Costurada por lobis e dispositivos utópicos
Remendada por mais de 70 emendas, detalhista, confusa e extensa
ZERO HORA 20 de setembro de 2013 | N° 17559
ARTIGOS
Eduardo K.M. Carrion*
Com relação ao acolhimento dos embargos infringentes pelo STF na Ação Penal Originária 470, a do denominado mensalão, convém antes de tudo insistir em que não se trata da absolvição de réus. Os embargos infringentes dependem para sua impetração da existência de pelo menos quatro votos divergentes e fixam-se nos limites da divergência, basicamente com relação aos crimes de formação de quadrilha e de lavagem de dinheiro. Poderá, então, ocorrer, por exemplo, redução da pena com relação ao crime de formação de quadrilha, levando a sua eventual prescrição, mas mantendo-se a condenação dos réus por outros crimes. Poderá também haver pura e simplesmente a absolvição pelo crime de formação de quadrilha. Mas nenhum dos já condenados sairá finalmente impune. A consequência, quando muito, seria a mudança do regime prisional, de regime fechado para regime semiaberto.
Os embargos infringentes são previstos pelo artigo 333 do Regimento Interno do STF, que data de 1980. Sob a égide da Carta Constitucional de 1969, na realidade da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, o mesmo já ocorrendo com a Carta Constitucional de 1967, atribuiu-se ao STF poder normativo primário. Assim, o dispositivo em questão foi recepcionado pela Constituição de 1988 com o status de lei ordinária. Por sua vez, a Lei 8.038, de 1990, que instituiu normas procedimentais para os processos perante o STJ e o STF, não revogou propriamente o dispositivo em questão, nem por substituição, mesmo porque, ao tratar da ação penal originária, limita-se, conforme se deduz do artigo 12, até a instrução. Outra questão seria repensar nosso sistema recursal para o futuro.
Há, ainda, um aspecto importante no acolhimento dos embargos infringentes. A defesa de alguns dos réus já ameaçou com um apelo à Corte Interamericana dos Direitos Humanos. O Artigo 8, 2), h), da Convenção Americana Sobre Direito Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, prevê o “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”. Já há precedentes neste sentido na Corte. O acolhimento dos embargos infringentes atende minimamente ao princípio do duplo grau de jurisdição, reclamado pelo Pacto, embora examinados pelo mesmo tribunal.
Natural que haja um relativo desalento por parte da sociedade com relação ao acolhimento dos embargos infringentes. Mas o combate à impunidade e à corrupção é um processo, constituído por momentos e etapas, devendo ser sempre sob o império da lei e da Constituição. Neste sentido, podemos dizer que temos seguramente avançado.
*PROFESSOR TITULAR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA UFRGS E DA FMP
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Sob o império de uma constituição costurada pelos vários lobis, com dispositivos nunca aplicados na prática, com mais de 70 emendas (algumas contraditórias) e extensa, o Brasil segue sem rumo, sem lei, sem justiça e sem ordem. Como confiar numa constituição cheia de direitos particulares e privilégios e poucos deveres e contrapartidas?
Uma constituição que é alterada ao bel prazer do poder político não é uma constituição, mas um instrumento do poder totalitário que faz as suas regras, estabelece seus privilégios e consolida seus interesses particulares se lixando para o povo. A República Federativa do Brasil precisa de uma constituição rígida, enxuta, sistêmica e com dispositivos próprios de uma carta magna, criando condições para o Brasil ser de fato um país livre, justo e soberano, com lei e ordem, com direitos e deveres, com assistencialismo e contrapartidas, com uma justiça coativa e com leis sendo respeitadas, executadas e aplicadas na finalidade e na plenitude, coibindo e punindo com agilidade todos os tipos de ilicitudes e autores, por mais poderosos e influentes que sejam.
Remendada por mais de 70 emendas, detalhista, confusa e extensa
ZERO HORA 20 de setembro de 2013 | N° 17559
ARTIGOS
Eduardo K.M. Carrion*
Com relação ao acolhimento dos embargos infringentes pelo STF na Ação Penal Originária 470, a do denominado mensalão, convém antes de tudo insistir em que não se trata da absolvição de réus. Os embargos infringentes dependem para sua impetração da existência de pelo menos quatro votos divergentes e fixam-se nos limites da divergência, basicamente com relação aos crimes de formação de quadrilha e de lavagem de dinheiro. Poderá, então, ocorrer, por exemplo, redução da pena com relação ao crime de formação de quadrilha, levando a sua eventual prescrição, mas mantendo-se a condenação dos réus por outros crimes. Poderá também haver pura e simplesmente a absolvição pelo crime de formação de quadrilha. Mas nenhum dos já condenados sairá finalmente impune. A consequência, quando muito, seria a mudança do regime prisional, de regime fechado para regime semiaberto.
Os embargos infringentes são previstos pelo artigo 333 do Regimento Interno do STF, que data de 1980. Sob a égide da Carta Constitucional de 1969, na realidade da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, o mesmo já ocorrendo com a Carta Constitucional de 1967, atribuiu-se ao STF poder normativo primário. Assim, o dispositivo em questão foi recepcionado pela Constituição de 1988 com o status de lei ordinária. Por sua vez, a Lei 8.038, de 1990, que instituiu normas procedimentais para os processos perante o STJ e o STF, não revogou propriamente o dispositivo em questão, nem por substituição, mesmo porque, ao tratar da ação penal originária, limita-se, conforme se deduz do artigo 12, até a instrução. Outra questão seria repensar nosso sistema recursal para o futuro.
Há, ainda, um aspecto importante no acolhimento dos embargos infringentes. A defesa de alguns dos réus já ameaçou com um apelo à Corte Interamericana dos Direitos Humanos. O Artigo 8, 2), h), da Convenção Americana Sobre Direito Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, prevê o “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”. Já há precedentes neste sentido na Corte. O acolhimento dos embargos infringentes atende minimamente ao princípio do duplo grau de jurisdição, reclamado pelo Pacto, embora examinados pelo mesmo tribunal.
Natural que haja um relativo desalento por parte da sociedade com relação ao acolhimento dos embargos infringentes. Mas o combate à impunidade e à corrupção é um processo, constituído por momentos e etapas, devendo ser sempre sob o império da lei e da Constituição. Neste sentido, podemos dizer que temos seguramente avançado.
*PROFESSOR TITULAR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA UFRGS E DA FMP
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Sob o império de uma constituição costurada pelos vários lobis, com dispositivos nunca aplicados na prática, com mais de 70 emendas (algumas contraditórias) e extensa, o Brasil segue sem rumo, sem lei, sem justiça e sem ordem. Como confiar numa constituição cheia de direitos particulares e privilégios e poucos deveres e contrapartidas?
Uma constituição que é alterada ao bel prazer do poder político não é uma constituição, mas um instrumento do poder totalitário que faz as suas regras, estabelece seus privilégios e consolida seus interesses particulares se lixando para o povo. A República Federativa do Brasil precisa de uma constituição rígida, enxuta, sistêmica e com dispositivos próprios de uma carta magna, criando condições para o Brasil ser de fato um país livre, justo e soberano, com lei e ordem, com direitos e deveres, com assistencialismo e contrapartidas, com uma justiça coativa e com leis sendo respeitadas, executadas e aplicadas na finalidade e na plenitude, coibindo e punindo com agilidade todos os tipos de ilicitudes e autores, por mais poderosos e influentes que sejam.
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