A Constituição Brasileira, promulgada em 05/10/1988, é uma lei anacrônica, esdrúxula, imprópria para uma carta-magna, remendada para atender interesses do Poder e repleta de benevolências, privilégios e direitos sem deveres, obrigações ou contrapartidas . Fomenta centralização da justiça no STF, insegurança jurídica, morosidade da justiça, estado policial , ausência de civismo, desigualdades, desarmonia nos Poderes, centralização dos impostos na União, desordem pública e insegurança social. Jorge Bengochea

domingo, 29 de setembro de 2013

O CENTRÃO DECLARA GUERRA



ZERO HORA 29 de setembro de 2013 | N° 17568

25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

O Centrão declara guerra

Conservadores montam bloco para romper isolamento e derrotar a esquerda



Diante de um plenário tenso e abarrotado, o deputado José Lourenço (PFL-BA), um dos mais exaltados do Centrão, pegou um exemplar do texto proposto pela Comissão de Sistematização, aproximou-se do microfone de apartes e anunciou que iria rasgá-lo. Em um gesto de ódio, em outubro de 1987, partiu as folhas ao meio. Era a declaração de guerra dos conservadores. Eles tinham tornado a mudança do regimento e de itens do texto da Sistematização questão fundamental.

Meses antes, em junho, essa poderosa comissão iniciava suas atividades. Com 93 membros, seria responsável por unificar os textos das subcomissões e comissões que haviam atuado entre abril e junho e apresentar uma proposta de Constituição para ser votada. Nos cinco meses de funcionamento da Comissão de Sistematização, dominada pela intelectualidade dos progressistas, dos moderados e dos parlamentaristas, os conservadores e o baixo clero ficaram sem função. Andavam a esmo pelo Congresso. Foram apelidados de “turistas”.

O alijamento do pensamento médio e a aprovação de propostas consideradas radicais – como a reforma agrária com direito à desapropriação de grandes terras produtivas e a proibição da “demissão imotivada” no serviço privado – começaram a trazer inquietações. Outras polêmicas eram a adoção do parlamentarismo e um mandato de quatro anos para Sarney.

Eram as senhas para o início da rebelião. Pelas regras vigentes, seria quase impossível modificar isso em plenário, onde seriam necessários 280 votos. A apresentação de novas emendas também era proibida. Ou seja, havia um grande engessamento que favorecia as decisões da Sistematização.

– O Centrão foi consequência de uma maioria descontente, por estar marginalizada. Juntaram-se a isso o conservadorismo e os interesses do governo Sarney – constata João Gilberto Lucas Coelho.

– A Comissão de Sistematização não representava a média do pensamento do plenário. Ulysses teve de interromper os trabalhos por vários dias para fazer os ajustes propostos pelo Centrão. Quando ele anunciou isso, o Haroldo Lima (PC do B) se indignou, subiu em uma mesa e passou a gritar. Fez uma bola de papel e jogou na direção do Ulysses. Ele errou, mas foi uma confusão tremenda – diz o deputado Miro Teixeira (PMDB-RJ), hoje no PDT.

– A Sistematização tinha um projeto de tendência socialista. Ao perceber isso, organizamos um levante – diz Guilherme Afif Domingos (PL-SP), hoje ministro de Dilma Rousseff pelo PSD.

A esquerda, integrada por metade do PMDB, PT, PDT, PC do B, PCB e PSB, refuta a tese de que defendia ideais “comunistas”.

– Não se propunha o socialismo, mas se defendia um Estado sob controle público, e não privado – descreve o ex-deputado Olívio Dutra (PT-RS).

Em dezembro, o Centrão atropelou a ala progressista com 290 votos, aprovando a mudança regimental. Ganhou notoriedade, nesse período, o deputado Nelson Jobim (PMDB-RS). Como passaram a ser aceitos novos textos em plenário, Jobim criou o expediente da emenda aglutinativa, que permitia a junção de partes de textos distintos para escrever um outro de consenso entre os blocos políticos. Até hoje esse método é utilizado.

Depois da vitória da reforma do regimento, o bloco conservador jamais tornaria a reunir sozinho a maioria absoluta, engoliria derrotas, seria humilhado, teria de fazer vários acordos de plenário por não conseguir impor sua vontade, mas também voltaria a frustrar a esquerda.

– Tudo o que era reacionário, contra os interesses dos pobres, do povo e da nação, vinha do Centrão – opina o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, então no PT e hoje militante do PSOL.

No entanto, muitos dos que se opuseram à rebelião conservadora mudaram de opinião. Creem, hoje, que a alteração do regimento foi importante.

– A Comissão de Sistematização era tão sectária que chegou ao ponto de exigir maioria para derrubar o texto que a minoria havia escrito. Essa foi a primeira causa do surgimento do Centrão: a mudança do regimento. Perdi essa batalha. Ainda bem. O Centrão não era reacionário. Tinha reacionários, mas era essencialmente conservador, para o bem e para o mal. Esse conflito brecou os voos de generosidade sem limites da Comissão de Sistematização – analisa o ex-deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).

*

Relator da Comissão de Sistematização, Bernardo Cabral era o dono da caneta mais poderosa do país. O que ele escrevesse, fatalmente se tornaria lei. Por conta do poder em suas mãos, Cabral se tornou alvo. Primeiro, foram as ameaças de morte. Depois, pessoas que se identificavam como integrantes do Comando Delta passaram a insinuar o sequestro de sua neta, então com cinco anos. Não faziam nenhuma exigência. Queriam intimidar. A autoria jamais foi esclarecida. Cabral confidenciou os fatos somente a Ulysses e ao então secretário-geral da Constituinte, Paulo Afonso. Ambos lhe aconselharam a não divulgá-los. Deixar cair no esquecimento. E assim foi.

– Passei noites em claro, me sentido em uma ingrata peregrinação, mas sem nunca desanimar – diz Cabral.

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