qualifica a prática do racismo como crime, e à correspondente legislação infraconstitucional especificadora do que constitui prática do racismo. Entendeu que a prática da discriminação racista incide exclusivamente contra o negro e que os judeus, não sendo uma raça, não se enquadram no âmbito das garantias constitucionais previstas.

O ministro Maurício Corrêa percebeu o equívoco dessa orientação, que não levava em conta nem a multiplicidade das origens da sociedade brasileira e, portanto, a amplitude de que se pode revestir o crime da prática do racismo, nem o sentido axiológico do artigo 3.º, IV, da Constituição de 1988, que estabelece como um dos objetivos da República Federativa do Brasil "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Pediu vista do processo e subsequentemente me instou a atuar como amicus curiae, tendo em vista que a decisão do STF seria de interesse da sociedade brasileira e teria repercussão geral.

O julgamento do caso Ellwanger concluiu-se em 17 de setembro de 2003. O ministro Maurício Corrêa foi o relator da ementa do acórdão, que concluiu: 1) O antissemitismo é uma prática de racismo, pois não existem "raças", mas apenas uma espécie, a espécie humana, e todos os seres humanos podem ser vítimas da prática de racismo; e 2) o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação do racismo". Registro, com admiração e respeito, suas palavras: "Escrever, editar, divulgar e comerciar livros 'fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias' contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade".

Escreveu ainda: "Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista".

Portanto, "a edição e publicação de obras escritas veiculando ideias antissemitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o Holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as consequências gravosas que o acompanham".

Sobre a liberdade de expressão, afirmou que se trata de garantia constitucional que não se tem como absoluta, já que há limites morais e jurídicos, e que o direito à livre expressão não pode abrigar manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal: "O preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o 'direito à incitação do racismo', dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os direitos contra a honra".

A sociedade brasileira deve a Maurício Corrêa uma leitura de repercussão geral não racialista do crime da prática do racismo e uma sensibilidade jurídico-política sobre os riscos, para uma sociedade democrática, dos escritos de ódio. E a comunidade judaica deve a ele, numa época de maré montante do antissemitismo, uma sensibilidade própria em relação à tutela dos seus legítimos direitos.

Antes da passagem bíblica em que Salomão decide a quem dar a criança objeto de disputa entre duas mulheres, há outra em que o jovem rei pede ao Senhor que lhe dê um coração compreensivo que lhe permitisse julgar, discernindo entre o bem e o mal. Foi um coração compreensivo dessa natureza que norteou o ministro Maurício Corrêa na condução do caso Ellwanger. Por isso cabe evocar o Salmo (37:30): "A boca do justo fala da sabedoria; e a sua língua fala do que é reto".

PROFESSOR EMÉRITO DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA USP


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Respeitando a opinião mais qualificada do professor emérito, penso que o fato da constituição ampliar  "as competências do Supremo Tribunal Federal (STF)", ensejando "sua intervenção em temas sensíveis da vida política e social", um dos maiores equívocos da carta magna, pois jogou responsabilizada em cima de poucos magistrados, sobrecarregando a corte maior de justiça, enfraquecendo os tribunais de justiça e promovendo uma morosidade que desacredita e torna inoperante a justiça brasileira.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O AMANHÃ DA CONSTITUIÇÃO



JORNAL DO COMERCIO 05/11/2013


Antonio Augusto d’Avila


O texto constitucional está repleto de belos direitos, porém, por si só eles não bastam, há grande distância entre o céu dos ideais e a rude matéria. Assim, várias conquistas sociais podem ser anuladas, de fato, por governos obesos, perdulários e ineficientes que utilizam vários eufemismos para justificar sua conduta liberal (com dinheiro alheio), mas provocam uma combinação variável, mas infalível: carga tributária extorsiva, inflação e dívidas. As duas primeiras, como regra, atingem os atuais cidadãos-contribuintes que podem lutar, protestar e até remover os dirigentes (ir)responsáveis. A terceira, em geral, atinge os que virão.

Em relação a esses, ao contrário, a Constituição é muito pobre. Afora as disposições sobre o meio-ambiente, muito pouco há. Pior, das poucas, a do art. 167 é quase desconhecida quanto ao seu alcance e, muitas vezes, é pisoteada pelos governantes. Em termos simples, ela proíbe que as chamadas despesas de custeio, tais como pessoal, diárias, viagens, festas, eventos, publicidade, material de consumo, manutenção de veículos etc, sempre infladas pelos desvios e desperdícios, sejam encobertas por empréstimos, ou seja, sejam jogadas nos ombros das futuras gerações. Com razão, além de injusta, essa prática é, no mínimo, covarde, pois, hoje elas não podem protestar e amanhã, quando puderem, a exemplo do RS atual, nada mais poderá ser feito, a não ser clamar e reclamar aos céus, como se a impagável dívida de lá tivesse caído.

Economista

terça-feira, 29 de outubro de 2013

SARNEY TÃO IMPORTANTE QUANTO ULISSES PARA A CONSTITUIÇÃO

FOLHA.COM 29/10/2013 - 14h25

Lula homenageia Sarney e diz que ele foi tão importante quanto Ulysses para a Constituição

GABRIELA GUERREIRO
RANIER BRAGON
DE BRASÍLIA


Em ato de comemoração aos 25 anos da Constituição de 1988, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez nesta terça-feira (29) uma homenagem pública ao também ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), dizendo que o peemedebista foi tão importante quanto Ulysses Guimarães (1916-1992) no processo de formulação da atual Carta Magna brasileira.

No período da montagem e promulgação da Constituição, Sarney era o presidente da República, Ulysses o presidente da Câmara dos Deputados e Lula um dos constituintes pelo PT, na época, oposição ao governo.

"Eu queria fazer reconhecimento de público. Ulysses Guimarães certamente foi o símbolo dessa Constituinte, coordenou com maestria numa situação muito difícil, em que o PMDB tinha 23 governadores e 306 constituintes, e que sozinho podia fazer o que queria. Eu tenho consciência que o senhor não teve facilidade, muito menos moleza. Quero colocar a sua presença na Presidência no período da Constituinte em igualdade de condições com o companheiro Ulysses Guimarães", discursou Lula no plenário do Senado.

Segundo o petista, o principal mérito de Sarney foi permitir que os constituintes fizessem livremente críticas a ele.

"Em nenhum momento, mesmo quando era afrontado no Congresso, o senhor levantou um único dedo, uma só palavra para criar qualquer dificuldades aos trabalhos da Constituinte, que certamente foi o trabalho mais extraordinário que o Congresso já viveu. (...) Por isso presidente Sarney, já que Ulysses não está entre nós, eu quero dizer claramente que o senhor merece a minha homenagem como comportamento digno como presidente da República, de permitir que nós disséssemos aqui dentro todos os desaforos que achávamos que tínhamos direito de falar contra o senhor", acrescentou Lula, se dirigindo a Sarney, que falara antes dele.
Pedro Ladeira/Folhapress

Ao lado do presidente do Senado, Renan Calheiros, o ex-presidente Lula recebe medalha em comemoração aos 25 anos da Carta


Apesar de o PT ter feito oposição ao governo Sarney e até hoje integrantes da legenda atacarem sua atuação política, Lula e o maranhense patrocinaram uma aliança que perdura até hoje após o petista chegar ao poder, em 2003. Em sua fala, Lula também exaltou as políticas sociais do governo Dilma Rousseff e voltou a criticar aqueles que negam a política, dizendo que se os jovens e a imprensa tivessem lido biografias de presidentes como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek eles saberiam que a "avacalhação" de políticos e da política resulta em ditadura.

"Na história desse país, se a juventude lesse a biografia do Getúlio, Juscelino e outras biografias, possivelmente as pessoas não iriam desprezar a política e muito menos a imprensa não ia avacalhar a política como avacalha hoje. (...) O que aparece quando se nega a política, é uma pessoa praticando ditadura, praticando políticas que não condizem com aquilo que nós acreditamos", afirmou.

As referências que Lula têm feito sobre a negação da política têm como alvo os protestos de rua contrário aos partidos políticos e o discurso defendido pela ex-senadora Marina Silva, para quem é preciso acabar com o atual modo de se fazer política no país. Em sua fala, Lula não fez menção à sua declaração de 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição, segundo a qual havia "300 picaretas" no Congresso.

Também participaram do ato no Senado o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e outros políticos que participaram da Constituinte. O hino nacional foi cantado por Fafá de Belém, tratada como "musa" da campanha das Diretas-Já.

Convidados, os ex-presidentes Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) não compareceram. O tucano afirmou aos organizadores que não iria devido a uma diverticulite. Não houve justificativa, durante o evento, para a ausência de Collor.

UM CONTO DE DUAS CIDADES


O Estado de S.Paulo, 29 de outubro de 2013 | 2h 06

Lembrando Dickens: um conto de duas cidades
Oliveiros S. Ferreira*



Charles Dickens escreveu Um Conto de Duas Cidades. Uma, Londres: o rei, o Parlamento, a "leal oposição de Sua Majestade". Outra, Paris. Nela, o Terror jacobino, o Tribunal de Salvação Pública, a guilhotina. E um Robespierre lógico: "O rei não deve ser julgado; se for julgado, pode ser absolvido".

Imaginei como servir-me da ideia esboçando duas cidades no Brasil atual. Uma, a da Constituição, acolhendo os que defendem as liberdades individuais e, agora, coletivas; a das instituições contra o assalto não dos aristocratas, mas dos que são supostos a sonhar com um regime autoritário. Outra, menor que a primeira, mas nela se abrigando e ostentando em volta dos carros incendiados a bandeira negra da anarquia. Encapuçados e mascarados passeiam pelas ruas à busca de símbolos daquilo contra o que estão, para destruí-los. Alguns poucos deles terão memória de que, depois da guilhotina, houve as baionetas de Napoleão, cujo triunfo deixou um grande vazio demográfico na França.

As muralhas da cidade da Constituição são extensas como a da China e na guarda de seus muros se impõe caminhada tão longa e tão penosa que o cansaço perturba a mente dos que se dispõem a defendê-las. O sol das liberdades faz que vejam miragens e se imaginem Pimpinela Escarlate - herói romântico - que salvará não o rei preso nas masmorras, mas Marianne, símbolo da República, que corre o risco de ser de novo violada. Vivem e mourejam pelos símbolos de uma cidade que já não tem bandeira que a todos abrace. Os camuflados incógnitos erguem a da anarquia, fazendo da Constituição sua defesa e do molotov sua arma. O cidadão, que a Constituição prometeu acolher em seus braços, já não existe como ser real. Está sangrando.

Isso tudo são meras reflexões literárias que mal conseguem descrever cenas reais. Não conseguem porque, de tanto ouvir dizer que nos devemos unir numa "comunidade latino-americana", vivemos um universo fantástico, em que tudo é simbólico.

O Tribunal de Contas da União determina que funcionários do Senado devolvam o que receberam contrariamente ao que a Lei dispõe. Em sua defesa, estes alegam ter recebido de "boa-fé". Quem autorizou pagar também agiu de boa-fé - fundamento dos atos administrativos. A Lei e a decisão do órgão que zela por ela são símbolos da República com que sonhamos. Nada mais - pois todos agimos de boa-fé, símbolo de nossa inocência e de nossa cidadania.

O reitor da USP desce de sua magnificência e pede à Justiça que lhe devolva o prédio onde deve trabalhar, prédio público ocupado durante greve que, tudo indica, também é simbólica. Sim, porque a Reitoria não poderá alterar o critério da lista tríplice para a escolha do reitor. A Justiça nega ao reitor o direito de trabalhar no próprio que é do Estado porque a reintegração de posse com certeza implicará violência, que não é simbólica, mas real. Ademais, a greve é manifestação prevista na Constituição e para resolvê-la, que se negocie. Apesar de tudo, é preciso que a Justiça seja respeitada, porque é ela que defende os valores maiores, para cuja defesa se fez a "Cidadã". Então, os alunos que desocupem o prédio, espontaneamente, em 60 dias. Afinal, o prédio da Reitoria é propriedade do Estado - perdão, da USP, que é autônoma! -, portanto, simbolicamente, é de todos os professores, alunos e funcionários, portanto, é de ninguém. Se é de ninguém, a propriedade dele é um símbolo. Respeitemo-lo.

Sem máscara - para quê? - podemos destruir um laboratório de pesquisa e levar conosco centenas de animais. Para a polícia, houve furto - a invasão e a destruição são danos colaterais. Simbólicos, pois.

Tudo se passa num universo fantástico e, por isso mesmo, simbólico. Tudo é simbólico e fantástico ("ilusório, irreal, fantasmagórico, caprichoso e também simulado, inventado" como se lê no Aurélio) porque a política é simbólica. O "partido" Rede não conseguiu ser ente política e juridicamente real. Sua líder e a cúpula do PSB reúnem a imprensa para comunicar alguma coisa. Marina diz para todos: "É uma filiação simbólica". E, ato contínuo, assina a ficha que lhe permite ser membro do PSB e, se possível, candidata a qualquer coisa em 2014. Foi uma assinatura simbólica - "caprichosa" ou "inventada"? Foi simbólica para salvar a face, mas real para poder impor, ao partido legal e real, alguns aliados e recusar outros.

Se o que é real se transformou em simbólico, o que era simbólico se transformou em real porque assim alguém quis - e assim a cidade da Constituição de fato reconheceu, como direito inalienável de qualquer cidadão, um agir simbolicamente. Não é o que fazem os mascarados?

A Paris que Dickens retratou não nasceu do nada, não veio como um raio no céu azul. Robespierre elegeu-se para os Estados Gerais como um pacato advogado. As circunstâncias fizeram dele o guardião da virtude, o inimigo da Justiça e o defensor da guilhotina. Os guardiões das muralhas da cidade da Constituição semearam há tempos, fantasticamente, está claro, as sementes das máscaras. Semearam o mal quando os "atrasos da Justiça" não puniram os que destruíram plantações experimentais; quando amigos do rei invadiram o Congresso Nacional, depredando-o; quando a escola ficou vazia de professores.

O assalto à ordem não oferece riscos porque a anarquia tem os defensores das muralhas da cidade da Constituição como seus porta-estandartes.

Dickens não falou da cidade que sucedeu à de Robespierre. Seria bom nos lembrarmos de que Beethoven reescreveu a dedicatória da 3.ª sinfonia ao saber que Napoleão, o revolucionário, se proclamara imperador. Não impediu que seu 5.º concerto fosse conhecido como "Imperador" porque um granadeiro de Napoleão, ouvindo-o, saudou-o aos gritos de "viva o imperador".



*Oliveiros S. Ferreira é professor da USP e da PUC-SP e membro do Gabinete e Oficina de Livre Pensamento Estratégico. Site: www.oliveiros.com.br

sábado, 12 de outubro de 2013

POLÍTICAS PUBLICAS MUITAS VEZES TRAEM OS PROPÓSITOS DA CARTA


Análise: Políticas públicas muitas vezes traem os propósitos da Carta


LEVA LAVINAS
ESPECIAL PARA A FOLHA



Foi na primavera, 25 anos atrás. Promulgada a nova Constituição, lê-se no seu artigo 6º que "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados".

Prover, proteger, amparar, prevenir contra riscos e incertezas: o essencial nos foi enfim reconhecido, extensivo a todos sem senões, mulheres e homens, rurais e urbanos, negros, pardos, indígenas ou brancos.

A uniformidade e a equivalência nos benefícios e nos serviços, a universalidade da cobertura e do atendimento e a irredutibilidade nas garantias constitucionais conformaram a identidade de condições que nos faltava para juntos forjarmos uma sociedade igualitária, mais homogênea, mais justa e também, em consequência, mais eficiente.

Assegurados valores e princípios, o desafio dos últimos 25 anos consiste em dispor de mecanismos regulatórios e normas que garantam, de forma reiterada e permanente, cumulativa, essa identidade de condições entre todos os cidadãos. Tecer laços sociais fortes, reciprocidades, que nos recordem, a cada experiência compartilhada, que nos relacionar como iguais é o que há de nos construir como nação.

Editoria de Arte/Folhapress



Afinal, nosso nacionalismo arraigado e reconhecido internacionalmente como vantagem haveria de contribuir para superar essa profunda desigualdade que nos aparta, munidos que estamos de preceitos constitucionais de equidade e justiça social.

Mas ela pouco se move, essa desigualdade. Houve um ligeiro recuo, promissor, é verdade, mas acanhado, resultado, sobretudo, do crescimento com emprego e da centralidade que a Carta Magna conferiu ao salário mínimo ao vinculá-lo a direitos e benefícios. E à norma que foi criada para indexá-lo promovendo redistribuição. Essa, uma boa norma.

Por que tantos tropeços, tantas frustrações nessa trajetória se a direção a seguir nos conforta?

Há quem julgue equivocadamente que tais tropeços se devem à falta de recursos para garantir aquilo que constitui o compromisso político público de construir uma sociedade de iguais.
Pressuposto falso. A engenharia do desenho do orçamento da seguridade social, por exemplo, foi uma belíssima inovação institucional, que gera receita para honrar benefícios previdenciários, assistenciais e prover saúde pública e universal. Toda a população brasileira contribui, e os mais pobres, com maior esforço.

Com crescimento e formalidade, o orçamento da seguridade é não apenas superavitário, mas engorda o orçamento fiscal com dezenas de bilhões anualmente. Só em 2012, foram desviados R$ 58 bilhões que poderiam universalizar a provisão da atenção básica, que hoje atende --e mal-- a só 50% da população.

Porém, em lugar de expandir a atenção básica, crescentemente nas mãos do mercado privado de saúde, que funciona na restrição da oferta de serviços, impondo o subconsumo e, portanto, perda de bem-estar, ouve-se de gestores públicos ser necessário "focalizar para universalizar"!

Definem-se "doenças da pobreza", como prioritárias no atendimento aos pobres, comprometendo o grande diferencial que tem o Brasil "vis-à-vis" outros países em desenvolvimento: um sistema único e universal de saúde, que não carece de recursos para funcionar satisfatoriamente, senão de uma gestão pública consequente e respeitosa de uma institucionalidade definida constitucionalmente. O setor público entroniza a regra do mercado e faz da renda o mecanismo de acesso à proteção em caso de contingência.

Da mesma maneira, a regulação à pobreza se faz na contramão do que reza a Constituição. Condicionalidades são exigidas dos reconhecidamente pobres, para que lhe seja garantido o que de direito. E se faz deles não iguais, tornando ilegítimo o direito derivado da necessidade.

A institucionalidade forte da nossa Constituição é permanentemente ameaçada por regras inadequadas e perniciosas que muitas vezes formatam a política pública e desfiguram seus propósitos.

A estrutura da governança econômica --expressão emprestada a Samuel Bowles-- explica distorções na rota da equidade. O problema não reside no traçado dos nossos sonhos, mas na forma como se faz a gestão da política pública, que atropela e invalida valores universais que elegemos como nossos.

O mercado se expande, cresce o consumo. Isso é bom? Certamente, mas insuficiente, pois a equidade padece. Ela não se mede pela incorporação ao mercado. É tempo --ainda e sempre-- de primaveras que façam florescer nossos ideais de igualdade, palpáveis, factíveis e constitucionalmente amparados.

LENA LAVINAS é professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


25 ANOS E 112 TEMAS À ESPERA DE UMA LEI

FOLHA.COM 05/10/2013 - 03h00

Carta faz 25 anos com 112 temas à espera de uma lei


RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO



Vinte e cinco anos após sua promulgação, o arcabouço legal previsto na Constituição de 1988 continua incompleto. Um levantamento recente feito no Congresso identificou 112 leis mencionadas explicitamente no texto constitucional que deveriam ter sido criadas, mas até hoje não foram.

No meio jurídico, as normas inexistentes são conhecidas como "leis faltantes".

Entre elas estão as regulamentações para greve de servidores públicos, crime de terrorismo, licença paternidade, produção regional para rádio e TV, trabalho escravo e vacância de presidente da República e vice.

Presidida pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), a comissão mista do Congresso sobre o tema pretende acelerar a aprovação dessas leis.

Até agora, três das 112 faltantes passaram pelo grupo. Aprovadas pelo plenário do Senado, estão agora paradas esperando a apreciação da Câmara."Estamos fazendo nossa parte", diz Vaccarezza. "Quero regulamentar [na comissão] no mínimo mais dez até o fim do ano".

Ainda que o cenário mais otimista da comissão se confirme, o total de leis faltantes no país pode até aumentar. A razão são as sucessivas emendas constitucionais aprovadas pelo próprio Congresso. Desde 1988, foram 80, número considerado alto por juristas e acadêmicos.





"Há muitas emendas que acrescentam novas exigências. Prometem leis que depois não são feitas", lembra Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal.

Para o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e assessor da Assembleia Constituinte, a responsabilidade pelo acúmulo de leis faltantes deve ser dividida entre os congressistas de 1988, os que vieram depois e o próprio STF.

"Vi isso várias vezes [em 1988]. Quando não se chegava a algum consenso, o constituinte remetia para futura regulamentação, empurrava com a barriga. Essa solução ajudou a avançar nos trabalhos, é verdade. Mas acho que houve um pouco de abuso."

Castro diz que o Congresso não cumpriu com seu dever posteriormente. E atribui parte da culpa ao STF por não ter dado "eficácia" ao chamado mandado de injunção, instrumento legal previsto na própria Constituição para pedir regulamentação de algo que não foi regulamentado.

"Provocado, o STF só notificava o Congresso. Se tivessem entendido que mandado de injunção é uma garantia concreta e agido ativamente, duvido que o Congresso iria demorar tanto para legislar", afirma o constitucionalista.

ARTIGOS VIRARAM INCISOS PARA DIMINUIR A CARTA

FOLHA.COM 10/10/2013 - 03h29

Ex-ministro Nelson Jobim afirma que artigos viraram incisos para 'diminuir' a Carta


RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO

Em debate sobre os 25 anos da Constituição realizado anteontem naFolha, o ex-ministro Nelson Jobim descreveu uma solução curiosa adotada pelos constituintes para aplacar os comentaristas que, já em 1988, criticavam o tamanho do texto constitucional.

"Quando se falou que a Constituição era enorme, que tinha 500 artigos, o que fizemos? Transformamos os artigos em parágrafos. No artigo 5º, aqueles incisos todos e parágrafos eram textos autônomos. Aí se reduziu e isso satisfez os críticos", disse.

Jobim, que participou da elaboração da Carta como deputado pelo PMDB, lembrou que a Constituição nasceu grande porque teve muita participação popular, mas também porque, segundo ele, era mais fácil aprovar um texto constitucional do que uma lei.


Bruno Poletti/Folhapress

Nelson Jobim, Uirá Machado, Luís Roberto Barroso e Virgílio Afonso da Silva durante debate sobre os 25 anos da Constituição


"A lei precisa passar pela Câmara, Senado, pelo Executivo, veto e rejeição do veto", disse. "Era mais fácil aprovar o texto constitucional porque tinham duas votações em dois turnos num plenário só."

Em uma de suas intervenções, o ministro do STF Luís Roberto Barroso criticou o tamanho do texto constitucional, "prolixo, casuístico e corporativista", a quantidade de emendas --80 desde 1988-- e a "judicialização da política e das relações sociais".

Em relação ao tamanho e as 80 emendas, o constitucionalista Virgílio Afonso da Silva foi menos crítico. "Mudaram detalhes. Mas o cerne da Constituição continua o mesmo desde 1988", afirmou.

SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO É UM ENGODO

FOLHA.COM 10/10/2013 - 03h29

Barroso diz que sistema eleitoral brasileiro é 'um engodo'


RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO



Em debate sobre os 25 anos da Constituição promovido terça-feira (8) à noite pela Folha, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso classificou o modelo de eleição para deputados federais, estaduais e vereadores como "um engodo".

"Há uma ficção no Brasil de que o eleitor vota no seu candidato, quando menos de 10% dos eleitos são eleitos com votação própria", disse. "Os candidatos são eleitos com o quociente eleitoral. Mais de 90% dos membros da Câmara são eleitos sem votação própria."

Para exemplificar, ele citou o deputado Tiririca (PR-SP), o mais votado do país em 2010, com 1,3 milhão de votos.

"Quem deu um voto de protesto no Tiririca elegeu também Valdemar Costa Neto (PR) e Protógenes Queiroz (PC do B). Não estou fazendo juízo de valor [...]. Estou apenas dizendo que o voto no Tiririca era para ser talvez um voto de protesto que elegeu um político tradicional", afirmou. "Portanto, o voto proporcional em lista aberta acaba sendo um engodo", completou.

Na verdade, a votação de Tiririca em 2010 ajudou a eleger outros três da mesma coligação, mas não Valdemar. Além de Protógenes, foram beneficiados Otoniel Lima (PRB) e Vanderlei Siraque (PT).

Bruno Poletti/Folhapress

Nelson Jobim, Uirá Machado, Luís Roberto Barroso e Virgílio Afonso da Silva durante debate sobre os 25 anos da Constituição


Ainda sobre o tema, Barroso disse que o Brasil precisa "desesperadamente" de uma reforma política capaz de baratear as eleições, "raiz de boa parte dos problemas de corrupção", ajudar na formação de maiorias estáveis no Congresso e dar "autenticidade programática" aos partidos.

Segundo ele, "o cenário partidário brasileiro é devastado por legendas de aluguel que comprometem a dignidade da política".

O debate sobre a Constituição também contou com as presenças de Nelson Jobim, ex-ministro do STF, ex-ministro da Justiça e deputado constituinte, e Virgílio Afonso da Silva, professor de direito da USP. O mediador foi o jornalista Uirá Machado, editor de "Opinião" da Folha.

BALANÇO

Apesar de alguns reparos, eventuais críticas ao seu tamanho e ao número de emendas, o balanço dos debatedores a respeito dos 25 anos da Constituição é favorável.

Virgílio, que classificou o período como "francamente positivo", lembrou de uma frase dita pelo então presidente José Sarney, ainda durante a Assembleia Constituinte, segundo a qual o Brasil ficaria "ingovernável" com a nova Carta. "Ocorreu justamente o contrário. Há 25 anos de estabilidade democrática", disse.

Para ele, seria impossível agradar a todos ou agradar alguém por completo. "Mas quem conhece a história do Brasil e a história dos direitos não tem dúvida em afirmar que o saldo é positivo."
Como exemplo positivo da estabilidade, Nelson Jobim recorreu ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, pouco tempo após a promulgação.

"O presidente era processado e o governo andou. Houve um acordo político para isso. Então as instituições funcionaram. Com conflitos, mas isso é evidente, pois sempre tem conflito", afirmou.

O ministro Barroso destacou a transição "bem sucedida" do regime autoritário para um Estado democrático de direito, a estabilidade institucional e o que chamou de "desenvolvimento de uma cultura democrática, de tolerância e respeito aos direitos fundamentais".

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

TRANSFORMANDO A IMPUNIDADE EM CLÁUSULA PÉTREA

PORTAL MÍDIA SEM MÁSCARA, 09 OUTUBRO 2013 


Os 25 anos da Carta que está transformando a impunidade em cláusula pétrea

JOSÉ MARIA E SILVA | 


Batizada de “Constituição Cidadã” por Ulysses Guimarães, a Constituição de 88, que completa um quarto de século, corre o risco de se tornar a “Constituição da Barbárie”, caso continue transformando direitos fundamentais em salvo-conduto.

A Constituição da Re­pú­blica Federativa do Brasil está completando 25 anos. Às 15h50 do dia 5 de outubro de 1988, o presidente da Assembleia Na­cional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães (PMDB), em pé, erguendo na mão esquerda um exemplar da nova Constituição, afirmou em meio aos aplausos dos parlamentares e populares que lotavam o Congresso Na­cional transformado em Cons­tituinte: “Declaro promulgada!... O documento da liberdade, da dignidade, da democracia e da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude que isso se cumpra!” Um ano, oito meses e quatro dias antes, em 1º de fevereiro de 1987, havia sido instalada a Assembleia Nacional Consti­tuinte, que, depois de 612 dias de pressões, debates, negociações e, sobretudo, expectativa, conseguiu finalmente consolidar o texto da nova Constituição do País.

Ulysses Guimarães fez questão de dizer em seu discurso de promulgação da Carta que o Brasil contava, em 1988, com 30,4 milhões de analfabetos, ou “afrontosos 25% da população” sem saber ler e escrever. Com bases nesses dados, o presidente da Constituinte advertiu: “A cidadania começa com o alfabeto”. Mas aquela estatística de Ulysses Gui­marães não era precisa. Na verdade, era quase fraudulenta. Fazia de conta que a taxa de analfabetismo permaneceu no mesmo patamar de 25,9% do Censo de 1980, quando, na verdade, ela foi reduzida para 19,7% no Censo de 1991, quando o Brasil tinha 18,6 milhões de analfabetos. Como no Censo de 1980 o Brasil tinha 19,3% de analfabetos, os 30 mi­lhões de analfabetos do “Dr. Uly­sses” em 1988 eram puro chute. A não ser que se contassem os analfabetos funcionais, que continuam sendo bem mais do que um quarto da população ainda hoje.

Naquele tempo, todos os indicadores sociais negativos do Brasil eram inflados pelos formadores de opinião e pela ONU, fazendo o País disputar a copa mundial da miséria com os piores países africanos, banhados pelo sangue de guerras étnicas. Até 2002, a Fundação Getúlio Vargas estimava haver 50 milhões de miseráveis no Brasil. E, na imprensa, só se falava da fome etíope que assolava esses miseráveis. Mas eles só existiam nessas estatísticas lunáticas dos acadêmicos, ensandecidos pela ideologia marxista. Na vida real, os supostos miseráveis estavam virando obesos.

Essa tendência niilista só mudou a partir de 2003, com a eleição do santificado Luiz Inácio Lula a Silva. Então, do dia para a noite, esses mesmos formadores de opinião e burocratas da ONU tornaram-se mais otimistas do que o Pangloss de Voltaire e passaram a enxergar no Brasil um país de primeiríssimo mundo. Numa só canetada, tiraram 40 milhões de pessoas da miséria e criaram uma nova classe média de fazer inveja aos países escandinavos. Mas, quando a Constituição de 88 foi promulgada, no ano de 15 a.L. (“antes de Lula”), o Brasil ainda era a Etiópia e se jogou nos ombros da nova Carta toda a responsabilidade de transformá-lo numa Suécia.

Casamento da demagogia com o sonho
Provêm daí os grandes males da Constituição de 88. Ela nasceu do casamento da demagogia com o sonho. E nesse encontro entre o demagogo e o sonhador, nem é preciso dizer qual vontade prevalece. A demagogia era tanta que a Cons­ti­tuição de 88 chegou a estabelecer, em seu artigo 192, inciso VII, parágrafo 3º, que as taxas de juros reais não poderiam ser superiores a 12% ao ano.

Na época, o economista Delfim Neto, então constituinte, apesar de ter tabelado os juros várias vezes quando ministro do regime militar, ironizou esse dispositivo constitucional, dizendo que seus defensores só tinham dois exemplos de constituições que tabelaram juros: a da Nica­rágua e a de Guiné-Bissau, o que mostrava, segundo ele, de que era feito o progressismo dos constituintes de esquerda.

Como foi solenemente ignorado por todas as políticas econômicas que se sucederam entre Sarney e Lula, o artigo 192 acabou sendo am­putado da Carta pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003, restando dele so­mente três linhas, que, sensatamente, remetem para leis complementares a regulamentação do sistema financeiro nacional. Convém salientar que o tresloucado tabelamento dos juros e outras diatribes anticapitalistas do artigo 192 tinham sido impostos por pressão das esquerdas, especialmente o PT de Lula. E coube justamente a Luiz Inácio Lula da Silva, como presidente da Re­pú­blica, repudiar o discurso demagógico que o levou a ser eleito em 2002 e a orientar sua maioria no Congresso Nacional para amputar o referido artigo. O que não impede o ex-presidente de continuar posando de “Pai dos Pobres” e arauto do socialismo.

A Constituição de 88 foi movida pelo espírito das barricadas de Paris e quis levar a imaginação ao poder. Prova disso é que os constituintes preferiram não trabalhar sobre um anteprojeto estabelecido, para orgulho de Ulysses Guimarães. Em seu discurso de promulgação da “Constituição Cidadã”, ele assim descreveu seus bastidores: “Foi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna. O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final. A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de 10 mil postulantes franquearam, livremente, as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parla­mento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões”.

Xenofobia econômica dos empresários
A obra aberta que foi a As­sembleia Nacional Constituinte tornou-se um terreno fértil para espertezas de todos os lados. O empresariado cartorial do País, acostumado a usar o Estado como escudo contra a concorrência estrangeira, juntou-se ao corporativismo dos sindicatos de trabalhadores para instituir na Constituição o máximo de protecionismo para a empresa nacional. O artigo 219 da Carta é um exemplo claro de xenofobia econômica, que só prejudica o consumidor-contribuinte. Eis o que o referido artigo diz: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.

Felizmente, com o advento da Era FHC, a partir da nomeação do sociólogo Fernando Henrique Car­doso para ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, em 21 de maio de 1993, esse artigo da Constituição se tornou letra morta. Caso contrário, não teria sido possível debelar a inflação. O sucesso do Plano Real só foi possível porque as medidas monetárias, como a implantação da URV em 1º de março de 1994, foram acompanhadas por reformas estruturais, especialmente a privatização das estatais, a reestruturação do sistema bancário e a abertura de mercado. A livre concorrência dos produtos importados abarrotou as prateleiras dos supermercados, impedindo que os preços subissem às alturas, como ocorreu durante o desabastecimento do fracassado Plano Cruzado.

Mas desde 2003, com o advento da Era Lula, o malfadado artigo 219 voltou a valer. E, com isso, revela toda a sua natureza. O mercado interno só é um patrimônio nacional na cabeça equivocada dos socialistas. Na prática, ele é patrimônio dos grandes empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e de suas congêneres pelo País afora, aboletados nas associações comerciais e industriais de cada Estado, com suficiente poder político para eternizar seus incentivos fiscais. Da mesma forma, os trabalhadores sindicalizados, com o objetivo de proteger seus empregos, aliam-se a esse empresariado, muitas vezes com consequências funestas para a economia como um todo.

Exemplo recente dessa notória privatização do patrimônio nacional é a desastrada política desenvolvida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A pretexto de criar um forte empresariado nacional, capaz de concorrer no mercado externo, o BNDES expolia toda a nação em benefício de alguns privilegiados. Em seu livro “Privatize Já” (Editora Leya, 2012), o economista Rodrigo Constantino observa que o BNDES tornou-se uma verdadeira “Bolsa-Empresário” durante o governo petista: “O BNDES já recebeu mais de 300 bilhões de reais em aporte de capital do Tesouro nos últimos anos, e cerca de 70% de seus desembolsos vão para grandes empresas, que pagam taxas de juros subsidiadas. Trata-se de um “orçamento paralelo” do governo, que transfere bilhões dos pagadores de impostos a esses poderosos grupos”.

Em nota na sua coluna “Ra­dar” de 13 de junho último, na re­vis­ta “Veja”, o jornalista Lauro Jardim contou que, desde o início do ano, “o governo Dilma resolveu dar uma ajudinha àqueles que desejam comprar ou trocar o seu avião particular”. Um programa do BNDES “passou a subsidiar com juros camaradas” as vendas de jatos executivos da Embraer. “São dez anos para pagar, com um juro camarada de 3% ao ano”, diz o jornalista. E, para efeitos de comparação, eu acrescento: os juros cobrados pela Caixa Eco­nô­mica Federal na compra de imóvel residencial pelo Sistema Finan­ceiro de Habitação giram em torno de 8,5% ao ano. Como se vê, trata-se de uma verdadeira extorsão dos mais pobres para beneficiar os mais ricos, mas se alguém, acertadamente, ousa chamar essa política do BNDES de criminosa, esbarra no artigo 219 da Constituição, que manda fortalecer o mercado interno.

Um inferno de boas intenções
Mas esse não é o pior crime que o inferno de boas intenções da Constituição de 88 patrocina. Talvez o aspecto mais nefasto da “Cons­tituição Cidadã” seja o seu festejado artigo 5º, uma verdadeira Cons­ti­tuição à parte, com 78 incisos e mais de 100 dispositivos. Esse artigo compõe, sozinho, um capítulo da Constituição, o Capítulo I do Título II, intitulado “Dos Deveres In­di­viduais e Coletivos”. Mas a palavra “deveres” no título desse capítulo só pode ser uma ironia. Como observa o historiador Marco Antonio Villa, no livro “A História das Cons­ti­tuições Brasileiras” (Editora Leya, 2011), a palavra “garantia” aparece 46 vezes no texto constitucional e “direitos” aparece 16 vezes, enquanto a palavra “deveres” aparece apenas 4 vezes.

Para piorar ainda mais, a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, parida já pela maioria mensaleira de Lula, transformou o Brasil numa sucursal dos aloprados da Organiza­ção das Nações Unidas (ONU), a moderna Inter­na­cional Socia­lista, ao acrescentar ao artigo 5º o parágrafo 3º: “Os tratados e convenções internacionais so­bre direitos humanos que forem apro­vados, em cada Casa do Con­gresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Ou seja, o Brasil passou a se submeter à vergonhosa política de direitos humanos da ONU, que só serve para proteger criminosos comuns nos países democráticos, ao mesmo tempo em que faz vistas grossas diante da tortura de presos políticos em ditaduras comunistas como Cuba.

Com escolta, na contramão da lei
Agora mesmo, os doidivanas da ONU, em parceria com os ideólogos da USP, estão fazendo de tudo para aprovar a malfadada “Lei da Pal­ma­da”, que pretende criminalizar uma mãe de família comum por um tapinha qualquer no bumbum do filho, ao mesmo tempo em que presenteia drogados assassinos com regalias penais absurdas, que colocam em risco a segurança de toda a sociedade.

No interior de São Paulo, na semana passada, um usuário de drogas de 21 anos queria que o pai lhe desse dinheiro para comprar drogas. Como seu pai recusou o pedido, ele se armou com facas e se pôs a ameaçar a família. A polícia foi acionada e, ao chegar à residência, num bairro de Sorocaba, foi recebida pelo rapaz com duas facas nas mãos. Ele ameaçou furar os policiais, entrou no carro, travou as portas e saiu em disparada. Um dos policias teve que saltar para não ser atropelado.

A perseguição começou por volta das 22 horas do sábado, 28 de setembro. Depois de percorrer em altíssima velocidade algumas ruas residenciais, o jovem entrou – na contramão – na movimentada Rodovia Castelinho, que dá acesso à Rodovia Castello Branco, com destino à capital paulista. Ele lançava seu carro sobre os outros veículos e, segundo a imprensa local, na medida em que percorria a rodovia na contramão, aumentava o número de viaturas do Patrulhamento Tático Móvel e do Patrulhamento Tático Ostensivo da Polícia Rodoviária. Enquanto acompanhavam a trajetória furibunda do rapaz, os policiais tentavam alertar os outros motoristas para se desviarem dele.

Na cidade de Itu, o rapaz continuou acelerando seu veículo e quebrou a cancela da praça de pedágio. Na cidade de Salto, ele deu um cavalo de pau no Fiat Uno que dirigia e resolveu retornar – sempre em altíssima velocidade. Quebrou outra cancela da praça de pedágio, tentou abalroar um motociclista e entrou novamente no perímetro urbano da cidade de Sorocaba, sempre mantendo o excesso de velocidade. Quando o trânsito do centro da cidade o impediu de prosseguir, ele parou de uma vez, tentou manobrar o veículo e atingiu três viaturas da polícia. Então, desceu do carro com duas facas nas mãos e, novamente, ameaçou matar os policiais, que finalmente conseguiram imobilizá-lo.

Bem, o que isso tem a ver com o aniversário de 25 anos da Cons­tituição de 88? Tudo. O artigo 5º da Constituição é o responsável por essa barbárie que acabo de descrever. Prestem atenção: um rapaz de 21 anos, depois de tentar extorquir dinheiro da família para comprar drogas, corre desembestado por uma movimentada rodovia do maior Estado do País, na contramão, ao longo de 30 quilômetros, quebrando cancelas de pedágio e atirando seu veículo até sobre motociclistas. E consegue fazer o mesmo percurso de volta, oferecendo os mesmos danos e riscos para terceiros, até adentrar novamente a cidade de onde saiu. Tudo isso, escoltado por diversas viaturas policiais que se limitam a alertar os demais motoristas para se desvirem de seu caminho.

Meu Deus do Céu! Que desgraça de País é esse, cuja polícia – deixando de agir em nome da civilização, da humanidade e da vida de pessoas inocentes – não atira no veículo de um celerado desses para fazê-lo parar? Em qualquer nação civilizada e democrática do mundo, a polícia cumpriria seu dever: tão logo esse drogado entrasse numa rodovia em contramão, ainda por cima atirando seu carro sobre outros veículos, ele seria abatido como se abatem as feras. Sei que esse é o sentimento íntimo de todas as pessoas de bem e de bom senso que ainda não foram moralmente entorpecidas pela ideologia criminosa das universidades. E se elas se calam por medo de serem consideradas desumanas, eu não tenho medo de dizer o óbvio: polícia, se preciso for, deve matar – em legítima defesa da sociedade. Que saibam disso o Ministério Público, a OAB e as Defensorias Públicas.

Constituição faz de jovens crianças
Esse jovem de 21 anos que – escoltado pela própria polícia – colocou em risco a vida de dezenas de pessoas inocentes já é resultado da Emenda Constitu­cional nº 65, que acrescentou o termo “jovem” ao artigo 227 da Constituição. Essa emenda expandiu para marmanjos de até 29 anos os direitos absolutos de crianças e adolescentes, a partir de sua regulamentação pelo Estatuto da Juventude, aprovado pelo Congresso Nacional no início do ano passado. Procurem no dicionário todos os sinônimos de “famigerado”, “insano” e “irresponsável” e qualifiquem por mim tanto a Emenda Constitu­cional nº 65 quanto o Estatuto da Juventude. Não há outro modo de defini-los. A condescendência cada vez mais comum do Estado com os jovens adultos que enveredam pelo mundo das drogas e do crime já é fruto dessa mudança para pior na Constituição de 88.

Infelizmente, no Brasil, o artigo 5º da Constituição deixou de ser o capítulo “Dos Direitos e De­veres Individuais e Coletivos” para ser o capítulo “Da Im­punidade Indi­vidual e do Ônus Coletivo”. Se, para salvar os inocentes que trafegavam pela rodovia, um policial tivesse atirado no carro do celerado e ele saísse ferido ou morto, o pobre do policial iria padecer nas mãos do Mi­nistério Público e das ONGs de direitos humanos. E a Defensoria Pública, regiamente paga pelos contribuintes, ainda entraria com uma ação contra o Estado para indenizar o rapaz (se ferido) ou sua família (se morto).

Não se trata de um fato isolado. Eu poderia escrever um livro do tamanho do romance “Guerra e Paz” de Tolstói se fosse enumerar somente os casos recentes em que as “garantias individuais” do artigo 5º da Constituição de 88 foram interpretadas de modo equivocado pelas autoridades, que não cumpriram seu dever em defesa do cidadão de bem.

Nas cadeias, por exemplo, isso é recorrente. Em Goiás, os administradores do antigo Cepaigo demonstraram orgulho em abolir as revistas íntimas das visitas dos presos, sob o pretexto de que seria uma afronta aos direitos humanos fazê-las sem o detector de metal. Ocorre que, ao priorizar o bem-estar das visitas em detrimento da segurança pública, as autoridades penitenciárias contribuíram para que o antigo Cepaigo se tornasse um quartel-general do crime, à custa do sangue inocente da população, morta em latrocínios a mando de criminosos presos, que, nessa condição, não deveriam continuar sendo um enorme perigo, como, de fato, são.

Na semana passada, segundo noticiou a imprensa nacional, um homem acusado de estuprar e assassinar uma mulher de 53 anos, detido há um mês no presídio da cidade goiana de Planaltina, no entorno de Brasília, foi liberado pelo juiz Carlos Gustavo Fernan­des de Morais, sob a justificativa de que o presídio estava superlotado, tendo atingido sua capacidade máxima de 136 presos. Por acaso, quando um trabalhador vai entrar no ônibus e percebe que o mesmo atingiu sua lotação máxima, ele tem o direito de faltar ao trabalho e ter o dia abonado sob a alegação de que seus direitos humanos não lhe permitem andar feito sardinha em lata? Ora, se uma pessoa honesta, a caminho do trabalho, não tem esse direito, por que um criminoso – que usou seu livre arbítrio para delinquir – merece tanta regalia por parte da Justiça?

E a decisão do juiz goiano, convém lembrar, não significa apenas uma regalia indevida para o criminoso, travestida de garantia dos direitos humanos – ela também coloca em risco a vida de pessoas inocentes. O criminoso em questão não é um mero suspeito – além de estuprar e matar a senhora de 53 anos para roubar, ele tentou esganar a neta da vítima, uma criança de apenas 4 anos.

É incrível como muitos promotores, magistrados e defensores públicos, ao mesmo tempo em que são ferrenhos defensores do Estado laico, acreditam piamente em milagre. Só a fé cega em milagre para não se perceber que o latrocida e estuprador solto pela Justiça goiana fatalmente vai cometer outro crime de estupro ou assassinato. Agora, perguntem se a vítima anunciada de seu futuro crime hediondo terá promotor ou defensor público acionando o Estado para indenizar seus parentes, como têm os criminosos que posam de vítimas do Estado?

E a impunidade garantida pela Justiça com base no artigo 5º da Constituição é para todos. Pes­quisem na internet as fotos da mais recente invasão da reitoria da USP. Vão encontrar alunos mascarados, com marreta e pé-de-cabra, quebrando a porta da reitoria. Chegaram a usar até uma placa de sinalização arrancada de um estacionamento para pessoas com deficiência, num crime de dupla depredação – contra o patrimônio público e contra os direitos humanos das pessoas com deficiência física.

A despeito desse ato de barbárie praticado por estudantes que deviam servir de exemplo para o País, o juiz Marcos Pimentel Tamassia, da 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, considerou a conduta criminosa dos estudantes da USP apenas um “ato de manifestação”. Ele recusou o pedido de reintegração de posse feito pela reitoria da USP e determinado que seja realizada uma “audiência de conciliação” entre a reitoria e os estudantes. É a Justiça brasileira instaurando a barbárie através da abolição de todos os deveres, com base no artigo 5º da Constituição – que já é ruim por si mesmo e fica ainda pior na mão de juristas que trocam Ruy Barbosa por Michel Foucault.

Sombrio futuro do Brasil
Já é um absurdo que as instituições de ensino não possam expulsar sumariamente estudantes arruaceiros e criminosos, dependendo de lerdas e lenientes ações judiciais. Isso reserva para o País um futuro sombrio. Se a própria Justiça entende que até um estudante da USP pode usar marreta e pé-de-cabra como argumentos, o que se deve esperar de um bandido comum senão que esfole e queime viva a sua vítima? É por isso que abomino a ideia tão propalada de reforma política. O Brasil precisa é de uma reforma moral, mas para isso seria necessário fazer outra Constituição, já que o artigo 5º figura entre as cláusulas pétreas.

Aliás, o conceito de cláusula pétrea é uma bobagem tipicamente brasileira. Toda Constitui­ção, se feita com seriedade, busca ser perene; logo, almeja ser inteiramente pétrea. Mas, para ser longeva, precisa ser enxuta. Como a Cons­tituição de 88 mais parece um manifesto de grêmio livre, cheia de boas intenções inconsequentes, os próprios constituintes perceberam que ela não ficaria de pé por muito tempo e introduziram no texto constitucional a necessidade de sua revisão dentro de cinco anos.

A revisão de 93 não deu em nada, mas a Constituição de 88 já tem 74 emendas, o que dá uma média de 2,6 emendas constitucionais por ano. E, como observa o historiador Marco Antonio Villa, é o Congresso comum que re­forma o trabalho da Cons­tituinte: “Se um simples Con­gresso poderia revisar a Carta, nada garantia que isso pudesse se repetir ‘ad infinitum’, como vem ocorrendo até os dias atuais”.

Apesar de ser a terceira mais duradoura da história do Brasil, a Constituição de 88 ainda é uma criança. A Constituição do Im­pério, outorgada por Dom Pedro I, continua sendo a mais longeva – durou 67 anos, de 1824 a 1891. A segunda mais duradoura foi a primeira Constituição republicana, vigente durante 43 anos, de 1891 a 1934. Mas, durante um bom período, foi letra morta, pois os governos militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto não respeitavam nem habeas-corpus.
As demais constituições republicanas tiveram vida curta. A Cons­tituição de 1946, elaborada no pro­ces­so de redemocratização pós-Vargas, durou apenas 21 anos. Foi su­bstituída pela Constituição de 1967, promulgada durante o regime militar e profundamente emendada dois anos depois, sem contar as mutilações dos diversos atos institucionais. Já a Cons­tituição do Estado Novo durou apenas nove anos, enquanto a primeira Carta de Var­gas, a de 1934, morreu em três anos.

Em síntese, o constitucionalismo brasileiro nada tem de sólido, como se pensa. O Supremo e sua arrogância, não passa de um santo com pés de barro. Se tivemos seis constituições em apenas 122 anos de República (o que dá uma média de 20,3 anos de vida para cada uma delas), quem garante que a Cons­tituição de 88 será mesmo perene, como proclamou o Dr. Ulysses?

Tudo bem que a Constituição de 88 já conseguiu superar em cinco anos a idade média de nossas constituições. Mas perto da Carta Magna inglesa (1215), que completa 800 anos em 2015, ou da Constituição dos Estados Unidos (1787), que já soma 226 anos, ela não passa de uma criança. E duvido muito que alcance a modesta maturidade da Cons­tituição do Império, caso continue sendo interpretada à luz do relativismo de Michel Foucault, como vem ocorrendo. Cláusula pétrea é a sobrevivência da nação – e ela não suportará por muito tempo esse ritmo crescente de barbárie promovido à luz de sua Lei Maior. A “Constitui­ção Cidadã” está se tornando uma “Constituição Suicida”.



Publicado no Jornal Opção.

José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - MUITO BOM! COM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR, VOU UTILIZAR A CONCLUSÃO COMO TÍTULO DO MEU BLOG.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A CONSTITUIÇÃO E SEUS RESULTADOS




ARENA JURÍDICA

O ESTADO DE S.PAULO 07.outubro.2013 12:30:19

por Carlos Ayres Britto*

A Constituição de 1988 admite comparação com o ser humano, quando se trata de avaliar seus merecimentos e desmerecimentos. Os parâmetros são os mesmos: o discurso e a prática. É que o primeiro costuma ser melhor do que a segunda. Donde se dizer que, na prática, “a teoria é diferente”. Não raro, uma diferença tão gritante que faz lembrar a velha e sempre nova metáfora do “sepulcro caiado”: por fora, uma clara e asséptica demão de tinta; por dentro, a escuridão a se dar muito bem com a podridão.

Não é o que sucede com a nossa Constituição, completado o seu primeiro quarto de século. Ela é muito boa no discurso e os frutos que até agora produziu não ficam muito distantes em qualidade. É só conferir os dados em sua objetividade, a partir de algumas instâncias que são referenciais inafastáveis. Trabalhemos com alguns deles, pelo prisma da atuação do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e da própria sociedade civil, a título de amostragem.

Que fez o Congresso Nacional, legislativamente? Bem, nos últimos 25 anos, legou-nos diplomas jurídico-positivos que arejaram mesmo a Economia do País, nossa vida político-institucional e também a de cunho social-genérico, de que servem de ilustração as seguintes leis:de defesa da concorrência, da micro e pequena empresa, de falência, de licitações, de defesa e proteção do consumidor, do Idoso, Maria da Penha, de improbidade administrativa, de responsabilidade fiscal, da Ficha Limpa, de criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.

Sem falar das emendas constitucionais que asseguraram autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas Estaduais e incluíram no rol dos direitos fundamentais a razoável duração do processo e a alimentação (emendas 45 e 64, respectivamente).

Já o Supremo Tribunal, atuando com aquele grau de independência que chega a ser elemento conceitual do Estado de Direito (BalladoriPallieri), proferiu as históricas decisões da liberação do uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa científica e terapia humana, da proibição do nepotismo em todas as esferas do poder público, da fidelidade partidária, da Raposa-Serra-do sol, da liberdade de imprensa em plenitude, do humor no rádio e na televisão (mesmo em ano de eleição popular), da Marcha da Maconha, da interrupção de gravidez de feto anencéfalo, das cotas sociais e raciais (PROUNI), da união estável entre pessoas do mesmo sexo, da possibilidade de acumulação de salários com proventos da aposentadoria espontânea, da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, da Lei Maria da Penha e do poder correicional do Conselho Nacional de Justiça (exemplar forma institucional de democracia interna do Poder Judiciário).

Quanto ao modo coletivo de pensar e praticar a vida, o recente fenômeno do povo nas ruas evidenciou uma bem mais clara consciência em torno de certos links ou então de certas ideias da mais estratégica importância. Passemo-los em revista: a) o dinheiro que desce pelo ralo da corrupção é exatamente o que vai faltar para o financiamento dos serviços públicos e dos direitos sociais mais elementares, como saúde, educação, transporte e casas populares; b) a moralidade administrativa é dever de todo administrador público a que corresponde o direito dos cidadãos a um governo ético (é de Thomas Jefferson a afirmação de que “a arte de governar consiste exclusivamente na arte de ser honesto”); c) ninguém pode se atribuir o poder de colocar-se acima da lei, porquanto feita, republicanamente, para todos; d) “o como se governa” prepondera sobre “quem governa” (Bobbio), pois o que interessa mesmo é saber se existe lei a cimentar a ação do poder público e se essa lei foi aplicada por um modo impessoal, moral, público e eficiente.

Claro que ainda há muito chão pela frente, até que internalizemos as virtudes todas de uma Constituição que ainda fez do controle externo sobre os agentes públicos a quarta função do Estado. Para o que habilitou por modo eficaz os tribunais de contas, o Ministério Público, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a própria cidadania, erigida, esta, a fundamento do nosso Estado de Direito. Constituição, em suma, que teve o inexcedível mérito de fazer da democracia o seu mais alto princípio. A sua menina dos olhos. Fazendo-o, além do mais, por uma relação de unha e carne com a plena liberdade de imprensa, de sorte a também se plenificar como o regime político das maiores possibilidade de legitimação pelo exercício. Pela prática sustentada ou de retroalimentação.

Pelo exemplo cotidiano, pois o fato é que “mais vale um grama de exemplo que uma tonelada de palavras”, conforme sábio provérbio chinês. Salve, pois, o primeiro quarto de século da Constituição que, em momento de feliz inspiração e presciente orgulho nacional, Ulysses Guimarães batizou de “Constituição-cidadã”.
*Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF e do TSE, é mestre e doutor em direito constitucional pela PUC de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Letras jurídicas

sábado, 5 de outubro de 2013

CRISE DE IDENTIDADE



Constituição Brasileira: após 25 anos, ainda em crise de identidade
A “Constituição Cidadã”, promulgada em 1988, trouxe avanços e criou obstáculos ao crescimento – contradições reproduzidas na realidade brasileira

LEANDRO LOYOLA

05/10/2013 10h00 - Atualizado em 05/10/2013 13h24


“CIDADÔ
Ulysses Guimarães ergue a Constituição, em 1988. Em 25 anos, o texto já cresceu 39%, com
74 emendas (Foto: Lula Marques/Folhapress)


O então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, a ergueu como se fosse um troféu. Ao ser formalmente apresentado à nação, o livro com a metade da bandeira do Brasil na capa era um trabalho inigualável. A nova Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, garantia uma gama de direitos individuais, sociais e políticos inédita na história do Brasil. Era uma grande conquista para um país que, com apenas 99 anos de história republicana, acabara de sair de seu segundo período ditatorial. Neste sábado (5), a Constituição brasileira completa 25 anos, num país de comprovados avanços, mas ainda em busca de uma clara identidade. Após um quarto de século, o Brasil gerado a partir da Constituição reproduz as contradições do documento. Combina mecanismos de regime parlamentarista, num país presidencialista. Liberal nos costumes e nos direitos políticos, ofereceu retrocessos no modelo econômico. Imperfeita como todas, a Carta de 1988 expressa as contradições daquilo que o Brasil deseja ser.

O espírito da Constituição brasileira é a igualdade de todos perante a lei, o direito de eleger governantes, o direito a uma vida digna e livre. Os direitos políticos estão plenamente assegurados. Desde 1989, as eleições transcorrem sem sobressaltos. O Congresso tem de votar projetos de lei de iniciativa popular. Organizações com apoio popular podem questionar a legalidade de medidas no Supremo Tribunal Federal (STF). O racismo tornou-se crime inafiançável. Índios são tratados, ao menos perante a lei, como cidadãos. Mais frágeis, crianças, adolescentes e idosos são protegidos por uma legislação específica. Um consumidor pode enfrentar uma empresa caso se sinta injustiçado. Está garantido o direito de todo cidadão a uma aposentadoria e a ser tratado gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS). A partir daí, nasceu o Bolsa Família, um dos mecanismos responsáveis por tirar milhões da miséria.

Os constituintes que escreveram o texto, entre 1º de fevereiro de 1987 e 2 de setembro de 1988, estabeleceram mecanismos que obrigam o governo a aplicar um percentual do Orçamento em educação e saúde. Eles optaram por atribuir ao Estado brasileiro, e não aos cidadãos, parte da responsabilidade por seu sustento. Esse Estado de bem-estar social criado em 1988 tem um preço – e está claro que não é baixo. Para bancar esse assistencialismo, o governo é voraz na cobrança de impostos: retém o equivalente a 36% do PIB, o índice mais alto entre os países emergentes. Sobra pouco para investir e criar condições para que os brasileiros se desenvolvam e se sustentem sozinhos. Vinte e cinco anos depois, essa opção não redundou em excelência nos serviços prestados. As escolas públicas ainda formam semianalfabetos e os hospitais públicos deixam morrer pacientes nas filas de espera. Não por acaso, o Brasil é o país emergente que menos cresce.

O Estado de bem-estar social criado em 1988 tem um preço – e está claro que não é baixo

Assim como na economia, parte das conquistas da “Constituição Cidadã” precisa de reformas. As garantias para cidadãos de bem são distorcidas para manter a maior parte dos corruptos com mandato a salvo de punições – com benefícios. Apenas neste ano, o primeiro deputado federal foi para a cadeia por cometer crimes. Partidos políticos ainda nascem por casuísmo. Um cidadão chamado Amarildo pode ser parado pela polícia na favela onde mora, ser preso e desaparecer. Sumiços como esse estavam entre os crimes mais temidos pelos constituintes, traumatizados pela ditadura militar. Pois eles ainda ocorrem. Ainda assim, as instituições começam a funcionar. O caso do mensalão é um alento, com todos os tropeços. Políticos corruptos da mais alta esfera do poder não só foram investigados, como condenados, com o respeito a todas as regras e garantias individuais proporcionadas pela “Constituição Cidadã”.

A Constituição brasileira, uma das mais extensas do mundo, nasceu com 245 artigos e 1.627 dispositivos. Foi feita num momento profícuo da política, por gente como Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Jarbas Passarinho, Roberto Campos, Delfim Netto, Florestan Fernandes, Nelson Jobim, Luís Eduar­do Magalhães, Affonso Arinos, Nélson Carneiro, José Serra, Roberto Freire, entre outros. Não há como negar que eram tempos melhores na política e no Congresso Nacional. Desde então, o texto cresceu 39%, com 74 emendas e 638 novos dispositivos. Há no Congresso 1.527 propostas de mudança e 110 dispositivos que ainda precisam ser regulamentados. A Constituição contém em si mesma o antídoto para todos os defeitos citados. Seu texto permite aos brasileiros insatisfeitos modificá-la. Se isso não é feito, é por culpa ou incompetência de todos.

MARCO DA DEMOCRATIZAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FAZ 25 ANOS FRACA

REVISTA VEJA 5/10/2013 - 07:49

Legislação. Marco da redemocratização, Constituição faz 25 anos 

Reportagem de VEJA mostra como a Carta Magna fez do Brasil um país democrático, mas suas fraquezas intrínsecas impedem que ela desfrute, ao completar 25 anos, da aura de outras Cartas, como a americana
Gabriel Castro e Daniel Jelin




Longo caminho - Gente comum celebra em Brasília a abertura da Constituinte (no topo) e protesta contra as mazelas do país (ao lado): esperanças realizadas pela metade (André Dusek/Estadão Conteúdo e João Ramid)

As fotos que ilustram esta página mostram dois momentos da história recente em que o Congresso Nacional foi tomado por pessoas comuns. A primeira data de 1º de fevereiro de 1987: enquanto no plenário da Câmara se instalava a nova Assembleia Constituinte, do lado de fora centenas comemoravam nas ruas e escalavam a cúpula desenhada por Oscar Niemeyer. A segunda é um flagrante da noite de 17 de junho de 2013, quando uma multidão marchou por Brasília para protestar, gritar palavras de ordem, pedir “mudança”. A primeira foto fala da esperança de que uma nova Constituição pudesse lançar as bases de um país democrático e moderno. A segunda lembra que a esperança só se cumpriu em parte. Não há dúvida de que a democracia avançou no Brasil no último quarto de século e de que a Constituição teve um papel essencial nesse processo. Mas é significativo que na miríade de cartazes levados às ruas durante as manifestações de junho, e na enxurrada de mensagens postadas nas redes sociais, a Carta raramente tenha sido mencionada como um ponto de referência simbólico. Quando ela se tornou assunto, foi de modo negativo: em resposta àqueles que expressavam na rua o seu repúdio à corrupção e à classe política, o governo sugeriu, de maneira funesta, que se reformasse o sistema político por meio de uma “Constituinte específica”. Entre o esquecimento dos manifestantes e o perigoso arroubo do Executivo, fica claro que a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 não desfruta, em seu 25º aniversário, da aura quase sagrada de que se reveste, por exemplo, a Carta dos Estados Unidos. Por que isso aconteceu? Em grande parte, devido às suas fraquezas intrínsecas. O que não significa que ela não deva ser, para além de respeitada, defendida.

100 visões da Constituição de 1988




Em todas as 341 sessões consumidas na redação da Carta Magna, o fantasma do regime militar permaneceu na assembleia ao lado dos constituintes. Isso deixou uma marca profunda no texto final, que não se limita a elencar alguns direitos fundamentais. Para assegurar que os abusos da ditadura não se repetissem, os constituintes crivaram o texto de dispositivos “garantistas”. Pelas mesmas razões, o ambiente era propício para que todas as vozes e todos os pleitos que gozassem de alguma representatividade - e tivessem sido calados nos anos anteriores - fossem acolhidos. Hoje senador, Paulo Paim (PT-RS) admite que se esforçou para incluir no texto o máximo de dispositivos trabalhistas: “Eu tinha clareza de que tudo aquilo que ficasse gravado, só com uma emenda à Constituição, que exige três quintos dos votos, poderia ser retirado. Por isso, trabalhei muito para que o tratamento do tema fosse o mais amplo possível”, diz ele. A declaração de Paim reflete bem o espírito com que os constituintes abordaram sua tarefa e explica por que a Constituição pode ser descrita como prolixa (a décima mais extensa do mundo), segundo dados do projeto Comparative Constitutions (CCP), paternalista (apenas dez fixam mais direitos) e quase surrealmente detalhista: ela incluiu até mesmo um parágrafo dedicado à administração do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Como muitos direitos previstos necessitam de leis para se materializar, criou-se um enorme ônus de regulamentação: ainda hoje, 112 dispositivos aguardam nessa fila.



Anatomia da Carta de 1988


Constituições comparadas


As sete constituições da história do Brasil


Os mais graves pecados foram cometidos na área econômica. O exemplo notório é o artigo 192, do capítulo que trata da ordem financeira. Ele fixou em 12% o teto da taxa de juros no Brasil. “Foi um desastre”, lembra o economista Maílson da Nóbrega, que era ministro da Fazenda em 1988. “A Constituição reforçou o dirigismo um ano antes da queda do Muro de Berlim e incorporou preconceitos infantis contra o capital estrangeiro, a empresa privada e os direitos de propriedade.” Nos anos que se seguiram à promulgação, os artigos sobre economia e tributação se chocaram continuamente com a realidade. E o pragmatismo, felizmente, acabou prevalecendo sobre o pensamento mágico. A maior parte das 74 emendas aprovadas desde 1988 tem a ver com esses dois temas. No começo dos anos 90, por exemplo, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, os dispositivos que limitavam a entrada de capital estrangeiro foram derrubados, permitindo revoluções como a da telefonia. Segundo um estudo recente realizado pelo gabinete do constituinte e atual senador Francisco Dornelles (PP-RJ), a lógica tributária instituída pela Carta de 1988 foi totalmente desmontada nos últimos 25 anos. Ah, sim: o artigo sobre os juros de 12% foi expurgado em 2003.

Seja pela necessidade de desfazer o que não faz sentido, seja pela necessidade de regulamentar o que foi deixado em aberto, o fato é que a Constituição brasileira nunca atingiu a plena eficácia em seus próprios termos. É instrutivo, mais uma vez, o paralelo com a Constituição americana - exemplo máximo de Carta “sintética”. Promulgada em 1789, ela cuidou unicamente de fixar um sistema de governo, criando pesos e contrapesos para a atuação de cada um dos três poderes, e de estabelecer os limites da atuação do governo central, assegurando a autonomia dos estados. A famosa Bill of Rights (Carta de Direitos), coleção de dez emendas que tratam das garantias individuais, só veio à luz em 1791 - e mesmo assim depois de muito debate sobre a conveniência de incluir ou não regras desse tipo na Constituição. O desenho austero faz com que a Constituição americana mantenha seu vigor, apesar dos mais de dois séculos de vida.
Testemunha da história


Os constituintes esquecidos


Atolados em processos


VEJA pediu a mais de 100 políticos, empresários, intelectuais e artistas brasileiros que falassem sobre a Carta de 1988 (os testemunhos podem ser lidos na edição para tablet e no site de VEJA). Muitos reconhecem avanços no texto que enterrou o arbítrio do regime militar, mas a nota que soa com maior frequência é a do ceticismo em relação a ela. “A nossa Constituição dá margem a muita confusão”, diz o cantor Ney Matogrosso. “Para mim, a Constituição é coisa para inglês ver - e ingleses nem têm Constituição”, diz o filósofo Luiz Felipe Pondé. “A Constituição de 1988 foi um avanço, um marco, um símbolo da conquista de todos os brasileiros. Mas já estou querendo saber é da nova Constituição, de dois mil e...”, brinca o humorista Fábio Porchat.

A Constituição não é perfeita. Mas também é verdade que redigir uma Constituição é trabalho para momentos históricos especiais - aqueles em que uma sociedade passa por ruptura ou transição. Fora dessas circunstâncias, o trabalho de uma Assembleia Constituinte, em vez de expressar uma vontade comum, construída em meio ao ruído e a duras penas, pode expressar tão somente a vontade do grupo político momentaneamente mais forte. “Soa aventureiro e até mesmo irresponsável clamar por uma Constituinte ou querer colocar um termo nesta Constituição”, diz o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. 

A Carta de 1988 é o marco da redemocratização do país, e nem seus críticos questionam sua legitimidade. Bem ou mal, o texto proporcionou o mais longo período ininterrupto de democracia que o país já atravessou. Não é o caso, portanto, de ceder à tentação de reformá-la em grandes blocos, muito menos de deitar abaixo o edifício inteiro. É o caso de depurá-la, segundo os mecanismos que ela mesma prevê. O especialista em direito comparado americano Tom Ginsburg, um dos mentores do CCP, lembra que a Carta de 1988 já nasceu sob críticas. “Alguns estudiosos previam que ela não duraria nem cinco anos”, diz. “Ao contrário, ela tem ajudado o país a construir uma base de governança e pelo menos parcialmente motivou iniciativas para tornar a sociedade mais justa. Há um longo caminho pela frente, mas, por ser flexível e contar com mecanismos para a sua reforma, o Brasil pode seguir com ela nessa caminhada.”